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Criaturas invisíveis expõem feridas sociais

Ruína dos Anjos. Foto: Andréa Magnoni

Ruína dos Anjos, da d’A Outra Companhia de Teatro. Fotos: Andréa Magnoni

Figuras emblemáticas e marginalizadas da realidade brasileira expõem as feridas sociais e ambiguidades desse viver humano neste século. Uma travesti que se vira na noite; um paraplégico vendedor de café; um traficante que se apresenta como pastor evangélico; um ex-militar homofóbico conhecido pelo histórico de violência e abusos; um mendigo catador de lixo e uma artista de rua que cospe fogo. Essas personagens conduzem a narrativa itinerante do espetáculo Ruínas de Anjos, d’A Outra Companhia de Teatro. O cortejo cênico itinerante ocorre hoje, às 18h, com início em frente à Igreja Madre de Deus, no Recife Antigo e segue pelas ruas do bairro. A montagem buscou chamar a atenção para o abandono do centro antigo de Salvador e isso vale muito para a situação da capital pernambucana.

O trabalho cênico, híbrido de teatro de rua, intervenção urbana e performance, parte da possibilidade da reabertura de um cinema de bairro. Essa perspectiva desperta a esperança de revitalização do lugar. que já teve seus dias de glória, mas sofre com o descaso do poder público. A peça é atravessada pela potência de reflexões sobre ocupação do espaço social, violência, questões de gênero, marginalidade, tráfico de drogas, invisibilidade de desvalidos, comercialização da fé. A obra A Missão, do dramaturgo alemão Heiner Müller (1929-1945), que explora um mundo pós-guerra, foi uma das inspirações dramatúrgicas para Ruínas de Anjos.

Ruína dos Anjos, da d'A Outra Companhia de Teatro. Fotos: Andréa Magnoni

Personagens invisibilizados pela opressão social são os protagonistas do espetáculo 

A peça integra a 20ª edição do Palco Giratório nacional, que inclui 36 apresentações em Pernambuco, de espetáculos de teatro, dança e circo. Estão previstas também 13 oficinas, 10 Pensamentos Giratórios, três intercâmbios, sendo dois na cidade do Recife e um em São Lourenço da Mata e um seminário; ações que ocorrem de abril a novembro.

A Outra Companhia de Teatro traçou o intercâmbio com o grupo Experimental, que apresentou o espetáculo Pontilhados, ontem, no Recife Antigo. A trupe soteropolitana – que atua desde 2004 e já montou 13 espetáculos – participa do Pensamento Giratório com o Grupo Experimental, amanhã (quarta-feira, 12 de abril), às 15h no Teatro Capiba, que fica no Sesc Casa Amarela.

Ficha Técnica

Criação: Luiz Antônio Sena Jr. e Vinícius Lírio
Encenação e Preparação de Elenco: Vinícius Lírio
Direção de Cena e Dramaturgia: Luiz Antônio Sena Jr.
Texto: Luiz Antônio Sena Jr. e elenco
Consultoria de Encenação e Dramaturgia: Eliana Monteiro, Francis Wilker e Luiz Fernando Marques (Lubi)
Dramaturgia Sonora: Roquildes Junior
Elenco: Anderson Danttas, Eddy Veríssimo, Israel Barretto, Luiz Antônio Sena Jr, Luiz Buranga e Roquildes Junior
Músicas: Dama da noite – Roquildes Junior e Aline Nepomuceno; Olhe para isso – Israel Barretto, Luiz Antônio Sena Jr e Roquildes Junior; Meu pó – Roquildes Junior
Preparação Vocal: Babaya Morais
Cenografia e Adereços: Luiz Buranga
Iluminação: Fernanda Paquelet
Caracterização: Thiago Romero
Direção de Produção: Luiz Antônio Sena Jr.
Produção/Realização: A Outra Companhia de Teatro

Serviço

Ruína dos Anjos
Quando: 11 de abril (Terça-feira), às 18h
Onde: começa em frente à Igreja Madre de Deus, no Recife Antigo,
Entrada Franca
Gênero: Rua
Classificação etária: 16 anos
Duração: 70 minutos

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Equilíbrio nos trilhos de Williams

Propriedade condenada, texto de Tennessee Williams, direção de Érico José. Foto: Pollyanna Diniz

Quem conheceu Tennessee Williams diz que estar ao lado dele não era exatamente agradável. O dramaturgo e diretor Arthur Laurents, em entrevista a Richard Eyre, registrada no livro Talking Theatre, diz: “You should never have met Tennessee. He was usually drunk. He made silly jokes. I didn’t know him all that weel. He wasn’t the kind of person you wanted to spend time with. For me particularly because I revered his work, so I didn’t want to be disappointed in the person”.

Bêbado ou não; perturbado por um biografia punk-hardcore, que inclui uma lobotomia sofrida pela irmã; Williams era genial. Tanto é que foi o vencedor do Pulitzer por duas vezes, com Um bonde chamado desejo e Gata em teto de zinco quente. A história guardada na memória e na gaveta do encenador Érico José por alguns anos, no entanto, não é desses mais badalados, que viraram inclusive filme, mas o texto curto Propriedade condenada, de 1946. Foi essa a montagem (o texto foi traduzido por Diego Albuck) que Uerla Cardoso e Augusto Nascimento, da Escola de Teatro da UFBA, apresentaram no último sábado na VI Mostra Capiba de Teatro.

O texto de Tennessee é extremamente político. Fala do esfacelamento de um sociedade a partir de uma história particular: da garota Willie – a mãe dela fugiu com um homem, o pai desapareceu, a irmã foi abusada e morreu de tuberculose, e a menina herdou os seus amantes. Um enredo por demais indigesto. Willie e o adolescente Tom se encontram nos trilhos de um trem e é quando Willie começa a contar ao amigo parte da sua história.

Embora seja forte e fundamental, não é só no texto que está o vigor da montagem proposta por Érico José e por seu assistente de direção Vinícius Lírio; mas sim no trabalho de corpo dos jovens atores. Érico partiu das suas pesquisas sobre butô e biomecânica para levar ao palco algo que não tem necessariamente a ver com emoção – mas com energia. Há uma interação entre os atores que transcende o diálogo.

Para completar, as cenas são construídas como verdadeiras coreografias, como a entrada do garoto com uma pipa; a dança dos dois; um rio que aparece nos meios do trilho. A montagem também é rica em signos que podem ser interpretados a partir do olhar de cada espectador. Os personagens, por exemplo, têm os corpos pintados de branco numa referência clara ao butô, o que não exclui outras camadas de significados.

Pode existir, por exemplo, uma relação com o imaginário, com o sonho, com o surreal – em certo momento Tom diz algo do tipo: “mas essas histórias parecem ter sido inventadas, Willie”. Será que aconteceram mesmo? Há ainda uma dicotomia que se estabelece muito – entre o equilíbrio e o desequilíbrio; desde o andar nos trilhos, até a relação de energia entre os dois atores.

Apesar de muito jovens, Uerla e Augusto estão muito bem em cena (até cantam em inglês). Cenografia (trilhos de madeira cortam o palco) e iluminação ajudam na tarefa de trazer o espetáculo ainda mais para perto do público. Se o texto é mais um dos elementos dessa encenação, tudo parece ter sido muito bem dosado. E, além de tudo, Propriedade condenada ainda serve para mostrar como as pesquisas surgidas dentro da universidade podem ser levadas ao palco de forma muito bem sucedida.

Uerla Cardoso como a garota Willie

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