Matilde, la cambiadora de cuerpos flerta com o melodrama, com gêneros policial e de terror, com os programas televisivos de auditório e os sensacionalistas que apelam para as desgraças alheias. O espetáculo que veio da Bahia é inteligente e tem a sacada de fazer crítica mordaz ao “salve-se quem puder” contemporâneo, instigado principalmente por parte da mídia, que manipula as informações para tirar proveito na audiência ou na venda de jornalecos. Também mira-se numa falsa ficção científica.
É uma montagem leve e engraçada. A história se passa em Salvador, quando a figura conhecida por Matilde toca o terror trocando de corpo com as pessoas que ela beija. Um estranho poder que vem provocando insatisfações desde o Paraguai, onde a pacata cidadã, que gostava de se gabar com o dom, passa a ser procurada como criminosa.
O pânico chega à capital baiana quando Matilde invade o corpo de um cabra macho que trabalha no setor de despachos da prefeitura. Ele denuncia o caso à polícia e a mídia trata de apimentar o episódio. Matilde vira celebridade instantânea só que ninguém sabe exatamente qual é o seu rosto.
As duas atrizes Elaine Cardim e Tatiana de Lima usam vestidos vermelhos e se revezam em 29 personagens. As mudanças são feitas com caracterização na voz, num gestual bem lugar-comum de identificação de tipos, como o policial por exemplo. Mas também contam com alguns acessórios, como paletó ou coisa do gênero, mas principalmente com os pares de sapatos.
A Cia A4 de Realizações Teatrais também utiliza recurso audiovisual gravado anteriormente, com gente andando no centro de Salvador, ou a carinha de vários personagens que se envolvem na descoberta do paradeiro da “cambiadora”, como padre e pai de santo. Além da gravação da entrevista feita pela repórter Cecília de Campos, que consegue localizar Matilde. A parte documental do vídeo acho mais dispensável. A parte ficcional me parece mais pertinente.
O espetáculo escrito por Fábio Espírito Santo com direção de Hebe Alves tem uma porção crítica muito forte: do espelhamento e da distorção da notícia, da manipulação de verdades e mentiras e da fragilidade da aferição de fatos, que atualmente podem ser inventados por qualquer um, nem sempre com finalidade lícita ou ética.
As duas atrizes mandam bem. Elas brincam com os estereótipos de figuras e trocam com segurança de personagem. O cenário praticamente vazio – com duas cadeiras e poucos objetos de cena – tem um contraponto na iluminação, que demarca espaços e dá os destaques às cenas. A direção de Hebe Alves impõe uma agilidade à montagem e valoriza a comicidade em determinados pontos da encenação.
O dramaturgo busca um final liberal, mas previsível. De qualquer forma, totalmente em acordo com a proposta, coerente com o motivo detonador de uma vida de “crimes” levada pela protagonista.
O espetáculo Matilde, La cambiadora de cuerpos é diversão com tutano e muito humor. Tem uma equipe bastante afinada, inclusive o contrarregra. A peça faz mais uma apresentação nesta segunda-feira, às 19h, no Teatro Barreto Júnior e tem aproximadamente 50 minutos de duração. Uma encenação que critica e faz rir.