Arquivo da tag: Sesc Casa Amarela

Do exercício de se desnudar

Performance Sereia no escuro abriu a VI Mostra Capiba. Foto: Pollyanna Diniz

O poeta italiano Filippo Tommaso Marinetti, um dos precursores da performance, lá no início do século 20, queria mesmo ‘causar’. Aplauso? “Era uma coisa medíocre, enfadonha, vomitada ou excessivamente bem digerida”. No livro A arte da performance – Do futurismo ao presente, RoseLee Goldberg conta que Marinetti inclusive sugeria artifícios para que os performers pudessem deixar o público com raiva – ensinava a passar cola nas cadeiras ou vender o mesmo ingresso para duas pessoas. Fiquei pensando nisso quando terminou a performance Sereia no escuro, apresentada pelo ator, diretor, figurinista, cenógrafo e professor Marcondes Lima na abertura da VI Mostra Capiba de Teatro, na última sexta-feira. Não…Marcondes não foi vaiado. De forma alguma. Não era o caso e, mesmo que fosse, o nosso público hoje parece muito mais socialmente engessado.

É por que no debate, que geralmente é realizado depois da sessão, Marcondes trouxe o questionamento: como a plateia receberia aquela performance? Um espetáculo fragmentado, baseado no improviso, que não explica exatamente onde quer chegar. Alguém disse que era como acompanhar um sonho. Sem amarras ou definições pré-concebidas sobre o que vamos encontrar. Um personagem, uma dramaturgia, um cenário, um figurino. Que bom que existiram as vanguardas artísticas. Que bom que o mundo mudou. Que bom que Marcondes Lima é turrão e não desistiu quando alguém disse que ele nunca seria um ator. Não com aquela voz.

Quem pode conhecer os nossos próprios limites senão nós mesmos? E palco nem é divã, lembra Marcondes Lima durante a performance. Mas lá cabem todos os sentimentos do mundo. Respostas e dúvidas. Geralmente mais as últimas. Se fosse pra tirar uma lição – que não, mais uma vez, não é o caso – talvez: ‘sê inteiro’. Vai lá, se joga, se lasca de trabalhar, se mata, ama, vive. O palco não aceita meio termo. Lembro de Fernanda Montenegro numa das suas milhares de entrevistas dizendo algo do tipo – esqueça a ideia de ser ator…vá fazer outra coisa. Mas se essa ausência começar a doer, a cortar, a não te deixar respirar, volte.

Um homem de teatro: Marcondes Lima é ator, diretor, figurinista, cenógrafo, professor

Marcondes Lima transpira teatro e mostra isso de forma muito significativa no palco. Se alguém deu a sentença de que o problema estava na voz, tantos anos depois ele exercita a técnica e mostra o que é capaz de fazer; exibe as suas potencialidades e, porque não, as suas deficiências? Da mesma forma que brinca com a voz, constrói imagens plasticamente belas e que emocionam: como na cena em que veste uma saia cheia de pérolas – e vai puxando as pérolas, uma a uma, elas caem, seguras por fitas vermelhas.

Em Sereia no escuro Marcondes se apropria não só do teatro, mas da dança e do canto. São fragmentos, como já foi dito – ele começa lendo as várias definições de sereia; mostra a imagem da cidade pequena em que nasceu e explica que lá já se sentia uma sereia – um ser híbrido, inadequado, em constante mutação. E o que poderia ser apenas uma aula-espetáculo (o que certamente já seria muito pertinente, diante da experiência que esse homem de teatro possui) se transforma numa performance plena de significados, mas que deixa muitas lacunas por serem preenchidas – ainda bem.

A mesma performance foi apresentada anos atrás. Marcondes tinha vivido a morte de um amigo, estava com a cabeça fervilhando por causa do mestrado e decidiu que precisava movimentar o corpo. O convite de Breno Fittipaldi, curador da Mostra Capiba, trouxe de volta aquela pulsação. Se há hoje uma consciência muito maior no palco, das limitações, das opções estéticas, da missão, Marcondes Lima não perdeu a vontade de arriscar, de se desnudar, de se desmanchar, de vencer os medos. Ah, se existissem mais Marcondes Lima no teatro! O público talvez se prendesse menos na obrigação social de aplaudir – ocupados que estaríamos vivendo um momento juntos. Como deveria ser sempre.

Performance mistura teatro, dança e canto

Postado com as tags: , , , , ,

Mostra Capiba para fechar bem o ano

Hay Amor!, do grupo Os Geraldos, de Campinas, está na programação da Mostra Capiba. Foto: Claudia Echenique

Saiu a programação da VI Mostra Capiba, realizada no Teatro Capiba, no Sesc Casa Amarela, e também este ano, com ações no C.A.S.A (Centro de Articulação de Saberes Artísticos), que é na Rua Visconde de Abaeté, 166, na Tamarineira.

Mais uma vez o Satisfeita, Yolanda? é parceiro do festival, que vai de 7 a 15 de dezembro. Vou escrever sobre os espetáculos e os textos serão postados aqui no blog e no site do Sesc. Também foram convidados pra escrever sobre as peças os professores Wellington Júnior e Elton Bruno.

Os ingressos custam R$ 10 e R$ 5 (meia-entrada).

Vamos à programação:

TEATRO CAPIBA

Dia 7/12, às 20h:
Sereia no Escuro – Marcondes Lima (PE)
Sinopse: Exercício teatral calcado na improvisação como meio de expressão e não como meio de preparação para o trabalho do ator. Uma experiência cênica no limite entre linguagens, onde a representação, o canto e a dança são utilizados pelo ator como experimentos, sem a preocupação com certas convenções. O ator, em tom confessional, faz de si personagem. Fala sobre o seu fazer artístico, entremeando fragmentos de memória e ilustrando-as com demonstrações práticas. A figura mítica da sereia serve como metáfora do ser ator e dos estados de inadequação, de dubiedade e de inconformismo diante da existência. Também diz respeito às criaturas híbridas que rodeiam e habitam os abismos de todos nós.

Dia 8/12, às 20h:
Propriedade Condenada – Cia de Teatro da UFBA (BA)
Sinopse:
Com o texto curto Essa propriedade está condenada, Tennessee Williams trata de inocência de duas crianças (Tom e Willie) que se encontram nos trilhos do trem e os fatos cruéis que constituem a vida de Willie, como abuso sexual, abandono e exploração de menor. Através da narrativa de Willie, descobrimos toda a tragédia de sua família: após o abandono de sua mãe que fugiu com o homem que freava os trens e do sumiço de seu pai, alcóolatra, Willie e sua irmã mais velha, Alva, ficam sós em uma grande casa abandonada. Logo, os homens da região abusam de Alva até sua morte por tuberculose. Aos treze anos, Willie assume o lugar de sua irmã, transformando-se na cortesã dos homens da ferrovia.

Dia 9/12, às 20h:
Aquilo Que Meu Olhar Guardou Pra Você – Grupo Magiluth (PE)
Sinopse:
Com dramaturgia que adota a postura de “testemunho imparcial”, contando relatos que poderiam ser objeto de vários contos, Aquilo que Meu Olhar Guardou Pra Você mostra uma visão mais aprofundada das cidades com foco nas figuras, histórias e fluxos de todo o tecido social. É um espetáculo vivo e a cada apresentação, amplia o estado de jogo dos atores envolvidos e que pretende estabelecer uma ligação com o público a partir de uma humanidade comum, compartilhada e assumida. Neste sentido, a montagem radicaliza a experiência teatral, dando a platéia não mais um papel passivo e protegido em sua penumbra e sim um papel ativo e propositivo mediante aquilo que ela encontra.

Dia 10/12, às 20h:
Avesso – Educandário Cicuta Sem Estricnina (PE)
Sinopse: O espetáculo é o encontro de dois seres em busca de suas verdades através de histórias fabulosas e divagações filosóficas, apoiados em suas relações com o sistema sócio-econômico capitalista e suas atividades cotidianas. É uma redescoberta do ser humano começando do lado contrário. A trilha sonora é feita ao vivo a partir de recombinações de sons capturados por microfones espalhados pelo palco e na platéia, trazendo caráter orgânico ao universo surreal proposto.

Dia 11/12, às 20h:
Gaiola de Moscas – Grupo Peleja (PE)
Adaptado do conto homônimo do escritor moçambicano Mia Couto, Gaiola de Moscas é um espetáculo inspirado na brincadeira de Cavalo Marinho. Zuzé Bisgate é um curioso comerciante. Ele vende cuspes para engraxar sapatos e moscas para acompanhar os mortos nos funerais. Sua mulher, cansada das ideias do marido, se encanta por um forasteiro vendedor de “pintadas” de batom. A história nos remete a um vilarejo imaginário que poderia estar em Moçambique, no Brasil, ou em qualquer lugar onde se combine desigualdade social e criatividade. A encenação envolve o espectador num universo de precariedade e alegria, onde os personagens sobrevivem entre destroços e sonhos. Como “brincantes do conto”, músicos e atores-dançarinos apresentam sua própria brincadeira contemporânea e instauram o clima vivenciado nos brinquedos populares.

Na solidão dos campos de algodão, com Edjalma Freitas e Tay Lopez. Foto: Pollyanna Diniz

Dia 12/12, às 20h:
Na solidão dos campos de algodão – Cia do Ator Nu (PE)
Onde: O espetáculo não será no teatro, mas na quadra poliesportiva do Sesc Casa Amarela
Sinopse: Dois homens se encontram num lugar neutro, indefinido. Um deles pretende fornecer o que o outro desejaria, mas nem o desejo, nem a mercadoria são revelados. O jogo enigmático avança até chegar a um final surpreendente. E essa relação mostra-se, ao longo do tempo, como um combate sem vencedores tendo a solidão como horizonte. Um combate que só se realiza através da palavra. É a palavra que vai, no percurso do espetáculo, revelar que toda relação é um jogo comercial no qual um deseja e o outro sacia.

Dia 13/12, às 20h:
Olivier e Lili – Uma História de Amor em 900 Frases – Teatro de Fronteira (PE)
Sinopse: Concebido a partir de Les drôles: un mille-phrase, texto em que a dramaturga e atriz Elizabeth Mazev revive passagens de sua infância, adolescência e juventude ao lado do encenador e ator Olivier Py, o espetáculo cruza essa história de amor e amizade com fragmentos da biografia dos atores Fátima Pontes e Leidson Ferraz. Como se lesse as páginas de um diário, como se abrisse um álbum de fotos, como se revirasse um baú empoeirado, o público é convidado a compartilhar as memórias íntimas de Lili/Fátima e Olivier/Leidson: escola, família, sabores, músicas, perdas, paixões, sexo, identidades. Numa narrativa telegráfica e vertiginosa, a montagem (con)funde as camadas do ficcional e do real, do público e do privado, para celebrar os encontros de arte e vida propiciados pelo teatro.

Divinas, da Duas Companhias. Foto: Ivana Moura

Dia 14/12, às 20h:
Divinas – Duas Companhias (PE)
Sinopse: O espetáculo apresenta em clima de brincadeira e poesia três figuras contadoras de histórias, na pele das palhaças Uruba, Bandeira e Zanoia, atravessando tempos e geografias diversas numa caminhada sobre a delicadeza e a força na busca dos sonhos. O trabalho em conjunto transforma o grupo num grande amálgama de criatividade, dando continuidade ao movimento em busca de um corpo de mulher no universo do clown, criando uma linguagem própria da palhaça.

Dia 15/12, às 20h:
Hay Amor – Os Geraldos (SP)
Ao evocar que haja amor, a comédia musical pretende tratar a necessidade humana de não estar só. Através de uma criação dramatúrgica coletiva, o espetáculo busca retratar as relações amorosa do homem contemporâneo que, por conviver com a instantaneidade do mundo virtual, vê-se imerso em um universo de laços “a curto prazo” e relacionamentos a distância. Hay amor! se passa em um banco de praça de uma cidade do interior, onde jovens descobrem sua sexualidade e as relações amorosas.

C.A.S.A – Centro de Articulação de Saberes Artísticos

Dia 13/12, às 22h:
Faca de dois gumes – Grupo Cênico Calabouço – (PE)
Sinopse: Este trabalho foca sua busca nas relações entre sexualidades e cena contemporânea. O ator Nelson Lafayette apresenta seu solo dialogando com as tensões presentes em diversos materiais criativos – de sua vida até trechos de filmes e novelas.

Dia 14/12, às 22h:
Drama em Pessoa – Teatro Dubando (PE)
Drama em Pessoa é o novo projeto do Teatro Dubando. Consiste na leitura dramática do texto teatral O marinheiro, de Fernando Pessoa, e da encenação do texto Salomé do mesmo autor. Dividem a direção da leitura Edjalma Freitas e Alexsandro Souto Maior. A encenação de Salomé é dirigida também por Alexsandro. Com este projeto, o grupo pretende partilhar com o público o teatro pouco conhecido de Fernando Pessoa. Um teatro marcado pela valorização da palavra. Um teatro para ser lido, não encenado, como o próprio Pessoa admitia. O Teatro Dubando acabou por enveredar no universo lírico e onírico, presente nos dois textos, a fim de contar dramas estáticos na perspectiva de um espetáculo intimista e envolvente.

Dia 15/12, às 22h:
Cartas Autorais – A Cântaros (PE)
Sinopse: Através do jogo e performance, diferentes leituras de cartas, postais, bilhetes e outras correspondências, permeadas por memórias musicais. O roteiro e a direção são de Ana Laura Nascimento e Sonia Guimarães, que também estão no palco.

Postado com as tags: , , , , ,

Levianas

Neste sábado, às 20h, e no domingo, às 19h, serão as últimas sessões de As Levianas em Cabaré Vaudeville, da Cia. Animé. Ainda não vimos o espetáculo, mas a sinopse diz que “quatro palhaças participam de audição para um espetáculo musical, mas nenhuma é aprovada no teste. Decididas a fazer sucesso a todo custo, resolvem montar uma banda com repertório formado por canções de grandes divas (Edith Piaf, Nina Simone e Billie Holiday). O sucesso, no entanto, só vem quando elas assumem o lado B de cada uma, cantando Tina Charles, Wanderléa, Diana, entre outras. O resultado é um espetáculo de música e teatro sob a ótica da palhaça, leve e divertido”.

O elenco é formado por Enne Marx, Nara Menezes, Tâmara Floriano e Juliana de Almeida. A assessoria artística do elenco e encenação do são assinadas por Enne Marx e Marcondes Lima (esse último também fez a direção de arte). A direção musical é de Rosemary Oliveira, que tem uma participação especial ao piano e Cláudio Malaquias faz a voz em off.

Palhaças cantoras fazem últimas apresentações. Foto: Luciana Dantas

Serviço:
As Levianas em Cabaré Vaudeville
Quando: Sábado, às 20h, e domingo, às 19h
Onde:Teatro Capiba – Sesc Casa Amarela (Avenida Professor José Anjos, 1109)
Quanto: R$ 10,00 e R$ 5,00
Informações: (81) 3267.4400

Postado com as tags: , , , , , , , , , ,