A Receita, produção de O Poste Soluçōes Luminosas, com a atriz Naná Sodré, projeta a vingança de uma mulher comum, que ano após ano sofre com a violência, o descaso, o desamor e a intolerância masculina dentro da própria casa. A peça, que leva a assinatura de Samuel Santos na direção, dramaturgia, encenação e figurino, faz uma apresentação nesta terça-feira no Sesc de Casa Amarela, dentro da 9ª Mostra Capiba de Teatro.
Na chave do tragicômico, Naná Sodré expõe os desatinos dessa anônima de meia-idade como reação à brutalidade e ao abandono do marido e dos filhos. Ela passa a maior parte do tempo na cozinha tentando temperar suas ilusões com sal, alho e coentro com cebolinha. Sua narrativa projeta as naturezas do seu ser no processo de intolerância, loucura e morte.
A plateia é cúmplice desse desabafo, em que palavras faladas disputam com os gestos em excesso.
A montagem A receita foi erguida a partir do embrião de cinco minutos, um experimento dirigido por Eugenio Barba e Julia Varley, no VI Masters-in-Residence, ocorrido em Brasília em 2013. Ao voltar ao Recife, Naná e o diretor Samuel Santos prosseguiram com a pesquisa, com o apoio do edital de ocupação do Teatro Joaquim Cardozo/UFPE, no período de maio a julho de 2014.
Com foco no teatro físico, Samuel Santos leva para cena teorias e técnicas de Michael Chekhov, Vsevolod Meyerhold e Eugenio Barba. A dramaturgia atorial[1] da peça, tenta dar conta dessa persona: mulher, negra, casada e mãe, que passa a maior parte de seu tempo na cozinha, sublimando, com a arte culinária, sua condição de oprimida.
Vestida de avental, a personagem transborda em metáforas e gestos situações do seu cotidiano infeliz. Samuel Santos quer traduzir nessa figura todas as mulheres que sofrem com maus-tratos em qualquer lugar do mundo. Ela sublinha, reforça situações, num ritual que se repete. Sua fala carrega a musicalidade de uma ladainha.
Como parte da investigação dos processos culturais de raízes africanas, também são incluídos cantos e orações de matizes africanas. Que se embaralham na composição de uma partitura sonora, que cruza as orações da cultura cristã.
A atriz investe nos seus recursos psicofísicos, para construir essa dramaturgia atorial e despertar o interesse do espectador na vida dessas mulheres violentadas física e psicologicamente. A peça tem duração de 50 minutos.
[1] Composição atorial, intérprete-criador e dramaturgia corporal são algumas expressões que tentam dar conta do descentramento do discurso textual/verbal para processos de enunciação que emergem das interações complexas do corpo do ator – através de suas ações, gestos, estados, construções – com os demais elementos constitutivos da cena. Tais terminologias refletem também um processo de maturação criativa e propositiva por parte dos atuantes. CURI (UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA – BRASÍLIA/DF, BRASIL), Alice Stefânia. Dramaturgias de Ator: puxando fios de uma trama espessa. Revista Brasileira de Estudos da Presença, [S.l.], v. 3, n. 3, p. 907-919, set. 2013. ISSN 2237-2660. Disponível em: <http://www.seer.ufrgs.br/index.php/presenca/article/view/38126/27110>. Acesso em: 18 out. 2016.
Ficha Técnica
Direção, autoria, adereços, sonoplastia e iluminação: Samuel Santos
Atuação, figurino e maquiagem: Naná Sodré
Técnica em rolamento: Mestre Sifu Manoel
SERVIÇO
A Receita, com Naná Sodré (O Poste Soluções Luminosas) – Recife – PE
Quando: Nesta Terça, às 20h
Onde: Teatro Capiba. SESC Casa Amarela (Av. Professor José dos Anjos, 1190. Bairro: Mangabeira)
Ingressos: R$ 20 e R$ 10
teatrocapiba@gmail.com
81 – 3267-4410
Duração: 50’
Classificação etária: 16 anos
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