O dia estava chuvoso, frio. Daqueles em que o cobertor é o melhor amigo. Mas o Festival de Curitiba já estava acabando e eu não tinha visto Homem piano – Uma instalação para a memória, que tinha sido indicada por alguns amigos jornalistas e produtores numa miscelânea de peças de qualidades bem variantes. Quem me deu o telefone da produtora foi até o Valmir Santos, já que a montagem era para poucas pessoas por sessão.
Saí de uma entrevista (que vcs ainda vão ler por aqui!) direto para a sede da CiaSenhas de Teatro, uma casa numa rua estreitinha, no Centro de Curitiba. As pessoas aguardavam na calçada. Márcia, a produtora, simpática, perguntou se era eu a Pollyanna. A garota ao lado, abraçada ao namorado, me contou que este ano não tinha aproveitado o festival. Que tinha ido ver poucas peças. “E porque escolheu essa?”, quis saber. “É de um amigo meu. Este ano tenho visto só as produções dos amigos”, explicou. Ela deve ter ficado orgulhosa do amigo.
A peça começa ali na rua mesmo. Quem não sabe o que está acontecendo, como a família que estacionou o carro para ir a algum lugar ali perto, estranha a movimentação. Somos convidados a entrar na casa e a resgatar nossas memórias, como faço ao escrever este post. Mas nem sempre memórias tão superficiais. O ator Luiz Bertazzo aguarda todos entrarem. E, noutras palavras, diz que tem muitas coisas que queremos esquecer. Tirar da memória. Na parede da escada, lápis e papeis pendurados. Pediu para que cada um escrevesse. Depois recolheu e picou todos com o movimento da hélice do liquidificador.
Subimos um ou dois andares, não lembro ao certo. Sei que não havia lugares para sentar, como normalmente. Estavam todos de pé, em silêncio e ebulição. O texto, de Sueli Araújo (que assina também a direção) nos fala basicamente de memória. De sentimentos. Do que queremos lembrar ou esquecer. De um homem que não tem memórias. Precisa da nossa ajuda. Noutra sala, pra terminar, podemos participar. Contar memórias em microfones. Sem que ninguém ouça. Só você mesmo. Pra ajudar, alguns papeis pediam lembranças relacionadas ao pai, a mãe, a um momento. Puxei de um deles uma memória antiga, mas que ainda dói. Fui ao microfone. Sai dali com vontade de chorar.
Um dos méritos do espetáculo é conseguir envolver o público. Seja pela ambientação do espaço cênico (como diz o programa), prioritariamente branca, pensada por Paulo Vinícius, ou pela interpretação de Bertazzo. Claro que isso é muito pessoal e depende de uma série de fatores. Mas o ambiente é sim propício à entrega. Há uma proximidade mesmo com a performance ou com a instalação das artes visuais. Mais do que uma peça, é um experimento. Não só para a companhia, que estreou o espetáculo em julho do ano passado, mas também para o público. Bom, pra conhecer mais um pouquinho da CiaSenhas de Teatro, em atuação desde 1999, vale dar uma olhadinha no site deles. Tem fotos lindas!