A coragem e a ousadia de experimentar uma linguagem que quase não é vista nos palcos pernambucanos. Só isso já seria suficiente para atiçar a curiosidade do público, mas não para necessariamente capturá-lo. O Grupo Capibaribe Negro sabe disso e vai além. Consegue conquistar com a graciosidade de um espetáculo pouco pretensioso, mas que se mostra bem construído em seus propósitos.
Atores jovens, a maioria deles saídos da universidade ou da escola de teatro, decidiram enveredar pelo teatro negro e pelas formas animadas. A ausência de luz, ou melhor, a medida perfeita no seu uso, aliada à manipulação coordenada de objetos, são os pré-requisitos para que Ser, o não-ser se erga.
Como bem disseram os atores ao final da montagem, nem é preciso entender exatamente a história que eles contam para se divertir e surpreender. A sinopse explica “Ser, o não-ser conta com sutileza a eterna busca do homem racional e sua inquietude perante sua existência no mundo. O homem que agora perdeu sua fé e renasceu completamente fragmentado, parte numa odisséia penumbrosa em busca da paz de se sentir completo outra vez”. Se eles estão dizendo que é isso, tudo bem. Na realidade, nem importa tanto assim…
A narrativa começa com um homem que perde a cabeça e depois o corpo todo. Sobram só as mãos, que vão atrás de outro corpo, feito com um lençol. Mas ainda faltam os olhos, o rosto, a boca, que pode ser um livro, o nariz roubado de um boneco de neve resfriado. A música ajuda a dar ritmo e compor o ambiente da montagem. Quem faz a sonoplastia é Júlia ShaKurr. A direção é de Pedro Cardoso e o elenco é formado por Juliana Nardin, Ailton Brito, Kedma Macedo e Kelina Macedo.
Talvez fosse interessante, como um próximo passo, conseguir se apropriar da dramaturgia de maneira mais efetiva. Comunicar não só através das cores reluzantes e movimentos dos bonecos. Contar um enredo mais claro ao público. Vimos algumas dessas experiências por aqui – com o teatro de objetos (não o teatro negro) no Festival Internacional de Teatro de Objetos (Fito), realizado no Marco Zero. Fiquei lembrando, por exemplo, dos espetáculos do espanhol Jaime Santos, da La Chana Teatro: Entre dilúvios e O pequeno vulgar, que têm um enredo totalmente assimilado pelo público, e nem por isso, os espetáculos deixam de ser inventivos.
Só este ano, o Capibaribe Negro já fez três temporadas no Teatro Joaquim Cardozo, no Centro Cultural Benfica, que foi onde este elenco deslanchou e tomou intimidade de verdade com o espetáculo. Quantas pessoas teriam prestigiado o grupo nesse longo período em cartaz? E aí as considerações vão muito mais no sentido da divulgação propriamente dita do que na construção da montagem. É preciso articular meios – seja por fotografias adequadas, pelo contato mais efetivo com a imprensa, pela atuação nas redes sociais – para que a montagem realmente seja bem-sucedida. Não basta só ter um bom espetáculo. Claro que a propaganda “boca a boca” é importante, mas pode ser incrementada se as pessoas tiverem uma noção e forem despertadas para o que podem desfrutar no espetáculo. Só digo uma coisa… já estou curiosa para a próxima montagem.