A dois dias de encerrar o 25º Festival de Inverno de Garanhuns podemos dizer que a programação de teatro adulto foi boa. Não ótima, nem regular. Mas boa, puxada por três excelentes encenações: o musical Gonzagão, a lenda, da companhia carioca Barca dos Corações Partidos; Jacy, do Grupo Carmin, de Natal (RN) e Oleanna, montagem carioca de texto do dramaturgo David Mamet . Cada uma com atores afinadíssimos e que conquistam o público por várias outras qualidades.
O musical Gonzagão, a lenda, de João Falcão, iniciou para cima o Festival. Foi aquela festa no Palco Pop. Alegria no palco e emoção na plateia, músicas lindas, elenco jovem e vibrante, músicos virtuosos. É daqueles espetáculos que a gente gosta de ver e rever, porque chega como doses de energia para um público diversificado.
Real e ficção. Jacy borra esses limites de forma delicada e instigante. Ao tratar da vida de uma mulher que nasceu em Natal, teve uma vida pacata com alguns episódios dignos de romance, o grupo valoriza a arte do teatro. E nos embala com coisas simples. Dois atores em cena, Henrique Fontes e Quitéria Kelly. Além do videomaker Pedro Fiuza, que funciona com o terceiro intérprete, cortando, justapondo, colando os valiosos objetos da frasqueira de Jacy ou da memória da capital potiguar.Desde o início da pesquisa, que começou por acaso, quando o ator Henrique Fontes encontrou no lixo vestígios da vida da protagonista, a trupe injeta potências criativas das mais diversas ordens nesse trabalho. Ele expõe o processo criativo, o resgate biográfico e os paralelos com a capital do Rio Grande do Norte.
A montagem Oleanna desestabiliza as nossas certezas. Com texto provocador do dramaturgo norte-americano David Mamet, a peça põe em lados opostos uma professora e uma aluna. A estudante vai ao gabinete da mestra para saber porque recebeu uma nota baixa. Em princípio Carol parece que tem dificuldade de compreensão. E a educadora se mostra preocupada com seus próprios problemas de promoção, familiares etc.A conversa, em três tempos, vai por um caminho sem volta. A incomunicabilidade entre dois seres que tem lógicas diferentes, a busca pelo poder e o politicamente correto faz com que esses personagens entrem em rota de colisão, com um final desastroso para ambas.
Quincas, do grupo Osfodidário de João Pessoa, encarou o desafio de contar a história A Morte e a Morte de Quincas Berro D’água, de Jorge Amado, com quatro atores se multiplicando por todos os personagens. Com um elenco versátil (Fabíola Morais, Dudha Moreira, Odécio Antonio e Thardelly Lima), a trupe elegeu a água como grande aliada. Da água eles tiram sonoridade e significados.Arrancam graça da trajetória de desvalidos. E faz o público rir com a astúcia da ralé. Mas vendo pela segunda vez, parece que falta ao espetáculo as nuanças, as riquezas e as incongruências na trajetória do cidadão Joaquim Soares da Cunha de passado burguês que se reinventou entre personagens desamparados que encontram na cachaça a senha para a felicidade.
Prudência (Sidcley Batista), Angústia (Gerson Lobo) e Astúcia (Leandro Mariz) são três carpideiras inseridas num fim de mundo desse Brasil de Deus. Elas são As bondosas do título, que choram os mortos alheios sob encomenda. Sob a aparência mulheres virtuosas, elas escondem (delas mesmas, inclusive) desejos e pecados que condenam na humanidade.Uma tragicomédia que explora o efeito risível, com frases de teor preconceituoso ou condenatório. O texto é de Ueliton Rocon. A direção de Tom Pires valoriza a interpretação dos três atores, que tiram partido dessas camadas de hipocrisia.
GPS Gaza tem uma ideia ambiciosa, de levar ao palco os conflitos contemporâneos do cotidiano. Tendo como ponto de referência as questões de intolerância de lado a lado entre árabes e judeus, a montagem da Companhia de Solos & Bem Acompanhados mostra em quadros que se interligam ou não (depende do preenchimento do espectador) as dores de mães, de pessoas que se solidarizam, que sofrem violência. Num outro registro Deborah Finocchiaro interpreta uma apresentadora, que poderia ter saído do liquidificador de todos esses que vemos na TV.Deborah divide a cena com outra atriz gaúcha Sandra Dani e ambas estão ótimas nos seus papeis. Com momentos muitos bonitos, a cena promove reflexões esse mundo tão problemático. Mas a dramaturgia ainda é confusa, mesmo que a encenação tenha essa dado vivo de estar sempre se renovando.
A expectativa foi maior que o espetáculo O Pastor no 25º Festival de Inverno de Garanhuns. A história de um líder religioso praticamente reproduziu um culto evangélico, de uma linha mais agressiva no discurso de convencimento. O ator Alexandre Lino, pernambucano que mora no Rio há mais de duas décadas, está totalmente apossado do papel.Estão lá as palavras de ordem, as demonstrações de fanatismo e exorcismo, a astúcia do personagem principal em arrancar dinheiro dos novos e antigos fiéis. A plateia riu da sequência em que o dízimo é cobrado, e o pastor apresenta outras modalidades de doações (30%, por exemplo).
Mas a crítica ficou totalmente diluída nesse espetáculo-culto. Há vários elementos de várias vertentes de igrejas evangélicas, como também católica, no discurso e também em material cenográfico (que estão no palco como decoração). Mas o debate sobre o fundamentalismo de todas as ordens, que incita à intolerância, passou longe do Teatro Luiz Souto Dourado.
Não veremos nem Frei Molambo, nem No Buraco. Fica para a próxima.