Viver é fazer escolhas. Saber qual é a melhor, o tempo se encarrega de dizer. Às vezes a resposta vem rápida. Outras vezes esse retorno pode demorar um pouco mais. O discernimento chega um dia. No festival de Curitiba o ato de selecionar os espetáculos virou também uma prova. O trio de arbitragem (ops.) de curadores (Celso Curi, Lúcia Camargo e Tânia Brandão) põe a nossa capacidade de optar à prova.
Para se ter uma ideia, só no primeiro dia da mostra oficial eram quatro opções. Com a saída da peça belga Kiss & Cry, por problemas de transporte dos equipamentos, entrou no seu lugar Uma noite na lua, com o ator Gregório Duvivier. Além dela, concorria na minha grade a estreia de Parlapatões revisitam Angeli. Visitei a exposição em homenagem ao cartunista que esteve em cartaz no Itaú Cultural. O conjunto da obra é deslumbrante, com toda carga de humor, poesia e irreverência desse polêmico artista.
No palco, um encontro com os personagens do cartunista Rê Bordosa, Meia Oito, Bob Cuspe, Bibelô, Moska e Os Escrotinhos. A trilha da montagem é do titã Branco Mello em parceria com Emerson Villani. E pra piorar o meu drama, o ator Raul Barretto, disse que vai demorar para que o espetáculo entre em cartaz. A trupe formada por ele e mais Paula Cohen, Hugo Possolo, Rodrigo Mangal e Hélio Pottes só vai fazer duas apresentações em São Paulo (num período em que não estarei lá) e retoma a circulação do repertório do grupo pelo Brasil. Além disso o próprio Angeli estaria na plateia (e esteve). Criador e criaturas, um raro encontro.
Cine monstro versão 1.0 com Enrique Diaz, possivelmente a mais experimental dessa leva do primeiro dia, é outra coprodução do Festival de Teatro de Curitiba e do Instituto Itaú Cultural (Parlapatões também), e expõe o processo de criação do espetáculo Monstro. O ator assume diversos personagens.
E ainda O líquido tátil, uma montagem do grupo Espanca!. A parceria da trupe mineira com o diretor/dramaturgo argentino Daniel Veronese é daqueles encontros felizes. Grace Passô interpreta uma atriz decadente que largou o palco pelo casamento. Marcelo Castro faz o marido, o obtuso Peter, um intelectual que defende o teatro como arte sublime, e o irmão dele, o confuso Michael, um ator em crise seduzido pelo cinema, defendido por Gustavo Bones. Metalinguagem da criação teatral e reflexão sobre o artístico. Mas essa montagem eu vi no Festival de Teatro da Bahia.
Fiquei com Uma noite na lua, porque é de João Falcão. Acho que fiz a escolha certa para mim.
Mas a brincadeira de escolher continua. Além dos Parlapatões, Cine Monstro e O líquido tátil, são apresentados hoje Pansori Brecht Ukchuk-Ga, da Coreia, com roteiro, canções e interpretação de Ja Ram Le; A marca d’água, da Armazém Companhia de Teatro, com direção de Paulo de Moraes. Além de Os bem intencionados, com o Lume Teatro, texto e direção da mineira Grace Passô. A peça trata das motivações de aspirantes a artistas nestes tempos de celebridades instantâneas.
Vou conferir a companhia sul-coreana Pansori Project ZA’s. Os argumentos do jornalista Ruy Filho, da revista virtual de teatro e política cultural Antro Positivo me convenceram. Ele disse que o espetáculo Pansori Brecht – Ukchuk-Ga, apresentado no último final de semana no Sesc Vila Mariana, em São Paulo, o levou “ao mais profundo do teatro, da arte, da alma humana e de Brecht”.
Talvez escreva um pouco mais sobre o quebra-cabeça que é selecionar os espetáculos. Ou não…
Imagino o trabalhão que a equipe curatorial teve.
Mas se todas as minhas dúvidas fossem essas, escolher quais espetáculos assistir, a vida seria uma delícia sem fim…