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A retomada do Festival Recife do Teatro Nacional

Viva o povo brasileiro. Foto Annelize Tozetto / Divulgação

Se eu fosse Malcolm. Foto: Rogerio Alves / Divulgação

É ambiciosa a 22ª edição do Festival Recife do Teatro Nacional que se desenrola entre 16 e 26 de novembro na capital pernambucana. Essa programação, da retomada, junta 28 espetáculos, sendo 15 produções do estado e 13 montagens nacionais inéditas no Recife, que estarão espalhadas pelos teatros de Santa Isabel e Parque, Apolo e Hermilo Borba Filho, Barreto Júnior e Luiz Mendonça. Além de ocupar as ruas da cidade, com apresentações no Morro da Conceição e na Avenida Rio Branco e nos mercados públicos de São José, Afogados, Água Fria e Casa Amarela. Esta edição mais que dobra em quantidade de peças da última, em 2019 (e talvez a mais reduzida, que aglutinou 12 obras cênicas) e tem como meta reavivar em tom maior um festival muito importante para cidade.

A 22ª edição do programa alimenta um clima festivo e de resistência, como a assumir um respiro depois desses últimos anos de pandemia e de pandemônio. E sintoniza com algumas pautas urgentes desse mundo problemático. Há uma diversidade de assuntos, das guerras ao protagonismo feminino, do sagrado ancestral indígena às mudanças climáticas, dos grandes gênios como Shakespeare e Garcia Lorca, passando pelo brasileiro João Ubaldo Ribeiro, ao poeta recifense periférico Miró da Muribeca.

É lógico que os recortes curatoriais poderiam ser outros. Um festival também é feito de possíveis. Dos recursos reservados para essa finalidade, disponibilidades dos grupos teatrais para compor a programação, escolhas e combinações entre produto artístico e espaço para pensamento crítico. Enfim, uma rede de negociações, interesses expostos e secretos, recortes curatoriais (mesmo quando são por chamamento púbico), prioridades de investimento.

De todo modo e preciso destacar a relevância deste festival para a cidade, tanto para o público quanto para os artistas do Recife. Lembro que já ouvi mais de uma vez o depoimento do ator, diretor e dramaturgo Giordano Castro, do Grupo Magiluth, que salienta a relevância para a formação dele mesmo, de sua trupe e dos artistas da cidade ao apontar o Festival Recife do Teatro Nacional como preponderante na construção de caminhos estéticos, éticos e políticos. Não é pouco.

A primeira versão do FRTN ocorreu em 1997, levando ao Recife um panorama de parte da produção cênica brasileira. Nessa edição inaugural algumas peças chegavam para tensionar certezas. Entre os espetáculos participantes estavam Para Dar um Fim no Juízo de Deus, encenada por José Celso Martinez Corrêa, Ensaio para Danton, de Sérgio de Carvalho, Rua da Amargura, do grupo Galpão na montagem de Gabriel Villela, as produções recifenses Duelo com encenação de Carlos Carvalho e a versão teatral controversa de A Pedra do Reino, do romance de Ariano Suassuna encenada por  Romero de Andrade Lima; entre outros.

Miró: Estudo nº 2 , do Grupo Magiluth. Foto: Joao Maria Silva Jr/ Divulgação

 

Yerma Atemporal. Foto Divulgação

O FRTN começa nesta quinta-feira com o musical carioca Viva o Povo Brasileiro (De Naê a Dafé), produzido pela Sarau Cultura Brasileira. A versão cênica do romance Viva o Povo Brasileiro, de João Ubaldo Ribeiro (1941-2014), é dirigida por André Paes Leme, tem 30 músicas originais compostas por Chico César, e direção musical e trilha original  assinada por João Milet Meirelles (da banda BaianaSystem). Ambientada em Itaparica, na Bahia, a montagem expõe um período de 400 anos, 1647 a 1977, acompanhando uma alma em busca da identidade brasileira, que encarna em personagens invisibilizadas nesse percurso histórico. Três figuras – Caboclo Capiroba, o Alferes e Maria Dafé -, destacam a força da ancestralidade na luta contra a escravidão e por uma igualdade e justiça social até hoje.

A produção local é majoritária nesta edição, pois ficou represada nos três anos sem festival e graças à articulação dos artistas que convenceram a equipe coordenadora do festival que pode ser uma boa ideia de dar uma centralidade aos trabalhos locais, ou seja, ter muitas peças pernambucanas num festival nacional pernambucano. 

Miró: Estudo nº 2, do Magiluth, celebra o poeta e a literatura de Miró da Muribeca, um homem negro e periférico que instalou em seu corpo performático o Recife como seu mundo. Com suas palavras feitas de amor e revolta o artista deslocou a margem para o centro do protagonismo. A partir de Miró, o Magiluth reflete neste espetáculo os lugares dos sujeitos numa peça teatral e para além dela.

Yerma – Atemporal revisita Garcia Lorca numa perspectiva do papel da mulher na sociedade contemporânea, da obsessão da protagonista em ser mãe e dos desejos femininos. A peça tem tradução e adaptação de Simone Figueiredo, e direção dela junto com Paulo de Pontes.

A performance cênico-musical Se eu fosse Malcom, percorre o legado de Malcolm X, uma das mais potentes vozes no combate à segregação racial, num trabalho  atravessado por outras ativistas feito Elza Soares, Lélia González e bell hooks. Com Eron Villar e Dj Vibra.

Grande Prêmio Brazil, performance urbana de Andréa Veruska e Wagner Montenegro,  apresentam duass personagens, Salário Mínimo e Custo de Vida, em quatro sessões nos mercados públicos da cidade.

Livremente inspirada em Gil Vicente, a montagem O Auto da Barca do Inferno, da Cênicas Cia de Repertório com direção de Antonio Rodrigues traz para a atualidade a discussão de moral, convenções sociais e religiosidade da dramaturgia.

O Irôko, a Pedra e o Sol, do grupo O Poste. Foto Ayane Melo

Severino e Sebastião vivem um romance homoafetivo e são perseguidos pela pequena comunidade quilombola evangelizada do Sertão pernambucano onde moram. O espetáculo O Irôko, a Pedra e o Sol utiliza referências da cultura de matriz africana, ancestralidade corporal e vocal. A montagem do grupo O Poste Soluções Luminosas tem elenco formado inteiramente por artistas negros. A trilha sonora foi composta e é tocada ao vivo pelo Grupo Bongar. 

Ao Paraíso tem texto e direção de Valécio Bruno, inspirado no conto Eu, agente funerário, de Hermilo Borba Filho. É a história do herdeiro de uma funerária à beira da falência, mas que vê seu  destino mudar após a chegada de um misterioso andarilho. O espetáculo é o resultado da pesquisa vencedora do edital O Aprendiz em Cena 2020.

Solo Para um Sertão Blues, é baseado no livro de título homônimo, da escritora Cida Pedrosa. O trabalho musical leva para a cena as vozes, climas e memórias de mulheres catadoras de algodão da região do sertão de Pernambuco. A direção é de Cláudio Lira.

Com classificação livre (crianças a partir de 4 anos), o espetáculo Enquanto Godot Não Vem versa sobre o tempo, sobre o que fazemos do nosso tempo. Enquanto esperam um mestre, os três Palhaços, Dodo, Dunga e Cadinho, refletem sobre as pulsações da vida nos dias de hoje.

Vento Forte para Água e Sabão. Foto: Rogerio Alves / Divulgação –

Alguém para fugir comigo. Foto: Divulgação

Fazem parte do repertório do Festival as montagens Deslenhar, do grupo Teatro Miçanga, Alguém para fugir comigo, do Resta 1 Coletivo (leia texto aqui), Pedras, flor e espinho, do grupo ACA Produções Artísticas, Narrativas encontradas numa garrafa pet, do Grupo São Gens de Teatro (leia crítica aqui), o infantil Céu estrelado, do grupo Pedra Polida, além de Vento forte para água e sabão, do Grupo Fiandeiros, fundado por um dos homenageados da 22ª edição do festival recifense, André Filho,

Duas sessões de leitura dramatizada integram o evento:  Justa, com texto de Newton Moreno, também homenageado do festival, encenado por Fabiana Pirro e Ceronha Pontes; e O Sonho de Ent, com texto de André Filho, encenado pela Cia Fiandeiros.

Cabaré Coragem, com o Grupo Galpão. Foto: Mateus Lustosa /Divulgação

Nacionais e inéditos

O tema desta edição é Teatro e Democracia e está presente na peça de abertura Viva o povo brasileiro (De Naê a Dafé) e de alguma forma em todas as montagens.

O Grupo Galpão, coletivo mineiro que já participou de várias edições do festival, desde a primeira, comparece com dois espetáculos inéditos: De tempo somos, um musical que celebra a história da companhia, e Cabaré Coragem, que reafirma a arte como lugar de identidade e permanência, e chama o público para compartilhar um repertório de músicas interpretadas ao vivo com números de variedades e danças, fragmentos de textos da obra de Brecht e cenas de dramaturgia própria.

O Clows de Shakespeare, do Rio Grande do Norte, leva para as ruas do Morro da Conceição algumas personagens do clássico Ubu Rei, de Alfred Jarry. Sátira política do espetáculo Ubu – O que é bom tem que continuar.

 Com dramaturgia e direção geral de Newton Moreno, Sueño, da Heroica Companhia Cênica, desloca Sonhos de uma Noite de Verão, de Shakespeare, para uma América Latina em que vigorava o autoritarismo e é ainda assombrada pelas ditaduras de ontem, mas que sempre sonha com liberdade.

Tatuagem, musical da paulistana Cia da Revista, faz uma adaptação para o teatro do filme homônimo do pernambucano Hilton Lacerda, que resgatou a irreverência do grupo de teatro Vivencial. A Direção da peça é de Kleber Montanheiro.

Pelos quatro cantos do mundo. Foto: Divulgação

O solo autobiográfico Azira’i resgata a vivência da atriz Zahy Tentehar com a mãe, Azira’i Tentehar, a primeira mulher pajé da reserva indígena de Cana Brava, no Maranhão, onde ambas nasceram. Ancestralidade, amor e sagrado se irmanam no espetáculo, que tem direção é assinada por Denise Stutz e Duda Rios.

Entre os infantis estão na programação Pelos quatro cantos do mundo, da Cia Teatral Milongas, do Rio de Janeiro, que leva ao palco a jornada de uma criança síria refugiada em busca do pai. Boquinha: E assim surgiu o mundo, que trata, como o título aponta, da origem e grandeza do universo; com o Coletivo Preto, da Bahia, e texto do ator Lázaro Ramos.  

Enquanto a trupe de Nuno, formada por Ana, Nico, Jonas, Olivia e Suriá, os A.N.J.O.S. do título da peça, buscam algo que se perdeu, ou que um deles perdeu, eles utilizam dança e circo para conduzirem o público por uma aventura engraçada. com a Cia Nau de Ícaros, de São Paulo, espetáculo de dança e circo.

Confira a programação completa abaixo.

Oficinas

A parte formativa do FRTN inclui cinco oficinas gratuitas, entre os dias 15 e 23 de novembro. Júlio Maciel, do Grupo Galpão, comanda O Ator e o Trabalho em Grupo, no dia 15 (das 9h às 13h, no Teatro Hermilo Borba Filho) com foco nas práticas de trabalho e experiências de escuta, atenção, presença e criação coletivas.

Produção e Gestão de Grupos, com Gilma Oliveira, também do Grupo Galpão, ocorre no dia 16 de novembro, ainda no Hermilo, das 14h às 18h. Na pauta estão alguns princípios norteadores da produção cênica, relacionados a contratos, planejamento, orçamentos, liberações, cargas, roteiros, checklists, cronogramas e logística de viagens, entre outros.

O ator, palhaço, dramaturgo e diretor Duda Rios, um dos fundadores da Barca dos Corações Partidos toca a Oficina Criativa de Atuação e Movimento, entre os dias 21 e 25, das 9h às 13h, no Paço do Frevo. O trabalho busca  potencializar o exercício criativo, a partir da investigação do movimento, da incorporação da natureza (Máscara Neutra) e da construção de universos teatrais particulares surgidos em improvisações.

O dramaturgo pernambucano premiadíssimo e homenageado da edição deste ano do Festival, Newton Moreno, ministra de 21 a 23 de novembro, das 14h às 17h, a Oficina de Dramaturgia, dedicada ao processo de criação do texto teatral, a partir do estudo de caso de alguns textos/processos.

A artista carioca Maria Lucas vai trabalhar a construção de narrativas cênicas individuais e em grupo na Oficina Corpo-Coro, a partir de histórias pessoais, utilizando como ponto de partida três perguntas: de onde venho, quem sou e o que me move? A oficina é direcionada para pessoas com poucas oportunidades de acesso às artes, pessoas trans, LGBTs, pretas e indígenas e se realiza de 17 a 19 de novembro das 14h às 17h, no Paço do Frevo.

As inscrições podem ser feitas no link: https://forms.gle/DTtU2YkbMz5gGacb9.

Sueño, de Newton Moreno. Foto Divulgação

Tatuagem, dirigida por Kleber Montanheiro. Foto: Rodrigo Chueri Divulgação

22º Festival Recife do Teatro Nacional

De 16 a 26 de novembro

Acesso gratuito, mediante entrega de um quilo de alimento não perecível

 Programação

Dia 16 (quinta-feira)

19h – Abertura + Viva o povo brasileiro (De Naê a Dafé), da Sarau Cultura Brasileira, (RJ), no Teatro do Parque

 Dia 17 (sexta-feira)

12hGrande Prêmio Brazil, de Andréa Veruska e Wagner Montenegro (PE), no Mercado de São José

19hViva o povo brasileiro (De Naê a Dafé), da Sarau Cultura Brasileira (RJ), no Teatro do Parque

20h – Se eu fosse Malcom, de Eron Villar e DJ Vibra (PE), no Teatro Hermilo Borba Filho

20hDe tempo somos, do Grupo Galpão (MG), no Teatro Luiz Mendonça.

Dia 18 (sábado)

16hVento forte para água e sabão (infantil), do Grupo Fiandeiros (PE), no Teatro do Parque

18hAzira’i, solo da indígena Zahy Tentehar (RJ), no Teatro Apolo

18hCabaré Coragem, do Grupo Galpão (MG), no Teatro Luiz Mendonça

20hSueño, da Heroica Companhia Cênica (SP), no Teatro Santa Isabel

Dia 19 (domingo)

16hSueño, da Heroica Companhia Cênica (SP), no Teatro de Santa Isabel

16hEnquanto Godot não vem, da Cia 2 em Cena (PE), no Teatro Barreto Júnior

17h – O Irôko, a Pedra e o Sol, do grupo O Poste Soluções Luminosas (PE), no Teatro do Parque

18hAzira’i, solo da indígena Zahy Tentehar (MA), no Teatro Apolo

18hCabaré Coragem, do Grupo Galpão (MG), no Teatro Luiz Mendonça

Dia 20 (segunda-feira)

19hMiró: Estudo nº 2, do Grupo Magiluth (PE), no Teatro do Parque

19hDeslenhar, do grupo Teatro Miçanga (PE), na área externa entre os teatros Hermilo e Apolo

20hÓrfãs de Dinheiro, solo de Inês Peixoto (MG), no Teatro Apolo

Dia 21 (terça-feira)

20h – Alguém para fugir comigo, do Resta 1 Coletivo (PE), no Teatro Hermilo Borba Filho

Dia 22 (quarta-feira)

10hGrande Prêmio Brazil, de Andréa Veruska e Wagner Montenegro (PE), no Mercado de Afogados

17hUbu – O que é bom tem de continuar, do Grupo Clows de Shakespeare (RN), no Morro da Conceição

18h – Leitura dramatizada Justa, com Fabiana Pirro e Ceronha Pontes, na Faculdade de Direito

19hYerma – Atemporal, de Simone Figueiredo e Paulo de Pontes (PE), no Teatro do Parque

20hPedras, flor e espinho, do grupo ACA Produções Artísticas (PE), no Teatro de Santa Isabel

Dia 23 (quinta-feira)

10hGrande Prêmio Brazil, de Andréa Veruska e Wagner Montenegro (PE), no Mercado de Água Fria

17hUbu – O que é bom tem de continuar, do Grupo Clows de Shakespeare (RN), na Avenida Rio Branco

19hAuto da Barca do Inferno, da Cênicas Cia de Repertório (PE), no Teatro do Parque

21hSolo para um Sertão Blues, de Cláudio Lira (PE), no Teatro Apolo

21hNarrativas encontradas numa garrafa pet, do Grupo São Gens de Teatro (PE), no Teatro Hermilo Borba Filho

Dia 24 (sexta-feira)

11hGrande Prêmio Brazil, de Andréa Veruska e Wagner Montenegro (PE), no Mercado de Casa Amarela

15hBoquinha: E assim surgiu o mundo (infantil), do Coletivo Preto (BA), no Teatro Barreto Júnior

19h – Leitura dramatizada O Sonho de Ent, da Cia Fiandeiro (PE), na sede da companhia (Rua da Saudade, 240, Boa Vista)

20hContestados, da Cia Mútua Teatro e Animação (SC), no Teatro Apolo

21hAo Paraíso, de Valécio Bruno (PE), no Teatro Hermilo Borba Filho

Dia 25 (sábado)

15h – Boquinha: E assim surgiu o mundo (infantil), do Coletivo Preto (BA), no Teatro Barreto Júnior

17hA.N.J.O.S (infantil), da Cia Nau de Ícaros (SP), no Teatro Luiz Mendonça

17hPelos quatro cantos do mundo (infantil), Cia Teatral Milongas (RJ), no Teatro de Santa Isabel

18h e 20h – “Interior”, do Grupo Bagaceira (CE), no Teatro Hermilo Borba Filho

19h – “Tatuagem”, Cia Revista (SP), no Teatro do Parque

20h – “Contestados”, da Cia Mútua Teatro e Animação (SC), no Teatro Apolo

Dia 26 (domingo)

16hCéu estrelado (infantil), do grupo Pedra Polida (PE), no Teatro Apolo

17hA.N.J.O.S, da Cia Nau de Ícaros (SP), no Teatro Luiz Mendonça

17hPelos quatro cantos do mundo (infantil), Cia Teatral Milongas (RJ), no Teatro de Santa Isabel

18h e 20hInterior, do Grupo Bagaceira (CE), no Teatro Hermilo Borba Filho

19hTatuagem, Cia Revista (SP), no Teatro do Parque

 

 

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Sopro na dramaturgia para criança

O esetáculo Vento Forte para Água e Sabão, com montagem do Grupo de Teatro Fiandeiros. Foto: Rogério Alves /Divulgação

O espetáculo Vento Forte para Água e Sabão, da Companhia Fiandeiros de Teatro. Foto: Rogério Alves

A vida é breve e imprevisível. É preciso aproveitar cada segundo, entende a Bolonhesa depois que fez amizade com Arlindo. Metáfora poderosa, essa curiosa relação entre a bolha de sabão e a rajada de vento. Juntos eles vão experimentar as belezas e os sabores do mundo, mesmo sabendo que é tudo muito arriscado. O oitavo espetáculo da Companhia Fiandeiros de Teatro e o segundo voltado ao público da infância e juventude, Vento Forte para Água e Sabão está em cartaz aos sábados e domingos, às 16h, no Teatro Hermilo Borba Filho até o final do mês.

Para falar da fugacidade dessa passagem pela Terra e a ameaça constante da morte, o diretor levou para cena alusões a planetas, astros, estrelas, galáxias em contraponto lúdico com a bolha de sabão. No elenco da peça, incentivada pelo Funcultura, estãoTiago Gondim, Daniela Travassos, Geysa Barlavento, Kéllia Phayza, Victor Chitunda e Ricardo Angeiras.

O musical tem texto assinado por Giordano Castro e Amanda Torres. O ator do Grupo Magiluth fala um pouco sobre a dramaturgia, na entrevista a seguir.

Giordano Castro, ator e dramaturgo. Reprodução do FAcebook

Giordano Castro, ator e dramaturgo. Reprodução do Facebook

Como foi o processo para criação da peça Vento Forte para Água e Sabão?
Esse processo surgiu na oficina Fronteiras da Linguagem, na Fundaj, ministrada por Luiz Felipe Botelho. Um dos exercícios da oficina era experimentar a escrita a partir de um universo. Eu e Amanda, que éramos um grupo, ficamos com o universo do fantástico. E aí a gente enveredou por essa escrita. Eu e Amanda tínhamos vontade de escrever para criança. Queria escrever de como falar sobre morte para criança. Essa foi a proposta inicial e foi daí que surgiu a história da bolha de sabão e do vento.

Que valores você destaca na peça?
Acho bastante subjetivo. Na verdade, a gente enquanto fazedor artístico se propõe a criar uma obra. As leituras dessa obra, como ela é recebida, quais as mensagens e os valores que cada um tira dela é um processo de fruição pessoal. Acho que seria até uma arrogância minha. Sei o mote, a abordagem da morte para criança. O importante é apreciar e ver o que ela suscita em cada pessoa.

Como a peça dialoga com o Brasil de hoje?
Essa peça foi escrita há um bom tempo. Faz uns 4, 5 anos, não lembro bem. Se esse viés é o momento que a gente está vivendo agora, crise politica e tudo mais, acho que ela não dialoga diretamente com isso. Ela dialoga com uma questão que vai ser sempre falada, que é a vida e dentro dessa vida, a morte, que também faz parte dela. E é sempre um assunto delicado para qualquer pessoa, mas falar para uma criança… A primeira experiência com a morte pode se dar em várias linhas, mas quando se fala que é uma pessoa mais próxima, tudo é mais difícil. Mas tenho absoluta certeza que as crianças conseguem lidar e resolver conflitos muito melhor do que os adultos. Então é isso, a peça dialoga com a vida, com o que fazer e o que viver, porque a gente não sabe quando vai morrer.

É mais difícil escrever teatro para crianças do que para adultos?
Tenho achado cada dia mais que o difícil é escrever. Com as tecnologias, principalmente as redes sociais, blogs etc, todo mundo tem a possibilidade de escrever, de se expressar mais do que antigamente, que era preciso um veículo para expor as suas ideias. E hoje a internet democratizou isso. Então cada vez mais tem aparecido pessoas com escritas e estéticas bem interessantes. Escrever para adulto ou para criança acho que é indiferente com relação à dificuldade. O que acho que é importante perceber e olhar é saber o que você quer falar para esse determinado público. Eu tenho uma crença muito forte que a gente não tem que colocar a criança no lugar de uma tábula rasa, que precisa encher de informações. Como eu disse, elas conseguem lidar com muitas coisas do dia a dia, da vida muito melhor do que qualquer adulto. Assim em vez de olhá-las de cima para baixo, vamos olhá-las de frente, olho a olho e saber lidar com essa informação. Então, acho que existe uma preocupação, principalmente pra mim, de um texto para crianças e tal e não colocá-las no lugar de infantiloide ou do bobinho e sim levar em consideração que ela sabe lidar muito bem com o mundo ao redor dela.

O que percebe do teatro pernambucano atual?
O teatro Pernambuco atual hoje acho que tá da mesma forma que todos esses anos… assim. Tá do jeito que tá… não sei responder muito isso não. A gente tá passando por um momento bastante delicado principalmente por causa desse viés político, que a gente não tem muito como separar uma coisa da outra. Essa administração municipal e estadual é extremamente omissa quanto às questões culturais. Vemos cada vez mais os espaços cênicos da cidade não receberem o cuidado que eles merecem. Enfim, acho que a gente passa por momento delicado.

E o que é feito para o público infantil no Recife?
Sobre o teatro feito para infância aqui no Recife, pelo menos os que eu acompanho e eu admiro, eu acho incrível e de ótima qualidade. Eu me refiro a alguns autores. Eu gosto muito de Carla Denise e do pessoal do Mão Molenga. Admiro pra caramba o trabalho de Luciano Pontes. Alexsandro Souto Maior escreve muito para criança e eu adoro. Sempre fui muito fã das coisas de Marco Camarotti também. Então acho que a gente tem uma leva muito boa, de pessoas que escrevem com muita responsabilidade para criança, com muito cuidado. Esse teatro é bem bom. O teatro para criança mais comercial acho que ele tem o seu lugar, apesar de eu não acompanhar, de não curtir, acho que há espaço para todo mundo, que tem lugar pra eles na cidade.

Qual é a peça de teatro que você mais gostou de fazer? Como dramaturgo e intérprete?
A peça que eu mais gostei de fazer… Ah! não sei. Cada peça tem o seu sabor especial. Os trabalhos que faço junto ao Magiluth… Enfim, toda minha experiência teatral está no Magiluth. Cada espetáculo é uma experiência importante e o mais interessante é estar com os meus companheiros, com os meus amigos. A gente se sente bem em cena. É uma continuação da nossa vida, na sala de ensaio, no dia-a-dia. Então estar em cena é mais um momento com eles, que é tão bom quanto. Cada espetáculo a gente se diverte de forma diferente. Eu gosto muito muito muito muito de fazer Aquilo que meu Olhar Guardou para Você; O Viúva porém Honesta é bem cansativo, mas me divirto bastante. Luiz Gonzaga ele tem um lugar também muito legal, adoro estar na rua. O ano em que sonhamos perigosamente é o trabalho que eu me sinto mais concentrado, mais focado, mais cuidadoso enquanto estou fazendo, mas me divirto; mas é em outro lugar, com um cuidado maior.

O que é preciso para ser um “bom” dramaturgo?

O que é preciso para ser um bom dramaturgo?! Eu também estou querendo saber. Quem souber responder por favor me diga, que eu também quero aprender a ser um bom dramaturgo. O que eu busco é sempre ler coisas novas, presto atenção no dia a dia, nos assuntos que as pessoas estão discutindo. Tentando ver, ouvir e prestar atenção em tudo.

Ficha Técnica
Texto: Giordano Castro e Amanda Torres
Direção geral: André Filho
Elenco: Tiago Gondim, Daniela Travassos, Geysa Barlavento, Kéllia Phayza, Victor Chitunda e Ricardo Angeiras
Direção musical e arranjos vocais: Samuel Lira
Direção de arte: João Denys e Manuel Carlos
Direção de produção: Daniela Travassos
Iluminação: João Guilherme de Paula
Operação de luz: João Victor e João Guilherme de Paula
Preparação corporal: Jefferson Figueirêdo
Produção executiva: Renata Teles
Apoio: Charly Jadson e Jefferson Figueiredo
Aderecistas: João Denys e Manuel Carlos
Equipe de apoio confecção de adereços: Maria José Araújo, Marco Antônio, Emerson Soares e Jerônimo Barbosa
Costureira: Ira Galdino e Georgete Bezerra
Cenotécnico: Israel Marinho
Fotografias: Rogério Alves
Design gráfico: Hana Luzia
Assessoria de Imprensa: Míddia Assessoria
Realização: Companhia Fiandeiros de Teatro
Incentivo: Funcultura

SERVIÇO
Vento Forte para Água e Sabão
Quando: Até 29 de maio, Sábados e Domingos, às 16
Onde: Teatro Hermilo Borba Filho (Rua do Apolo, 121, Bairro do Recife)
Quanto: R$10 (Inteira) | R$5 (Meia) – Neste final de semana vale meia-entrada para todos

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Bolhas de poesia na cena para as crianças

Vento Forte para Água e Sabão, montagem da Cia Fiandeiros de Teatro. Foto: Divulgação

Vento Forte para Água e Sabão, montagem da Companhia Fiandeiros de Teatro. Foto: Rogério Alves/Divulgação

Intensidade ou permanência. Há gente para tudo neste mundo. Uns preferem o furor e desfrutam com a máxima magnitude tudo que a existência oferece. Outros optam pela duração, sem grandes riscos. Na ficção também acontecem lances assim. Com muitas possibilidades de gradação nas escolhas entre os dois pontos. Em Vento forte para água e sabão, oitavo espetáculo e o segundo infanto-juvenil (o primeiro foi Outra Vez, Era Uma Vez, de 2008) da Companhia Fiandeiros de Teatro, a bolha Bolonhesa tentou se preservar, ficar parada no seu cantinho, sem grandes emoções. Mas Arlindo, a rajada de vento, a seduziu com o anúncio dos encantos do mundo. E Bolonhesa aceitou viver uma aventura incrível, de tocar e ser tocada pela essência das coisas.

A partir da metáfora dessa excêntrica amizade entre uma bolha de sabão e uma rajada de vento, os dramaturgos Giordano Castro e Amanda Torres criaram um texto que descama o sentido errático da vida e inexorável da morte, com uma roupagem lúdica. O musical trata de assuntos considerados mais espinhosos para os pequenos, como rompimentos de relações, traições, dificuldades, decepções e luto.

O diretor da companhia e do espetáculo André Filho aposta que é possível dialogar sobre absolutamente tudo com os miúdos. A dramaturgia toma corpo com músicas originais, nutridas de jazz e referências populares. E lembra que é preciso nos reconciliarmos com nossas crianças interiores, mais puras e frágeis, mas também repletas de coragem.

A peça está em cartaz no Teatro Hermilo Borba Filho, aos sábados e domingos, às 16h, até o final de maio. Participam dessa empreitada os atores Tiago Gondim, Daniela Travassos, Geysa Barlavento, Kéllia Phayza, Victor Chitunda e Ricardo Angeiras.

Na entrevista que segue, André Filho fala sobre a montagem de Vento Forte para Água e Sabão, além de temas como criação teatral e política cultural no Recife.

Serviço
Peça Vento forte para água e sabão
Quando: Sábados de domingos de maio, às 16h
Onde: Teatro Hermilo Borba Filho – Rua do Apolo, 121, Bairro do Recife
Quanto: R$ 5 (meia-entrada para todos nos dois primeiros fins de semana); R$ 10 (restante da temporada)
Mais informações: (81) 4141.2431 e 3355.3320

André Filho é diretor da Cia. Fiandeiros. Foto: Daniela Travassos

ENTREVISTA // ANDRÉ FILHO

A passagem do texto à cena é um momento de escolhas. Quais as opções em Vento Forte para Água e Sabão?

Vento Forte para Água e Sabão é um texto que traz várias discussões interessantes. Uma delas, se não a mais importante, é a temática da morte. Este tema é sempre repleto de muito tabu quando se escreve ou quando se encena para esse público específico. Mas a maneira inteligente e lúdica que os autores encontraram me cativou. Resolvi seguir então o caminho dessa discussão justamente pela contramão, ou seja falar sobre morte a partir da vida, o sopro da criação, a relação com o divino que vem de nosso pulmão. Procurei contrastar o macrocosmo e o microcosmo, aqui simbolizado pelo clássico e pelo popular respectivamente, mas sem mensurar valores de importância. Vida e morte, luz e sombra, ausência e conteúdo, tudo se complementa, assim como tudo que existe no universo. Gosto muito da musicalidade que a peça me propõe, neste sentido também procuramos dialogar com partituras populares e clássicas, fazendo referências que vão desde as antigas bandas de Jazz, até musicais mais contemporâneos.

Quais os caminhos que o texto indica?

O texto indica várias possibilidades de discussão além da vida e morte. Conceitos como tempo e espaço, novas descobertas, eternidade e efemeridade. Estas são apenas algumas possibilidades. É uma dramaturgia que não se prende apenas a cores, à magia, ao encantamento.

Giordano Castro já disse que quando escreve não se preocupa com a cena, como as coisas vão ser materializadas na cena. Como foi o processo de construção da peça?

Começamos pela desconstrução de que teatro para criança tem que ser bobo. Um texto como Vento Forte para Água e Sabão requer um olhar desprovido de preconceitos sobre o que deve ser dialogado com o universo da criança. Nosso processo iniciou-se a partir da ideia do sopro da criação, o sopro da palavra, do canto. Construir pontes entre coisas simples, como bolhas de sabão, planetas, estrelas. Brincar com o clássico e o popular esse foi o inicio do processo de construção, que ainda está em processo.

Que valores você destaca na peça?

Não gosto muito de destacar valores em uma obra de arte, prefiro falar em sintomas, valores soa para mim como algo pré-definido e majorado como sendo o politicamente correto. É uma história muito simples, de uma bolha de sabão e sua amizade com uma rajada de vento, duas entidades com essências tão diferentes uma da outra, mas que ao mesmo tempo se complementam. A bolha necessita do vento para existir e por sua vez o ar necessita da bolha para justificar a sua função de sopro, de flutuação. Talvez esse seja o grande sintoma, a tolerância às diferenças. Esse fator que é cada vez mais raro em nosso mundo de hoje.

Como a peça dialoga com o Brasil de hoje?

O Brasil de hoje é um país sem rumo político, com pessoas se agredindo mutuamente por diferenças raciais, religiosas, sexuais, políticas. Falta-nos a capacidade da tolerância, a compreensão de que por alguém ser, ou pensar, diferente de nós ele não precisa ser reprimido por isso. Nesse sentido acho a peça bem antenada com nosso momento atual. Falta-nos a capacidade de “poetizar”, de olhar o outro não como um estrangeiro mas como um parceiro na construção de uma sociedade mais justa. Que os ventos de um novo tempo nos levem, como bolhas de sabão, a conhecer outros ares melhores que este em que estamos vivendo.

 É mais difícil encenar para crianças do que para adultos?

Sim, muito mais. Não apenas pela questão do critério da observação que a criança tem sobre a peça. O olhar da criança é sempre mais vertical que o olhar do adulto, justamente por estar livre de conceitos pré-concebidos. Mas é difícil principalmente porque precisamos primeiro agradar a nossa criança interior, e esta muitas vezes está adormecida há bastante tempo. Trilhar este caminho até a criança que está dentro de nós é um labirinto escondido entre tantos preconceitos de adultos que às vezes, durante esse caminho de descoberta, dá vontade de desistir e queremos ir pelo caminho mais fácil da caricatura. Esse foi, é e sempre será o maior desafio para quem trabalha com teatro para crianças. É um processo que leva tempo, mas bastante enriquecedor.

 

                      “A capacidade criativa dos nossos artistas de teatro                                                      é inversamente proporcional às ações                                    de nossos gestores públicos para a cultura”

 

O que percebe do teatro pernambucano atual?

A pergunta é bastante ampla. Seria preciso um recorte mais objetivo para uma resposta mais precisa. Há vários caminhos para responder. Do ponto de vista da criação, vejo que vivemos um momento bastante interessante se olhamos pela ótica dos grupos. São eles que vêm oxigenando o debate mais intenso sobre o fazer teatral em Pernambuco. Não vai aqui nenhuma crítica a produtoras convencionais, absolutamente, mas a resistência dos grupos em discutir questões espinhosas vem sendo o grande diferencial do nosso teatro. O trabalho continuado é nosso grande trunfo. É ele que nos dá identidade, que nos alimenta de novas possibilidades e nos junta em torno de algo comum. No entanto ainda persiste o déficit de políticas públicas voltadas especificamente para este segmento, houve avanços é verdade, mas ainda tímidos. Lamento profundamente que tenhamos perdido o bonde da história com a morte do Plano Municipal de Cultura. Ali tínhamos várias possibilidades de ver o Recife dar um salto qualitativo no nosso fazer teatral. O fechamento de casas de espetáculos, a precariedade dos equipamentos das que ainda funcionam, a não abertura de Edital de Ocupação para o Teatro de Santa Isabel e mais recentemente a diminuição das linhas de crédito do SIC estadual, valores que já estavam defasados há mais de dez anos, são reflexos de que a capacidade criativa dos nossos artistas de teatro é inversamente proporcional às ações de nossos gestores públicos para a cultura. Mas o grande problema do nosso teatro não está na cena e sim na nossa falta de organização política. Isso tem sido o grande entrave para uma melhoria nas nossas condições de trabalho que se refletiria sem dúvida alguma num debate mais aprofundado de nossa estética local.

E o que é feito para o público infantil no Recife?

Recife sempre teve uma tradição de teatro para criança muito interessante.  Há pessoas que trabalham sério neste segmento e fazem um trabalho com muita dignidade. A Companhia Fiandeiros, penso eu, deu uma contribuição importante para o teatro para infância em Pernambuco com a montagem do Outra Vez, Era Uma Vez… e agora estamos novamente buscando este público e estamos ávidos por encontrá-lo novamente. Mas claro que existem tentativas que buscam dialogar mais com a televisão e com o cinema do que com o teatro propriamente dito. A linguagem do teatro é densa de significados não apenas de expressão, de luzes ou de cores. Nesse sentido vejo bons trabalhos sendo feitos, apesar de toda limitação de espaço para apresentações e para ensaiar.  Vi tão bons trabalhos para a criança nos últimos anos, mas eles não conseguem se manter por um tempo mais longo. Cumprem temporada e se encerram rapidamente. Falta espaços para apresentações, espaço para discussões, organização política. O Funcultura precisa sistematizar linhas de ações que valorizem mais o teatro para infância e juventude, mas a questão não é apenas financeira, creio se tratar também, como sempre, de formação.

 

             “Quando falo em organização política me refiro                  especificamente ao nosso quintal, aqui no Recife”

 

E como você enxerga o teatro brasileiro?

Não sei se conseguiria traçar um pensamento sobre o teatro brasileiro. O que eu acho bacana de observar é que é possível identificar o fenômeno do teatro de grupo se fortalecendo em todo país. Recentemente estivemos em contato com alguns grupos do Brasil, mais especificamente do Paraná, São Paulo, Goiás e Rio de Janeiro. As dificuldades são as mesmas que qualquer outro coletivo em qualquer lugar do Brasil. O que nos diferencia é a organização e mobilização política. Em lugares como São Paulo e Rio de Janeiro há avanços significativos na política pública, onde podemos ver grupos fazendo residências e participando ativamente da gestão dos equipamentos administrados pelo Estado. Só consigo ver um caminho para nosso teatro dentro do contexto nacional, é o da organização política. E quando falo em organização política me refiro especificamente ao nosso quintal, aqui no Recife. Não adianta fortalecer mobilizações nacionais e esquecer de que é aqui, a nossa casa que precisamos arrumar primeiro. É impossível não perceber que onde há um processo de formação continuado em teatro o resultado estético é nitidamente modificado.

Qual é a peça de teatro que você mais gostou de fazer? Como diretor e intérprete?

Não dá para especificar uma peça apenas, todas as peças que dirigi para a Companhia Fiandeiros têm em si momentos que foram marcantes no processo de criação, O Capataz de Salema foi um momento bacana, Vozes do Recife, o Outra Vez, Era Uma Vez…, foi um momento bem bacana porque além de dirigir também escrevi o texto e fiz as músicas, enfim. Também gostei muito do processo de Noturnos. Mas particularmente eu gostei muito da experiência de ter montado Vento Forte para Água e Sabão, foi mais uma oportunidade de mergulhar na minha criança e de olhar o mundo através de seus olhos. Fiz recentemente um trabalho como intérprete, sob a direção da professora Marianne Consentino que foi muito enriquecedor.  Fizemos um solo a partir da obra A Tempestade, de William Shakespeare. Foi um momento muito especial pra mim e que eu destacaria.

O que é preciso para ser um “bom” encenador?

Um “bom” encenador? Poxa, como responder isso se não sou nem nunca pretendi ser um. Apenas procuro fazer um teatro que busca dialogar com a plateia, ser compreendido e me sintonizar com o mundo à minha volta. Uma vez vi uma entrevista com Abujamra que ele dizia que “ser encenador é a arte de ser dispensável”. Acho que é por aí. O que é mais bacana é que nosso trabalho é completamente invisível, quem brilha no palco é o ator. O trabalho do diretor é escrever no palco uma dramaturgia, escrita ou não, de maneira poética. Eu acho que para ser um bom encenador a primeira coisa que se tem a fazer é compreender que seu trabalho é invisível e que a cada novo processo se volta à estaca zero, do aprendizado. Quando isso não acontece corremos o risco de ficarmos repetitivos e presos ao passado. O tempo do teatro passa e não volta. Não adianta. Quanto mais tentarmos voltar ao que nos deu brilho um dia, mais nossa luz se apagará. Toda vez que penso nisso sinto quanto estou distante de ser um bom encenador.

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