Terminou neste domingo, 26 de novembro, a 22ª edição do Festival Recife do Teatro Nacional (FRTN). Infelizmente, o Satisfeita, Yolanda? não conseguiu acompanhar de perto a programação, pois não havia recursos para arcar com o trabalho da crítica. É uma pena. Pode ser tema de conversas e reflexões vindouras.
Mas, desde o dia 16, histórias aconteceram: nos palcos e fora deles. Muitas, nem ficamos sabendo, são quase restritas, tiveram como cenário coxias, plateias, bares pós-espetáculo. Mas uma delas, em especial, nós soubemos e achamos que merecia ser registrada.
Sueño é um espetáculo livremente inspirado em Sonho de uma noite de verão, de William Shakespeare, com direção e dramaturgia do pernambucano Newton Moreno, um dos homenageados do FRTN ao lado de André Filho.
A peça de 2h30 de duração, dois atos, estreou em São Paulo em novembro de 2021, na retomada do teatro presencial, nos jardins do Teatro João Caetano. Em agosto deste ano, fez uma temporada no Itaú Cultural.
Um dos destaques do elenco é o pernambucano Paulo de Pontes, que voltou ao Recife há alguns anos, depois de duas décadas morando em São Paulo. Paulinho, como é conhecido, brilha em cena. E havia uma grande expectativa por sua apresentação em casa, no Teatro de Santa Isabel.
Imaginamos que seria uma consagração, merecida. Mas as coisas nem sempre estão no nosso controle. E no dia 18 de novembro, logo depois da primeira cena de Paulo de Pontes, o espetáculo foi interrompido. O ator passou mal e não conseguiu continuar a peça.
Mesmo assim, no dia seguinte, o espetáculo aconteceu: Paulo de Pontes foi substituído por Tay Lopez, ator pernambucano que mora em São Paulo, mas tinha acabado de gravar um filme na Paraíba e estava de férias na cidade. Lopez fez uma leitura encenada do texto.
Diante dessa história cheia de inesperados e de ode ao teatro e a sua efemeridade, pedimos ao ator Tay Lopez que, no calor do momento, na segunda-feira, dia 20 de novembro, escrevesse um relato de experiência. Queríamos ouvir como foi viver tudo isso, deixar essa história registrada e compartilhá-la com outras pessoas.
É esse o texto que postamos aqui.
Obrigada, Tay Lopez, por atender ao convite de Newton Moreno e ao nosso.
Paulo de Pontes está bem.
Infelizmente, não conseguimos registros de imagem profissionais da sessão do dia 19 de novembro, então publicamos fotos amadoras, feitas de celulares por amigos que estavam na plateia.
“Shakespeare esteja conosco! O relato de uma substituição plena de afeto e amor ao teatro” *
Por Tay Lopez
Sábado, 18 de novembro, Festival Recife do Teatro Nacional, importantíssimo festival da cidade, que foi retomado bravamente este ano.
O cenário é o Teatro de Santa Isabel, lugar tão significativo para a cidade e para mim: me recordo quantas histórias vivi nesse teatro!
Peça: Sueño, do consagrado autor e amigo Newton Moreno, homenageado pelo festival juntamente com André Filho.
No foyer do teatro, um encontro festivo. Amigos de longa data, afetos, abraços. Feliz em estar na cidade de férias. Feliz em estar com minha mãe para vermos juntos uma peça que tanto gosto e que eu já tinha visto duas vezes em São Paulo. Há 2 anos, na estreia, retomada do teatro presencial, vi a montagem no Teatro João Caetano. E, há poucos meses, em agosto, revi na sua segunda temporada, no Itaú Cultural.
Espetáculo começa no Santa Isabel. Paulo de Pontes, irmão, amigo, confidente, entra em cena com seu Shakespeare maravilhoso. Plateia na mão.
Todos estavam na expectativa em ver Sueño na cidade, mas o espetáculo é interrompido, pois Paulinho não conseguiu voltar ao palco depois da primeira cena. Ela passou mal e precisou ser atendido por especialistas em um hospital próximo.
Vou ao camarim, procuro informações, me comunico com a família, com amigos e fico sabendo que, graças a Deus, não é nada grave. Volto para casa, durmo. Sonho com Paulinho. Estamos indo fazer um espetáculo juntos em algum lugar.
Acordo, procuro saber notícias sobre a saúde de meu amigo e recebo informações de que tudo está melhor, ele está bem, tinha sido só um susto. Fico aliviado.
Horas depois, o telefone toca. Newton Moreno me convida, sem rodeios, para uma tarefa. Na verdade, uma missão: substituir Paulo de Pontes. Não era um convite para encenar os mesmos personagens de Paulinho, o que seria impossível, mas para fazer uma leitura encenada.
Moreno me deixa muito à vontade para dizer não. Mas como dizer não para amigos tão queridos? Como não aceitar esse desafio? Como não homenagear Paulinho e tranquilizá-lo em saber que o espetáculo, de alguma forma, irá acontecer? Respondo que sim. E que essa decisão, na verdade, tinha que ser mais do grupo do que minha.
Newton fica feliz, agradece e já me manda o texto on-line. Domingo, 19 de novembro, 11h30, começo a ler a dramaturgia de Sueño.
Pouco tempo depois, decido parar. Vou à praia, mergulho no mar e volto. Tomo banho, almoço e sigo para o teatro.
Chegando lá, fui recebido com tanto amor, tanta atenção, que o mínimo que eu poderia fazer era tentar responder à altura. Tanta gente que admiro nesse elenco, nessa equipe.
O espetáculo que seria às 16h foi transferido para às 20h. Ensaiamos as cenas. Alguma ideia de marcação, de intenção, mas de liberdade e improviso.
Newton, como maestro, conduzindo tudo. Sandra Corveloni e José Roberto Jardim me ajudando nas cenas em que estaríamos juntos. Leopoldo Pacheco assessorando com os figurinos. Erica Rodrigues nos movimentos, Gregory Slivar nas intervenções musicais, Simone Evaristo na força puckiana. Almir Martines no olhar amoroso. Michele Boesche com palavras de encorajamento. Todos me passando confiança e acreditando que tudo daria certo.
Fui com serenidade, amor e espírito aberto para que a magia do teatro acontecesse naquela noite. “Há mais mistérios entre o céu e a terra do que julga nossa vã filosofia”, frase de Shakespeare, primeiro personagem de Paulo de Pontes.
Findado o ensaio, vou ao camarim. Léo Pacheco faz a minha maquiagem. Separamos os figurinos.
Paulinho me manda mensagem. Já está em casa e se recuperando bem. Eu tenho que dizer que ainda nutria esperanças de que ele poderia fazer a peça, mas não.
Fazemos a famosa roda de teatro. Dedicamos a apresentação a Paulinho e jogamos ao etéreo a força que nos guiaria naquela sessão.
Eis que a sala é aberta, o público se acomoda. Terceiro sinal e lá vamos nós. O público é avisado da minha entrada em substituição e do fato de eu estar com o texto na mão.
Primeira entrada. O público, muito generoso, embarca na experiência de ver uma sessão única. Teatro já é único, mas nesse dia, mais do que nunca, seria único para os outros atores que estavam em cena também. Um elemento novo estava ali. Um novo corpo, uma nova voz, um novo ritmo. Sobretudo, a memória da contracena com um jogador tão pleno que é Paulo de Pontes.
Paulinho é gênio! E sei de perto a importância que essas apresentações em Recife tinham para ele. Puxei meu amigo em meus pensamentos e tentei trazê-lo para perto. Sim, estávamos juntos. E assim aconteceu. Primeiro ato, segundo ato, público disponível.
Foi emoção à flor da pele. Que texto belo o de Newton! Tantas camadas.
Foi divertido, na medida do possível. Foi de verdade, com olhos e ouvidos presentes. Foi o que pude fazer. Foi teatro, jogo, “to play or not to play?”. Entre o “ser ou não ser”, escolhemos o ser e fomos. Um só corpo. Como o teatro tem que ser.
Sinto que só agora estou acordando desse grande Sueño. Torço muito para que o espetáculo volte ao Recife, com Paulo de Pontes no lugar que lhe cabe, mas preciso dizer o quanto foi uma experiência inesperada, louca e incrível. Teatro! Evoé!