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Como será o amanhã?

Peça Tomorrow, da escocesa Vanishing Point Theatre Company. Foto: Junior Aragão

Peça Tomorrow, da escocesa Vanishing Point Theatre Company. Foto: Junior Aragão

Se houver amanhã, ele será decrépito. Sem apelação. Sem melodramas. Cruel? Talvez. C’est la vie. Tomorrow, da escocesa Vanishing Point Theatre Company, traduz esse vaticínio. O espetáculo foi inspirado em estudo sobre o envelhecimento da população mundial. Graças à tecnologia, os humanos passaram a viver mais tempo e com isso, o número de idosos triplicou nos últimos 50 anos. A previsão é de que em 2050 o total de velhos no mundo chegue a dois bilhões. Mas essa longevidade não é garantia de saúde. Pelo contrário, traz ameaças de doenças, sendo a demência (o Alzheimer é uma delas) a que deve atingir um terço da população.

Primeira coprodução internacional do Cena Contemporânea – Festival Internacional de Teatro de Brasília, Tomorrow, toca nessas feridas abertas, que nega a humanidade e as relações amorosas (fraternas ou filiais) entre jovens e velhos, quando as limitações dos segundos exigem atenções especiais dos primeiros.

Antes do início da apresentação, o jovem diretor Matthew Lenton explicou que o cenário da peça ficou retido na alfândega, em São Paulo, e que este era o maior desafio da estreia. Lançar-se com uma cenografia arranjada em três dias.

Lenton também sugeriu ao público a não ficar preso às legendas (a peça foi apresentada em inglês com legendas em português), porque os atores poderiam improvisar algumas frases e, principalmente, que era melhor entrar na viagem sonora das palavras casadas com as imagens exibidas.

De fato, as imagens são impactantes. Principalmente porque conta com um projeto de luz que esfria, esquenta, indica, esconde, clareia, enfim, uma iluminação criativa que se torna um elemento imprescindível da encenação. Uma luz deslumbrante que dá a medida das situações, trabalhando inclusive com efeitos de “fade in” e “fade out” semelhante ao cinema.

Cena em que George é "forçado" a envelhecer

CEna em que George é “forçado”a envelhecer

Personagem se debateu muito antes de ficar senil

Personagem se debateu muito antes de ficar senil

Pela temática, não há como não lembrar da montagem Sobre o Conceito do rosto do Filho de Deus, da companhia teatral Socìetas Raffaello Sanzio, com direção de Romeo Castellucci, que esteve no Brasil durante a 1ª Mostra Internacional de Teatro – MITsp, em março. Mas enquanto a obra do italiano é carregada de culpa cristã e referências à fé e sua negação, parece que Tomorrow está esvaziada dessas problematizações.

Matthew Lenton faz uma brilhante articulação do teatro com quadrantes de espaços e inversões e supressões de tempo em Tomorrow. Mas a cena é fria, no sentido de não apelar para sentimentos mais melodramáticos do espectador. Com maestria o encenador agrupo componentes que desestabilizam o espectador.

Atroz, bárbaro, desumano é seu contexto – dos velhos “abandonados” em asilos sob a responsabilidade de cuidadores profissionais. E esses cuidadores da encenação se aproximam muito dos profissionais da saúde – médicos e paramédicos – quando tratam de doentes em hospitais e ostentam sua atitude técnica ao lidar com aqueles corpos frágeis, indefesos, ao dispor deles.

Presumo que o diretor equalizou para o mínimo a pulsação do afeto na cena para produzir um outro efeito inquietante. Penso ser proposital e calculadas as opções do encenador, para não tocar na emoção mais à flor da pele, que a matéria em si já incita.

Ele expõe um quadro duro, difícil de encarar, mas ao mesmo tempo avisa que aquilo ali pode acontecer com qualquer um de nós, espectadores. Não há consolação para a perda de liberdade e o sofrimento dos internos daquele lugar. E muito menos sacrifícios dos filhos deles.

Diretor não apela para sentimentalismo que o tema já desperta

Diretor não apela para sentimentalismo que o tema já desperta

A ironia perpassa a cena na hora das “brincadeiras internas”, as conversas de intervalo, quando um cuidador pergunta para o outro qual dos velhos escolheria para “ficar”.

A montagem é muito plástica e se resolve com os poucos artefatos, cadeiras e mesas basicamente. As máscaras de borracha, fabricadas nos Estados Unidos, são elementos de destaque na composição dos personagens. Aliás, o elenco é de uma afinação de orquestra. Os atores que interpretam os velhos ostentam uma técnica segura e eficiente. Os cuidadores fazem um contraponto, dando leveza ao ambiente, também com interpretações convincentes.

A primeira cena é de uma potência dura e bárbara. Um velho caminha pelas ruas geladas de um determinado lugar, carrega flores consigo. Esbarra em George, um jovem que está muito apressado para chegar ao hospital onde sua mulher pariu a filha do casal. No primeiro momento ele procura ajudar o velho, que cai, e George volta a ajudá-lo. Mas aí o velho se agarra às pernas do jovem e dois travam uma luta desesperada, quase um abraço de afogado. É uma cena forte.

Durante 90 minutos acompanhamos inquietos essa passagem das horas, dias, meses, na ficção. Crianças chegam, brincam, os velhos olham. A passagem do tempo. O tempo que se confunde. Apesar de expor situações humilhantes dos velhos, já tão limitados em seus corpos, a peça não despertou comiseração, pelo menos não em mim. Mas esse trabalho perturbador invade a consciência e sem pedir licença brada forte sobre o que queremos para o futuro.

O amanhã apresentado numa máscara de borracha

O amanhã apresentado numa máscara de borracha

FICHA TÉCNICA
Direção e Concepção: Matthew Lenton
Dramaturgia: Pamela Carter
Texto: Pamela Carter e a Companhia
Elenco: Aleksandra Kuzenkina (Rússia), Elicia Daly (Inglaterra), Jenny Hulse (Escócia), Mercy Ojelade (Inglaterra), Peter Kelly (Escócia), Samuel Keefe (Escócia), Stephen Docherty (Escócia) e William Ferreira (Brasil)

Outras notícias sobre o festival, programação completa e as atividades formativas no próprio site do Cena Contemporânea:

* A jornalista Ivana Moura viajou a convite da organização do Cena Contemporânea – Festival Internacional de Teatro de Brasília. Texto escrito no âmbito da DocumentaCena – Plataforma de Crítica, iniciativa que envolve os espaços digitais Horizonte da Cena, Satisfeita, Yolanda?, Questão de Crítica e Teatrojornal.

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Cena Contemporânea resiste com dignidade

Tomorrow, do Vanishing Point, é a primeira coprodução do Cena Contemporânea. Foto: Victor Franowski

Tomorrow, do Vanishing Point, é a primeira coprodução do Cena Contemporânea. Foto: Victor-Franowski-3

Realizado entre a bilionária Copa do Mundo de Futebol no Brasil e as eleições presidenciais vindouras, o Cena contemporânea – Festival Internacional de Teatro de Brasília faz da 15ª edição um ato de resistência e dignidade. Com menos recursos, o programa reduziu a quantidade de atrações (com a interrupção neste ano do braço musical), mas verticaliza o ato de refletir sobre o é que fazer cultura num país em que este setor não é prioridade nem na capital do poder.

“Enquanto isso”, destaca o curador Guilherme Reis no livreto do Cena Contemporânea, “a humanidade segue em sua complicada caminhada em direção a um futuro incerto, convivendo com a violência, os conflitos, o preconceito e a perversidade de uma sociedade globalizada que se baseia no consumo e em uma falsa riqueza. E o teatro segue nos auxiliando a compreender toda essa complexidade, apontando para a poesia que persiste entre os homens”.

O festival começou no último dia 19 de agosto e segue até domingo, 31/08, com 23 encenações da Espanha, Escócia, França, Argentina e Brasil. E tem o patrocínio da Petrobras, copatrocínio do Banco do Brasil e Funarte. Guilherme Reis assina a curadoria e direção do evento, que é uma realização da Cena Promoções Culturais e da Fundação Athos Bulcão.

A falta e o excesso que movem a humanidade nestes tempos de fúria e incertezas palpitam nos espetáculos do programa, com questões sobre identidade cultural, utopia, velhice e a prosaica poesia cotidiana. Esses alumbramentos podem ocorrer de mãos dadas com Plínio Marcos, Shakespeare, Pirandello ou dramaturgias mais autorais.

O Grupo Sutil Ato [DF] retrabalha trechos de peças do Plínio Marcos em Autópsia I e Autópsia II). Luigi Pirandello (1867-1936) comparece com a trilogia do ator Cacá Carvalho, dirigido pelo italiano Roberto Bacci – O homem com a flor na boca, A poltrona escura e umnenhumcemmil. Além da adaptação do clássico Seis personagens à procura de autor pela companhia espanhola Kamikaze, em La función por hacer.

A moda chama para uma contradança na montagem A Feia Lulu, de Fause Haten (SP) inspirada em La Vilaine Lulu, personagem de quadrinhos criada pelo estilista francês Yves Saint Laurent.

Tomorrow (foto no alto), do grupo Vanishing Point, da Escócia, dirigido por Matthew Lenton é a principal aposta do festival. A dura realidade de quem envelhece e carece de cuidados especiais está no centro de uma reflexão que se propaga na medida que atitudes podem de (des)respeito podem ser repetidas por outros jovens. A montagem é uma coprodução entre Vanishing Point (Escócia), Cena Contemporânea, Brighton Festival (Inglaterra), Tramway (Escócia) em associação com Platform (Escócia) e National Theatre Studio, Londres (Inglaterra).

Peça Noctiluzes, da Cia Plágio de Teatro. Foto: Alexandre Magno/Divulgação.

Peça Noctiluzes, da Cia Plágio de Teatro. Foto: Alexandre Magno/Divulgação.

Othelo, a tragédia de William Shakespeare com suas intrigas de engano, traição e vingança, ganha ares de clown na versão do argentino Gabriel Chame Buendía. Sob encomenda, outro argentino, o dramaturgo Santiago Serrano (mesmo autor de Dinossauros), escreveu Noctiluzes, para a Cia. Plágio de Teatro para tratar de uma combinação explosiva entre covardia e solidão e sobrevivência da amizade.

O Cena Contemporânea deste ano já tem uma fortuna crítica dos espetáculos apresentados nos primeiros dias. Indicamos o nosso parceiro, o site Teatro Jornal, onde o leitor pode conferir mais informações sobre o festival e algumas críticas.

http://teatrojornal.com.br/2014/08/brasilia-abraca-pirandellianos-e-coproduz/

http://teatrojornal.com.br/2014/08/ o-circulo-de-giz-da-resignacao/

http://teatrojornal.com.br/2014/08/outras-portas-de-entrada-para-a-danca/

http://teatrojornal.com.br/2014/08/transfusao-rodriguiana/

http://teatrojornal.com.br/2014/08/um-intimo-mal-estar-de-seculo/

http://teatrojornal.com.br/2014/08/nos-dobras-de-plinio-marcos/

http://teatrojornal.com.br/2014/08/as-fontes-vivas-em-cenas-e-narrativas-ageis/

Outras notícias sobre o festival, programação completa e as atividades formativas no próprio site do Cena Contemporânea: www.cenacontemporanea.com.br/#”

* A jornalista Ivana Moura viajou a convite da organização do Cena Contemporânea – Festival Internacional de Teatro de Brasília. Texto escrito no âmbito da DocumentaCena – Plataforma de Crítica, iniciativa que envolve os espaços digitais Horizonte da Cena, Satisfeita, Yolanda?, Questão de Crítica e Teatrojornal.

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