“O repertório do Teatro de Amadores não é acessível ao grosso do público. Nem se poderia argumentar que esse mesmo repertório deveria ser oferecido, como elemento educativo, a certa massa do público. Porque a seriedade da representação, a pureza do ambiente, a elevação da peça teriam de ser constantemente perturbadas pela incompreensão da plateia, nada adiantando, finalmente, à formação de uma mentalidade superior. O Teatro de Amadores não ‘faz’ educação; faz cultura”. O depoimento é polêmico; e revela um pouco de quem era Valdemar de Oliveira (1900-1977), criador de um dos grupos mais importantes da história das artes cênicas do estado: o Teatro de Amadores de Pernambuco, TAP.
Poderia ser elitista, assumidamente anticomunista, mas ao mesmo tempo, Valdemar foi um homem de teatro como poucos. Propôs rupturas com o estabelecido no palco, como o fim do ponto para os atores e a força da figura do encenador em detrimento do ensaiador, levou “a mulher da sociedade” ao palco, e essa mesma “sociedade” trouxe ao teatro para assistir à primeira peça com temática gay – Esquina perigosa, em 1949. “Paulo Francis escreveu, por exemplo, que Ariano Suassuna só foi capaz de escrever Auto da Compadecida por conta do TAP. Que a estrutura moderna se deveu ao olhar que o TAP levou para a cena”, atesta o encenador e professor Antonio Edson Cadengue que, por dez anos, se dedicou a estudar o grupo.
Hoje, às 19h20, Cadengue lança na Academia Pernambucana de Letras (Avenida Rui Barbosa, 1596, Graças) os dois volumes do livro TAP – Sua cena & sua sombra: o Teatro de Amadores de Pernambuco (1941-1991) (Cepe Editora, 936 páginas, R$ 90). O trabalho é resultado da dissertação de mestrado (1988) e da tese de doutorado (1991) que o encenador defendeu na Universidade de São Paulo, sob orientação de Sábato Magaldi. O livro – um resgate histórico fundamental para que possamos entender a trajetória do teatro moderno em Pernambuco – já esteve para ser editado algumas vezes e, agora, 20 anos depois, está saindo por conta do apoio do Sesc Piedade.
“Quando cheguei ao Recife, as pessoas não davam muito crédito ao TAP. Não sei se eram desrespeitosas, mas era como se o grupo já tivesse cumprido o seu papel. Anos depois, no início dos anos 1980, tive acesso ao acervo do TAP na casa de Diná Rosa Borges de Oliveira (esposa de Valdemar). E foi aí que despertei. Queria saber o que as pessoas tinham dito daqueles espetáculos. Era um tipo de teatro que víamos nos livros de história do teatro, em referências longínquas”, conta. Para se ter uma ideia, de 1941 a 1991, o TAP encenou 92 espetáculos. Cadengue faz descrições e análises das peças, além de escrever também um capítulo sobre Valdemar.
Para esta geração – que não viu montagens de peso do TAP, que só vai ao Teatro Valdemar de Oliveira, que nem de longe é mais a casa da elite intelectual do teatro -, Cadengue espera, por exemplo, que Reinaldo de Oliveira, que ganhou a responsabilidade de levar o grupo adiante depois que o pai Valdemar morreu, volte aos palcos. “É uma pena que Reinaldo não esteja no palco, mas ele tem 81 anos e é impressionante, está no hospital todas as manhãs, operando”, conta. “O caminho eu não sei qual é, mas acho que poderia haver um redimensionamento do que é o TAP, uma escola, uma montagem com atores mais jovens e mais velhos”, complementa. Será que os anos que levaram a depuração estética do TAP podem devolvê-la? Isso é mesmo possível? Questionamentos para mais dez anos de pesquisa.