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Amar e mudar as coisas interessam mais
Crítica do espetáculo Bixa Viado Frango

Silvero Pereira é um artista febril. Febril, uma palavrinha que despacha para o calor do corpo em expansão e quase sinto na pele o delírio quando a temperatura passava dos 39. Esse artista transborda essa sensação de estar vivo, de algo quente. De estar presente no tempo presente. De correr riscos ao expor intimidades de sua trajetória como o faz em atitude vibrante no experimento BIXA VIADO FRANGO. Mas lá nos documentos que expõe, ele também fala de morte, uma morte provocada por uma sociedade excludente que dita quais corpos merecem ser valorizados e quais não. Ou seja, os que servem aos ataques dos instintos animalescos da nossa desumanidade.

O ator exibiu essa criação virtual do Ceará, da sua casa, onde desenvolveu sozinho a peça para o meio digital. Escreveu o roteiro, dirigiu, editou os vídeos e músicas, atua e opera com todos os equipamentos disponíveis . Isso dá um trabalhão: sincronizar luz, música, atuação, cenários, vídeos editados. E essa solidão inventiva está impregnada de nervuras.

Militante LGBQI+, ele traz seus documentos biográficos para falar de si e de muitos que também foram atravessados pela ignorância humana mascarada de superioridade. Menino, era desaconselhado a não se aproximar de outros garotos apontados com a doença de mulherzinha. Entre atração e identificação, ele se escondia. Muito tempo depois descobriu que quem está doente é a sociedade.

Ficaram as marcas. No corpo. Na alma. Na memória. Aos 38 anos completados em junho, Silvero fala que perdeu 20.  Duas décadas de um corpo vivo-morto pela sociedade. O artista quer fazer uma peça sobre sua vida. Ele tensiona dados biográficos com músicas de Belchior e reflexões sobre quem está interessado nesses relatos. Já, que, como ele mesmo salienta, o que cresce é a audiência do humor, de lugares incríveis, de luzes mirabolantes. Não há nada disso na sua criação. E por mais que seja virtual há muito mais de visceral.

Cena de BIXA VIADO FRANGO. Reprodução do Instagram

BIXA VIADO FRANGO sublinha as limitações desses tempos com proibições de toques, de interdições de ajuntamentos físicos. Quer espantar o medo da solidão Pereira retorna no mapa do seu nascimento, em Mombança, uma cidade no Sertão central do Ceará, a 350km de Fortaleza. Convoca em fotografias seus avós, sua mãe Rita Invenção, seu pai José Alves, seus tios e tias, um universo familiar para refletir e projetar a crueldade dos valores de uma sociedade cada vez mais doentia.

O ator reza o rosário de uma família disfuncional, dos avós aos tios, o que inclui na lista homens abusadores, uma tia que enterrou oito cachorros vivos porque todos eram fêmeas, um parente que não fala com os filhos, a hipocrisia social imperante no Brasil desde a chegada dos portugueses.

E se posiciona, da defesa para o ataque, ao reconhecer que para todas essas pessoas a vergonha mesmo é ser viado, balde, bixa, baitola, boiola gay, suzy, frango. E não ser bandido, estuprador, assassino, pedófilo e não cuidar dos filhos.

É possível sentir o arme farpado que ele diz atravessar sua cabeça. Ele dá seu grito contra as distorções do caráter que é apreciado numa sociedade que pouco presta atenção em honestidade, solidariedade, integridade.

Não, ele não se submete. Não mais.  

No primeiro dia de espetáculo, houve problemas de conexão com falhas e descontinuidades, uma coisa tão irritante e, por isso mesmo, carregada de fluxos de sensações humanas, o erro que aproxima do mais humano. Os limites do não compartilhamento presencial, a telinha minúscula do Instagram enviando impulsos potentes, feito uma caixa mágica. Na segunda noite, a internet funcionou e Silvero apareceu de cabelos azuis. Nesta quarta (5) tem troca de impressões com os espectadores.

Os humanos artistas tentando dominar as máquinas em tempo real. A tecnologia transmite as emoções desse trabalhador da arte, porque ele se derrama. Seguimos o pacto real ficcional de suas paredes brancas.

Serviço:
BIXA VIADO FRANGO
Quando: 3, 4 e 5 de agosto, às 20h
Onde: Via Instagram, no perfil @sala_de_espetaculos
Ingressos: R$ 10 (à venda pelo Sympla / Bixa Viado Frango)

 
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Quem tem medo de bixa viado frango?

Silvero Pereira apresenta experimento cênico Bixa Viado Frango, no Instagram

BIXA VIADO FRANGO é um título forte, direto, carregado de camadas, defesas da liberdade de ser e dos ataques de uma sociedade preconceituosa, violenta, machista, misógina, patriarcal. O artista Silvero Pereira sentiu na própria carne o impacto dessa estrutura ainda menino no interior do Ceará. No monólogo online, que estreia pelo Instagram nesta segunda-feira (3), ele alimenta as cenas da memória em fluxo de sua caminhada. Desde a casa da sua infância, a escola, as lembranças das ruas repletas de desejos irresistíveis de um lado, e das agressões veladas ou escancaradas. Da adolescência com suas descobertas juvenis no âmago de uma coletividade opressora aos tempos de pandemia, isolamento e solidão há de tudo um pouco. Como ensinou Carlos Drummond de Andrade em Resíduo, De tudo ficou um pouco / Do meu medo. / Do teu asco. / Dos gritos gagos. Da rosa / ficou um pouco”.

No final do poema, o poeta mineiro pede “Oh abre os vidros de loção / e abafa o insuportável mau cheiro da memória”. Mas Carlos sabe que precisamos encarar de frente os nossos fantasmas. E, por mais terrível que seja a recordação, é preciso elaborar. Quem sabe, voltar muitas vezes.

Na obra BIXA VIADO FRANGO, Silvero resgata vivências relacionadas à sexualidade e gênero, brinca com os afagos e açoites da rede social. A peça estava nos planos do ator há três anos. Mas devido às atuações na TV e no cinema, o plano foi adiado. O último trabalho teatral foi BR-Trans, mas desde 2013 ele não entra numa sala de ensaio como ator de teatro. 

Com duração de 40 minutos, BIXA VIADO FRANGO entrelaça literatura, dramaturgia clássica, histórias autobiográficas, dramaturgia musical, filtros e ferramentas disponíveis nas redes sociais, provocando uma “atmosfera intimista, documental, cênica-virtual e um tanto cinematográfica”.

Depois da terceira apresentação, na quarta-feira (5), Silvero junta os espectadores para um bate-papo.

Essa é a segunda articulação cênico-virtual do ator. Ele atua junto com Gyl Giffony em Metrópole, do escritor Rafael Barbosa. “O teatro do encontro presencial está parado, mas a arte continua em movimento”, aposta Silvero.

No final da tarde desta segunda-feira de estreia, já preparando o ambiente da apresentação, Silvero Pereira conversou por telefone com o Satisfeita, Yolanda?. “Estou aqui em casa, mexendo nos móveis, de um lado pro outro, preparando o cenário”.

Você tinha falado que iria misturar Hamlet com sua história pessoal. É isso?
Esse já é outro projeto. Não é BIXA VIADO FRANGO. Na realidade, o Hamlet com o Belchior e minha história pessoal  é um projeto que vou fazer mais adiante. O BIXA VIADO FRANGO é uma proposta que eu tinha há três anos, um pouco depois do BR-Trans tinha pensado em produzir esse espetáculo, mas acabei entrando na televisão, da televisão fui pro cinema e os últimos três anos não tive oportunidade de voltar para a sala de teatro e ensaiar. Então agora no período da pandemia resolvi resgatar essa história e me dedicar a ela pra produzir.

Como foi buscar nas suas memórias, nas próprias feridas essa construção?
Tenho sempre acreditado na arte como esse lugar coletivo. Muito importante pra mim que a arte não seja somente pessoal. Então todos os meus processos criativos – embora eles passem pela forma como o Silvero indivíduo enxerga as coisas e como essas coisas passaram pelo corpo do Silvero – eu acho muito importante que isso seja percebido em outros corpos e identificado em outros corpos também. Então eu utilizo das minhas experiências, das minhas vivências, mas também faço uma mistura, com outras dramaturgias, de fatos que li nas redes sociais, da literatura, da dramaturgia clássica, contemporânea, da música, da poesia e vou fazendo uma mistura pra que fique diluído o que é do Silvero, o que não é do Silvero, mas pode fazer parte da mesma sociedade excludente, preconceituosa e que muitas pessoas podem se identificar.

Tendo feito um personagem numa novela das nove, que teve muita adesão, você imaginou que de alguma forma as pessoas fossem te respeitar mais?
Não acho que isso tenha acontecido por conta da novela. O que acontece é que as pessoas passaram a conhecer mais o Silvero. A bolha que eu fazia parte antes da novela, que eu fazia do teatro, se tornou maior. Uma coisa importante aí é que mesmo dentro da televisão nunca abri mão dos meus princípios e daquilo que sempre quis ser. Então não é uma surpresa para as pessoas o meu comportamento, a minha maneira de ser . O que mudou foi a quantidade de pessoas que hoje me conhecem.

Como você lida com preconceito e discurso de ódio nas suas próprias redes? Isso aumentou na pandemia?
Aumentou muito. Não apenas pelo fato de estarmos dentro de casa mais atentos às redes sociais, mas também por uma questão política mesmo. As pessoas estão mais violentas e defensoras de algo que acho meio difícil de ser defendido. Mas as pessoas têm se sentido autorizadas a violentar as outras. E eu acho que isso cresceu bastante e isso vai crescer ainda mais, por conta dessa autorização político institucional que tem sido dada. Isso é o que mais me preocupa.

Quais foram os procedimentos de criação deste espetáculo durante a pandemia?
Eu tinha feito uma experiência anterior, Metrópole, com o Gyl Giffony, outro parceiro meu. Fiquei dentro de casa me perguntando como continuar vivo, como manter a arte em movimento embora o teatro esteja parado, o teatro físico. Mas como manter a minha necessidade de ser artista viva, em movimento. Então fiz esse desafio para o meu colega e falei vamos fazer uma experiência o mais próxima possível do teatro. Ou seja, abrir uma sala privada, onde as pessoas pudessem adquirir os ingressos e tratar isso como uma experiência teatral. Você compra seu ingresso, entra na sala, tem dez minutos de espera em blackout, a peça começa e os comentários são desligados e só depois que termina a peça é que os comentários são ligados e você pode ter uma interação com o artista . Só que o Metrópole é uma adaptação de uma peça de 2012 para plataforma. O BIXA, VIADO FRANGO faz o movimento inverso. Eu não tinha estreado essa peça ainda e, na pandemia, comecei a escrever para a plataforma, então ela já foi pensada a partir dos elementos que a plataforma me oferece.

Você tem algum sopro de otimismo diante de tudo que estamos vivendo?
Tenho, tenho sim. Pelo menos eu espero que as pessoas estejam refletindo mais sobre suas individualidades e coletividade. E que isso possa fazer uma grande mudança. Eu tenho esse sentimento positivo , embora minha esperança não seja tão forte de que a gente saia mais solidário de tudo isso. Tenho uma grande preocupação que a gente saia ainda mais individual, porque percebo no nosso entorno que existe também agora a coisa de se distanciar das pessoas. Acho que as pessoas não podem confundir distanciar-se hoje por segurança e não internalizarem isso para futuramente o distanciamento ser mais um elemento estrutural que nossa sociedade tende a fazer e também se distanciar das pessoas não mais por necessidade de segurança e sim por individualismo.

O que você viu de teatro digital nesta quarentena?
Eu vi algumas experiências, do Recife, do pessoal do Magiluth, do Clowns de Shakespeare, de Natal; do Pavilhão da Magnólia do Ceará. Tenho assistido alguns.

Como está sendo este período para você? Como está se virando para cuidar da cabeça?
Estou sozinho na quarentena. Hoje é um dia bem delicado pra mim porque essa coisa de produzir uma peça virtual…. eu opero o som, a luz, eu mudo o cenário, estou atuando e estou dirigindo a peça , escrevo a peça, faço a edição dos vídeos que eu quero colocar. Tudo isso mexendo numa televisão, num tablet, no celular e nos outros equipamentos que estão dentro da minha casa. Não tem ninguém dentro de casa comigo, só eu fazendo sozinho. Mas isso é interessante. Eu aprendi muito no teatro que nós precisamos ser donos do nosso ofício, ter um conhecimento básico para lidar com os profissionais dessas áreas. Então isso já me deixa mais feliz. Tem dias bons e tem dias ruins, tem dias que não estou muito feliz, que tenho ficado depressivo e nesses dias eu procuro as minhas forças na natureza. Abro a minha casa… sou muito ligado à natureza, à religião de candomblé, de umbanda. Não tenho uma religião certa. Mas tenho uma ligação muito forte com a religião de matriz africana. E aí abro minha casa, borrifo ervas, faço meus cânticos, faço minhas meditações e com isso me sinto um pouco melhor.

Serviço:
BIXA VIADO FRANGO
Quando: 3, 4 e 5 de agosto, às 20h
Onde: Via Instagram, no perfil @sala_de_espetaculos
Ingressos: R$ 10 (à venda pelo Sympla / Bixa Viado Frango)

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Trema! ataca com Quem tem medo de Travesti!

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Elenco conta histórias autobiográficas ou vividas por outras pessoas. Foto: Divulgação

A partir de pesquisa histórica, social, antropológica e artística sobre os papéis da travesti no teatro e na sociedade, o coletivo As Travestidas (CE) ergueu o espetáculo Quem tem medo de travesti!, atração desta sexta-feira (29), às 21h, no Teatro de Santa Isabel, do Trema! Festival de Teatro. A montagem investe na concepção da Arte Transformista desde a conquista do espaço na cena, passando pela glamourização do teatro de revista até procedimentos de marginalização da figura “trans”.

Seres da noite, vampiras, lobisomens, centauros urbanos, bichas e veados ganham outras angulações, com humor e provocação. Essas criaturas trazem narrativas repletas de dor e questionamentos inquietantes. A sociedade que assassina jovens com seus preconceitos e discriminação é descascada na encenação, que conta com sete atores em cena e músicas, dubladas ou cantadas ao vivo.

Quem tem medo de travesti!
devolve o julgamento de quem condena sem conhecer essa realidade. De quem sabe pouco das práticas e técnicas corporais, que vão desde injeções de silicone à mudança de hábitos e gestuais, na busca da sobrevivência e elevação da auto-estima dos que ousam ter o corpo modificado.

O desejo mascarado ou subterrâneo de setores da sociedade gera violência e preconceito. Como resposta, elas gritam por civilidade e respeito.

O estereótipo cede lugar ao desejo da travesti que perpassa o desejo do outro. O íntimo, a subjetividade e a dor sem caricatura ganham o primeiro plano. Mas com comicidade e deboche, que são as armas dessas figuras híbridas exibidas por trás dos aparatos da montagem.

Quem tem medo de travesti? Foto: Divulgação

Quem tem medo de travesti? Foto: Divulgação

Fragmentos de vidas reais coletados em conversas com travestis, transexuais e artistas transformistas, mesclados a relatos dos próprios atores, além de pesquisas acadêmicas, documentários em vídeos e referências que vão de Aristóteles a João Cabral de Melo Neto compõe o espetáculo. Quem tem medo de Travesti! tem texto e direção do ator e diretor cearense Silvero Pereira e Jezebel De Carli, professora e diretora gaúcha. A parceria surgiu com o espetáculo BR-TRANS, em Porto Alegre/RS em 2013.

No elenco estão Denis Lacerda (Deydianne Piaf), Verónica Valenttino (Jomar Carramanhos), Alicia Pietá, Patrícia Dawson, Italo Lopes (Karolaynne Carton) Diego Salvador (Yasmin Shirran) e Rodrigo Ferreira (Mulher Barbada).

Leia abaixo entrevista com ator, dramaturgo, diretor, professor de teatro, dançarino,   pesquisador, produtor, figurinista, maquiador,  iluminador,  sonoplasta,  aderecista e militante Silvero Pereira.

Silvero Pereira em uma cena de BRTrans. Foto: Lina Sumizono/Clix/FTC

Silvero Pereira em uma cena de BR-TRANS. Foto: Lina Sumizono/Clix/FTC

ENTREVISTA // SILVERO PEREIRA

Que você acha de ser considerado a vedete do teatro cearense?
Eu, sinceramente, não me preocupo com rótulos. Tenho mais preocupação com a construção de um teatro que possa comunicar-se com o público. Se vão dizer que sou pop, vanguardista, imitação ou transformador, para mim, depende muito de como se relacionam com a obra. Entretanto, esse título de vedete me deixa feliz, pois coloca meu trabalho entre o antigo, glamouroso e um teatro que aproxima o público.

O que dá sustentação a sua pesquisa, experimentação artística e envolvimento político com as  questões do LGBTTT?
Talvez essa sustentação venha por conta de nossa verticalização entre arte e pesquisa. Fazemos um trabalho que antes da aula, questões levantadas sobre gênero e diversidade, ele possui uma identidade artística com base na dramaturgia, encenação e atuação. Não é uma construção apenas político-militante. Antes de tudo somos artistas que acreditam no seu ofício em várias vertentes, seja ele de entretenimento ou de questão social. Entretanto, nos identificamos com esse teatro capaz de provocar novas percepções sobre determinado assunto a partir da estética que realizamos

Por que a escolha do universo trans?
Não foi exatamente uma escolha. De certa forma eu fui sendo absorvido por essa temática. Trabalhei numa comunidade no Ceará com muitas travestis e diante da realidade delas é do meu ofício, achei que seria o modo como eu poderia colaborar para mudar um pouco essa realidade, mas fui entrando no universo e me dando conta de uma série de questões que não ficaram resumidas a apenas uma obra, havendo a necessidade de novos projetos para novas discussões

Estamos vivendo um momento muito delicado no Brasil, as máscaras do preconceito contra o diferente são depostas quando se fala em conquistas e direitos. Como você enxerga a situação política e quais os receios sobre a repercussão disso tudo para o trabalho de defesa dos trans, que você está empenhado?
O Brasil é um país travestido de democracia e liberdade. Ele finge ser libertário, finge ser uma sociedade igualitária, mas é o país que mais mata LGBTTT’s no mundo. É um país racista, machista. Mas também não podemos deixar de ver que é um país que tem abertura para as lutas do movimento social e são essas brechas que nos fazem respirar e seguir lutando por mudança. Avançamos em muita coisa desde a Colônia, mas não somos, ainda, um lugar seguro e igual para todos

Fale um pouco do espetáculo Quem tem medo de travesti!. Sei que faz muito sucesso. As pessoas ficam tocadas. Vocês buscaram o lado mais humano e menos glamouroso. 
Quem tem Medo de Travesti! é um espetáculo que desnuda a caricatura marginal da travesti. Ele traz situações sobre infância, descobertas, família, a falta de afeto e a morte por assassinato e por suicídio. Não é a arte que humaniza a travesti. É a sociedade que a coloca como bicho. No nosso caso, queremos abrir esse olhar estigmatizado e fazer enxergar esse universo como um lugar de pessoas que acordam, amam, sofrem e são julgadas a cada segundo por conta de uma construção histórico-social de que elas não são humanas, mas sim animais.

O que é ser travesti na abrangência do espetáculo?
A travesti é a verdadeira filha dessa sociedade excludente. Se ela virou marginal foi porque foi parida por uma sociedade que não a aceitou na família, na religião e na educação. Logo, aceite seus filhos como você educou.

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FICHA TÉCNICA 
Direção e dramaturgia: Jezebel De Carli e Silvero Pereira
Elenco: Denis Lacerda (Deydianne Piaf), Verónica Valenttino (Jomar Carramanhos), Alicia Pietá, Patrícia Dawson, Italo Lopes (Karolaynne Carton) Diego Salvador (Yasmin Shirran) e Rodrigo Ferreira (Mulher Barbada)
Produção: Silvero Pereira
Técnico de som: Fabio Vieira
Iluminação: Fabio Oliveira
Realização: Coletivo Artístico As Travestidas
Classificação indicativa: 18 anos
Duração: 80 minutos

SERVIÇO
Quem tem medo de travesti!
Quando: Hoje (29), às 21h
Onde: Teatro de Santa Isabel (Praça da República s/n, Bairro de Santo Antonio)
Quanto: R$ 30 e R$ 15
Telefone: 3355 3322

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O universo trágico, e cômico, dos trans

BR-TRANS faz duas sessões no Teatro Hermilo Borba Filho, hoje e amanhã. Foto: Lina Sumizono/ Divulgação

BR-TRANS faz duas sessões no Teatro Hermilo Borba Filho, hoje e amanhã. Foto: Lina Sumizono/ Divulgação

Trema!

Assisti ao espetáculo Metrópole, com atuação de Silvero Pereira e sua Inquieta Cia de Teatro, durante a IX Mostra Latino-americana de Teatro de Grupo, em São Paulo, no ano passado. Ele é um ator que magnetiza o olhar. Silvero dividiu a cena com Gyl Giffony, também diretor da peça. Hoje e amanhã, Pereira participa da 3ª edição do TREMA! com a montagem BR Trans, uma das mais aguardadas do Festival de Teatro de Grupo do Recife, no Hermilo Borba Filho.

CONFIRA A CRÍTICA DE METRÓPOLE

O espetáculo é resultado de seis meses de pesquisas com travestis (transgêneros), transformistas e transexuais feitas pelo cearense Silvero Pereira em ruas, casas de shows dos estados do Ceará e Rio Grande do Sul e um presídio de Porto Alegre. Ele assina o texto, atua sozinho e divide a direção da peça com Jezebel De Carli.

São mostradas no palco histórias de exclusão, medo, solidão e morte. Algumas trágicas outras cômicas, mas com o teor de denúncia sobre o preconceito e a violência transfóbica. BR Trans também traz um clima de cabaré e em seu solo Pereira faz dublagens de Lana Del Rey e Maria Bethânia.

Espetáculo já foi muito aplaudido em festivais,  mostras e temporadas pelo Brasil

Espetáculo já foi muito aplaudido em festivais, mostras e temporadas pelo Brasil

SERVIÇO
Espetáculo BR-Trans
Quando: Hoje e amanhã, às 21h
Onde: Teatro Hermilo Borba Filho
Ingressos: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia)

Ficha Técnica
Direção: Jezebel De Carli e Silvero Pereira
Texto e atuação: Silvero Pereira
Músico: Rodrigo Apolinário
Realização: Coletivo Artístico As Travestidas
Duração: 70 minutos
Classificação: 16 anos

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Tubo de ensaio

Daniele Avila Small – Revista Questão de Crítica
(www.questaodecritica.com.br)

Metrópole

Em Metrópole, os espectadores se vêem refletidos ao longo de toda a peça

Formada por artistas egressos da graduação de Artes Cênicas do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE), a Inquieta Cia. de Teatros apresentou Metrópole na Sala de Ensaios do Centro Cultural São Paulo, no contexto da IX Mostra Latino-Americana de Teatro de Grupo. O espetáculo foi concebido para se apresentar em espaços com esse caráter e aproveita de modo interessante a parede coberta de espelhos, especialmente no que diz respeito ao poucos movimentos de luz, feitos apenas com uma lanterna e alguns desenhos no espelho. Os espectadores se vêem refletidos ao longo de toda a peça e podem observar-se ou observar os demais enquanto a cena se desenrola. Essa estratégia, que faz o espectador dar-se conta de si mesmo o tempo todo, encaixa a experiência em um lugar de expectativa moderada. Nos vemos inseridos em um contexto de experimentação, estamos todos na sala de ensaio, como se fôssemos cobaias-cúmplices.

No encontro de intercâmbio entre grupos, os integrantes se apresentaram como um grupo de origem acadêmica, que se encontrou na faculdade de teatro e começou a trabalhar a partir desse contexto. Não é um grupo iniciante, mas talvez seja o grupo mais jovem no contexto da Mostra. Isso aparece no espetáculo em alguns aspectos, como na lida com o trabalho do ponto de vista técnico e do ponto de vista temático.

Do ponto de vista técnico, parece que há uma ansiedade com o próprio fazer teatral que em alguns momentos acaba ficando na frente, aparecendo mais do que o trabalho em si. A intensidade que aflora nos corpos de Silvero Pereira e Gyl Giffony (que também assina a direção) em muitos momentos fica em primeiro plano. Isso pode ser uma opção estética, mas ficou a impressão de que os artistas poderiam regular a voltagem pra dar a ver mais nuances, mais delicadezas. O excesso de energia no trabalho atorial pode se confundir com uma limitação técnica. A fricção entre os dois personagens e a proximidade com os espectadores produz um calor interessante, mas o trabalho acaba contando demais com isso. É como se o vigor fosse mais de juventude que de elaboração poética.

a Inquieta Cia. de Teatros é o grupo mais jovem da IX Mostra Latino-Americana de Teatro de Grupo.

a Inquieta Cia. de Teatros é o grupo mais jovem da Mostra Latino-Americana de Teatro


Do ponto de vista temático, dos assuntos abordados e dos enfrentamentos da dramaturgia de Rafael Barbosa com o material reunido para a produção do texto, a peça esbarra nesse lugar da pesquisa incipiente. O entendimento do que é a opção pela vida na arte às vezes parece um pouco romântico, como se tudo fosse 8 ou 80. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra – poderíamos dizer. A persistência demanda concessões e recusas em uma justa medida. É possível construir um lugar de criação artística para si enquanto ainda se ganha o pão com outros meios. Nos debates realizados na Mostra, a viabilidade econômica da continuidade dos grupos, a necessidade de ter uma sede, uma regularidade, foram assuntos importantes. É interessante ver que o grupo colocou isso em jogo na própria criação. Nesse sentido, imagino que o espetáculo tenha uma empatia imediata com o público de jovens e jovens adultos, especialmente entre espectadores que lidam com esses questionamentos no seu dia a dia. E a empatia com o público jovem no teatro não deve ser subestimada.

A peça começa com um prólogo impactante, numa referência ao universo de Caio Fernando Abreu, cheio de fantasia e brilho. Depois, o acender das luzes revela a crueza da realidade. Essa discrepância entre um falso glamour das iludidas do prólogo e a realidade maçante do trabalho braçal do rapaz que desistiu da vida artística apresenta de maneira econômica uma ideia geral de uma imagem possível do lugar do artista: uma mistura de fantasia e realidade, de epifania e dureza.

Fica a curiosidade de conhecer outras peças do grupo, para enxergar o seu trabalho em um contexto mais amplo, e o desejo de ver o que os integrantes da Inquieta Cia. de Teatros estarão fazendo daqui a alguns anos.

* Esse texto faz parte da ação do DocumentaCena – Plataforma de Crítica formada por Daniele Avila Small (Questão de Crítica – Revista Eletrônica de Críticas e Estudos Teatrais), Ivana Moura (Satisfeita, Yolanda?), Luciana Eastwood Romagnolli (Horizonte da Cena), Maria Eugênia de Menezes (Teatrojornal – Leituras de Cena), Pollyanna Diniz (Satisfeita, Yolanda?), Soaraya Belusi (Horizonte da Cena) e Valmir Santos (Teatrojornal – Leituras de Cena), que acompanha a IX Mostra Latino-americana de Teatro de Grupo

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