O que esta geração de vinte e poucos anos tem a dizer através da arte? Se não precisamos mais caminhar contra uma ditadura, enfrentar a censura como bêbados ou equilibristas? Quem se arrisca na resposta é Leonardo Moreira, 29 anos, dramaturgo e diretor da Companhia Hiato, de São Paulo. “Partimos do particular para assumir uma postura política. Temos uma atitude política que não é mais partidária, que não propõe uma transformação política radical. Até porque não acredito nessa história de que uma obra de arte possa transformar alguém. Acredito que essa obra possa ser um impulso, a partir de um caminho emocional, já que o que fazemos é teatro”.
Leonardo é um dos representantes de uma geração de artistas que coloca uma lupa no particular para enxergar o todo; mas que não necessariamente está interessada em re-inventar a roda. “Só é possível criar novas formas a partir das outras já existentes. Para mim, o nosso papel é sermos honestos com as nossas transformações”.
A companhia da qual o encenador faz parte, criada em 2007, está na cidade para participar do Festival Recife do Teatro Nacional, que começa hoje e segue até o dia 28 com espetáculos nos teatros Luiz Mendonça, Santa Isabel, Hermilo Borba Filho, Apolo, Barreto Júnior e Marco Camarotti. O foco desta edição, que tem como tema Desafio convivencial (uma alusão ao grupo Vivencial, homenageado pelo evento), é o teatro de grupo. São sete companhias nacionais e quatro locais, somando 16 espetáculos.
Se a Hiato nunca esteve nem no Nordeste, agora o público recifense terá a oportunidade de conferir os três espetáculos do seu repertório: Cachorro morto, Escuro e O jardim. A abertura do festival será com Escuro, às 21h, no Teatro Luiz Mendonça, no Parque Dona Lindu, em Boa Viagem (a entrada hoje será gratuita). Antes disso, o coordenador do festival Vavá Schön-Paulino pretende realizar um encontro histórico: reunir no palco os fundadores e integrantes do grupo Vivencial, inclusive Guilherme Coelho, que mora em Brasília e virá especialmente para o festival.
Escuro é o segundo espetáculo da Cia Hiato. Foi quando o grupo decidiu “oficializar” a companhia. O primeiro, Cachorro morto, foi realizado “sem maiores pretensões. Nós já fazíamos alguns trabalhos juntos e depois de um processo de sete meses, tivemos não só sucesso nas temporadas, mas encontramos afinidade nos temas e nos modos de trabalho”, explica Moreira. Em Escuro, o grupo parte do tema deficiência para explorar coisas que vão muito além. “Queríamos falar de como cada perspectiva é única. O próprio nome Hiato vem dessa constatação. Qual a lacuna entre o que estou dizendo, o que você está entendendo, o que o público que vai ler essa matéria irá captar?”, questiona.
O mote é um menino míope que vai participar de um torneio de natação para deficientes e outros personagens, num total de 10 protagonistas, se agregam ao espetáculo, que teve uma influência dos roteiros cinematográficos. Escuro ganhou o Prêmio Shell de Teatro de melhor autor, cenário e figurino; e o Prêmio de Melhor Espetáculo de 2010 pela Cooperativa Paulista de Teatro. “Queremos investigar quais os formatos e que histórias nos servem hoje? Não estamos mais na década de 1990, no videoclipe. Que narrativa eu crio quando entro no facebook, vou para outra e outra página? Estamos pensando em como essas narrativas se estabelecem e nas formas de recepção do público”. Certamente quem for ao teatro ainda terá outras perspectivas – quem sabe ajude a diminuir os hiatos?
O repertório da Hiato
Escuro
Um menino míope com a capacidade de ouvir segredos passa a tarde mergulhando na piscina do clube. Uma senhora recebe a costureira para aulas de natação, mas sem a piscina, elas usam tigelas de água. Um homem perde a fala enquanto ensaia o discurso em aquários vazios. Uma professora prepara a aluna para um torneio de deficientes. O espetáculo de 2009 abre espaços de irrealidade em um dia, nos anos 1950, de quatro núcleos de personagens.
Cachorro morto
Thiago sabe de cor todos os países do mundo e suas capitais, assim como os números primos até 7.507. Luciana gosta do estado de Massachussets, mas não entende nada de relações humanas. Maria Amélia adora listas, padrões e verdades absolutas. Aline odeia amarelo e marrom e, acima de tudo, odeia ser tocada por alguém. Todos esses atores mergulham na ficção para emprestar seus corpos e emoções a outra vida e, ao confundir realidade e ficção, contam a história de um portador da Síndrome de Asperger. O espetáculo estreou em 2007.
O Jardim (dias 22 e 23, às 21h, no Teatro Luiz Mendonça)
A partir das biografias dos atores, o grupo criou uma ficção, tendo como mote o mal de Alzheimer. A plateia pode assistir ao espetáculo de diferentes maneiras cronológicas, de acordo com o local onde sentar: a cena pode se passar em 1938, 1979 ou 2011. O cenário de caixas é construído e reconstruído em cena, de modo a criar mundos imaginários e transformar momentos já vistos em lacunas. O espetáculo, que estreou este ano, fala da memória a partir de vários primas, desde aquela que queremos perder até a que fazemos de tudo para recuperar.
Programação da semana
Escuro / Companhia Hiato (SP)
Hoje e amanhã, às 21h, no Teatro Luiz Mendonça. Informações: (81) 3355-9821
Oxigênio / Companhia Brasileira de Teatro (PR)
Quinta e sexta, às 21h, no Teatro Hermilo Borba Filho. Informações: (81) 3355-3318
Áfricas / Bando de Teatro Olodum (BA)
Sexta, às 19h; e sábado, às 16h30, no Teatro de Santa Isabel. Informações: (81) 3355-3323
Madleia + ou – doida / Companhia do Chiste (PE)
Sábado e domingo, às 21h, no Teatro Hermilo Borba Filho. Informações: (81) 3355-3318
Cachorro morto / Companhia Hiato (SP)
Domingo e segunda-feira, às 19h, no Teatro Apolo. Informações: (81) 3355-3318
Ingressos: R$ 5 (com exceção da abertura do festival hoje, que é gratuita. Os ingressos podem retirados na bilheteria a partir das 18h)