Arquivo da tag: Samba de Véio da Ilha do Massangano

Ilha do Massangano, um reduto de encanto
Dossiê Aldeia do Velho Chico
#10

Artistas e público na Ilha do Massangano. Foto Fernando Pereira / Divulgação

 

Pankararus Foto André Amorim / Divulgação

“Alguém me avisou para pisar nesse chão devagarinho”, indica a canção. Para pisar em território sagrado é preciso pedir Agô, me disseram. Agô significa uma solicitação de licença em Yorubá. Assim se deve fazer para facilitar a chegada, harmonizar.

Não sei se qualquer um esqueceu de pleitear passagem no translado de barco entre Petrolina e a Ilha de Massangano, mas no trajeto a Barca Nilo Brasileiro deu um susto nos passageiros ao esbarrar nas grandes pedras imersas no Rio São Francisco. Ou foi uma brincadeira de algum encantado. Bem, um pouco de emoção não faz mal a ninguém.

E seguimos naquele domingo de agosto para saborear um dia bem especial. É a festa da Aldeia do Velho Chico na Ilha do Massangano, com direito à sensação de suspensão de tempo (desacelera coração para curtir as coisas simples, as mais ricas do mundo, que o dinheiro não pode comprar).

Trilhas Ancestrais, com Camila Yasmine, de Petrolina e Gean Ramos, de Jatobá. Foto Andre Amorim

Nessa travessia, além de apreciar a Mostra Flutuante de Artes Visuais – Rio a Dentro: Confluências do imaginário Ribeirinho com peças de artesãos do Vale do São Francisco, também assistimos à apresentação musical Trilhas Ancestrais, com Camila Yasmine, de Petrolina e Gean Ramos, de Jatobá, com seus lindos cantos de protesto.   

Yasmine investe nos encantos do Rio São Francisco e do Samba de Véio nas suas músicas. E trabalha com as musicalidades e interpretações da identidade cultural do povo negro no resgate da ancestralidade, com ginga e alegria.

Punâ Pankararu, nome indígena do músico e produtor cultural Gean Ramos, aprendeu a gostar de música com os pais Seu Eronildes e Dona Tida e cresceu ouvindo sonoridades dos animais da aldeia, das manifestações da natureza e as expressões de festa nas celebrações do seu povo. Sua música tem um pouco disso tudo com o posicionamento político de quem reivindica os direitos dos povos originários em versos, rima e som.  

Apresentação dos Pankararus na Ilha do Massangano. Foto André Amorim / Divulgação

A Ilha do Massangano é uma porção de terra de cerca de cinco quilômetros quadrados cravado no meio do Rio São Francisco. Pense nas ilhas que você imaginou na infância, ou leu em livros, ou viu em filmes. O que posso dizer é que é uma experiência inigualável.

Essa ilha tem dona. Ou donas / donos. Encantados e encarnados. Todos têm os seus caprichos. Portanto, cuidado e respeito. “Terra alheia, pisa no chão devagar”, diz o canto. Pedi licença, como já disse, aos ancestrais que atravessaram essa história.

O Rio manda no pedaço. No modo de ser, de andar, de pensar. 

O gestual de quem trabalha na monocultura da cana-de-açúcar é forjado também na lida. Observem os passos e os jogos de corpo do maracatu. Quem é do mar tem outra regência. Os ventos, a terra, as águas, o Sol, o sal, a Lua influenciam no jeito de ser das gentes e seus territórios.

Não seria diferente com as pessoas, com os artistas da região do Vale do São Francisco, em sua prosódia, jeito de andar e de dançar. O Rio é o vetor de um modo de ser, viver e se relacionar com o mundo. Talvez mais doce, como suas águas, quem sabe algo menos reto e mais ondulado se instala no corpo.

“A ilha do Massangano é o local dos antepassados, do trabalho, dos festejos, da sociabilidade, da família, da própria identidade… o sentimento de pertencimento à ilha. Essa identidade está muito ligada aos seus cultos (religiosidade), à forma como se relacionam entre si, à estrutura familiar e ao samba de véio”, escreve a professora Antonise Coelho de Aquino na sua dissertação de mestrado Ilha do Massangano : dimensões do modo de vida de um povo; a (re) construção do modo de vida e as representações sociais da Ilha do Massangano no Vale do São Francisco, transformada no livro Ilha do Massangano: uma terceira margem no Velho Chico.

Samba da Beira. Foto Tássio Tavares / Divulgação

“Puxar um samba, que tal? Para espantar o tempo feio?”, propõe Chico Buarque e o Samba da Beira, grupo musical de Petrolina já faz isso há cinco anos. Propôs um trago na Ilha do Massangano.

O Samba da Beira animou o povo com músicas maneiras e/ou bem dançantes, celebrou a vida, o Rio e todas as conexões incríveis de um dia de festa. Com alegria vislumbrou um novo tempo, que está chegando com muito trabalho para uma vida não fascista. sem medo de ser feliz! Brindes.

Palestra sobre Economia Criativa e a Transformação dos Territórios. Na foto Rita Marize, Josiana Ferreira, Galiana Brasil e Oswaldo Ramos. Foto: André Amorim / Divulgação

Uma pausa para trocar uma ideia foi a proposta da Palestra sobre Economia Criativa e a Transformação dos Territórios, com Galiana Brasil (Itaú Cultural), Oswaldo Ramos (Sesc Pernambuco), Josiana Ferreira (SEBRAE – Petrolina/PE) e Mediação de Rita Marize (Sesc Pernambuco). 

Cada qual falou de suas práticas e propostas para o território de Petrolina. Mas muitas vezes as entidades chegam com um discurso que parecem ensinamentos mais que diálogos, nossa herança colonial. Numa das falas, Ramos deixou a entender que estaria inaugurando algo naquele pedaço.

Uma empreendedora, empresária da cidade, ou melhor uma guerreira ancestral pediu a palavra para fazer um posicionamento das lutas travadas de dentro do capitalismo e contra os abusos do sistema para realizar coisas muito bonitas naquele território. Uma fala firme, direta, comungada com o chão. Sol, apaixonante.

O tom inauguratório foi baixado e a conversa seguiu com as propostas e ações que serão tocadas pelo HUB Criativo, que esperamos que na próxima edição da Aldeia do Velho Chico tenha muitas realizações para apresentar.

Pankararus. Foto André Amorim / Divulgação

O Samba da Peba Véia , com Mel Nogueira- Foto Tássio Tavares /Divulgação

Luanda Ruanda – Foto André Amorim_24

O Encontro dos povos originários com Pankararus, de Jatobá e Tuxás de Inajá foi marcado pelo sentimento de luta e resistência. Teve discursos para expor o descaso e mesmo perseguição aos indígenas por parte desse desgoverno federal. E celebração da luta, com suas danças e cantos de guerra, louvor e festa.

Mel Nogueira fez suas homenagens à ancestralidade com a performance O Samba a Peba Véia. Um vestido é materialização de uma saudade, de uma vida que se agita noutro corpo, na dança e no aprendizado de outra arte. É emoção para a artista que continua na brincadeira. 

O mundo foi reinventado / redescoberto pelo prisma da cultura africana no espetáculo Luanda Ruanda – Histórias Africanas, do Coletivo Tear, de Garanhuns. Com trilha original executada pelos músicos garanhuenses Alexandre Revoredo e Nino Alves.

A peça funcionou como mais um bálsamo na ilha, quando as narrativas orais de raízes africanas e afro-brasileira, os elementos cênicos e as paisagens sonoras da peça se misturam com o ambiente deslumbrando do Massangano, remetendo para outros tempos e outros territórios, valorizando a identidade negra. Um embalo cênico em estado de levitação. 

Dançando aos Pés do Baobá. Foto Tássio Tavares / Divulgação

Cartas ao Vento com Déa Trancoso. Foto Tássio Tavares / Divulgação

O Baobá é uma árvore símbolo da resistência na cultura africana. Muitas lendas e mitos existem sobre o baobá. Uma delas é que os africanos foram obrigados a deixarem suas memórias em volta do baobá na época da diáspora africana. Dançando aos Pés do Baobá – Na Fresca do Baobá se constitui numa louvação dos artistas  Daniela Amoroso, Denilson das Neves e Larissa Zani, de Salvador, na Bahia, a tudo o que o baobá significa de força e fertilidade.

Ao entardecer, à beira do São Francisco, a cantora, compositora e pesquisadora Déa Trancoso deu o seu recado no show Cartas ao vento. No concerto solo, tocou cuatro venezuelano (instrumento da família do violão), que ela ganhou da chilena Tita Parra. Sua proposta é ambiciosa de criar e compartilhar canções que atuem entre mundos existentes. Déa navega pela arte promovendo a fruição e a cura, a experiência suprema do corpo a partir da música.

Grupo Africania mostrou seu som a partir do disco O Curador do Museu do Imaginário. Foto: Divulgação

O grupo Africania levou o som do seu álbum O Curador do Museu do Imaginário para ilha no final da festa. É mais que samba de batuque do Sertão da Bahia; cabe uma mistura com samba chula e toada em diálogo antropofágico com as influências da música mundial do jazz, rock e música psicodélica. É uma musicalidade contagiante repleta de axé e ancestralidade, amor e futuro,  talento e transpiração.  

Foi intenso. Como não poderia faltar, teve Samba de Véio, símbolo da ilha do Massangano. “Existem hipóteses entre os moradores mais antigos de que o samba nasceu com os negros escravos refugiados nos quilombos …  ou com os índios cariris que habitavam o alto sertão pernambucano, muito antes dos portugueses que aqui”, está anotado na dissertação de Antonise Coelho de Aquino.

Dançar essa dança é um ato político. E não vá pensando que é fácil, né não. Tem toda uma técnica, que está atravessada por experiências singulares de festejos e performances da oralidade. Além dos exercícios convivência, da comunhão, das trocas comunitárias. Uma poética derramada em paisagens, sonoridades, jeito de corpo, festas e danças comandadas pelas praticas populares da ilha.

Meu olhar de estrangeira. Cúmplice e crítico. Que não sabe das idiossincrasias locais, dos seus afetos monumentais, mas consegue perceber o movimento dos barcos e das pessoas saiu repleto de atravessamentos. O acolhimento, os seguidores, os resistentes. Essa experiência ficará para sempre guardado num lugar da memória. Suas imensas riquezas e suas ínfimas falhas.

Samba de Veio da Ilha do Massangano. Foto Fernando Pereira / Divulgação

Uma festa na Ilha do Massangano com o Samba de Veio. Foto Fernando Pereira / Divulgação

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Fluxos do Rio São Francisco
Dossiê Aldeia do Velho Chico 2022
#1

Junina Renascer do Sertão. Foto André Amorim / Divulgação

Marujada. Foto André Amorim / Divulgação

 Jailson Lima,  Thom Galiano, Galiana Brasil, André Vitor Brandão e Rita Marize na abertura da Aldeia do Velho Chico. Foto André Amorim / Divulgação

Reisado da Mata de São José. Foto André Amorim / Divulgação

Samba de Véio da Ilha do Massangano. Foto André Amorim / Divulgação

A Aldeia do Velho Chico instala /propõe / produz experiências para ficar viva na memória. Pelo espírito de celebração, por tudo que transborda do Rio São Francisco transformada em arte expandida, pela beleza captada de relance nas coisas simples, pelos momentos revigorantes, inspiradores e a convivência com os humanos com tudo que cabe nessa palavra nas múltiplas camadas. É aprendizado concentrado / na veia.

Realizado pelo Sesc de Petrolina, esse Festival de Artes do Vale do São Francisco, a Aldeia do Velho Chico alcançou a maioridade neste 2022. Em sua 18ª edição, essa jovem chegou sedenta de encontros, de confluência qualificada. A prática curatorial acionou a ideia de “retomada”. Depois da gravidade da pandemia e dos estragos do pandemônio, a vida em potência urge como ação, atuação, ato político e poético.

Assim se fez. Assim se vai fazendo.

Ser o que se é amplia o ato político e poético. A organização do festival articula o sentido de retomada de territórios e das identidades, que são coisas muito complexas, mas que podem estar refletidas até em gestos cotidianos. Projetado na programação.

A inclusão de artistas da cidade na equipe de produção, com a contratação de bailarinos e atores da cena petrolinense e de seus arredores, assegura uma renda para o pessoal. É prática constante dos gestores da unidade Sesc Petrolina, como braço de apoio aos artistas. Os exercícios utópicos estão antenados com as pautas afirmativas e levam para a roda questões dos pretos, das mulheres, das trans, contra a violência prioritária contra esses grupos.

A ação cultural ocorreu de 19 a 28 de agosto, em Petrolina, um município do estado de Pernambuco, distante da capital, Recife, cerca de 750 km, o que equivale a cerca de 12 horas de carro. A viagem de avião São Paulo-Petrolina dura 2h40, duração de voo menor do que para o Recife.

A cidade

Petrolina abriga uma população estimada em 350 mil habitantes. A cidade faz divisa com o município de Juazeiro (BA) e ambas são banhadas pelo Rio São Francisco. “Eu gosto de Juazeiro e adoro Petrolina”, diz o refrão da música Petrolina-Juazeiro, de autoria de Jorge de Altinho, composta há mais de 40 anos e que até hoje embala os corações dos seus habitantes.

Essa foi a primeira vez que visitei Petrolina, apesar de já ter pisado em várias outras cidades do Sertão Pernambucano.

Sempre me disseram que Petrolina é uma cidade rica. São bem faladas suas vinícolas irrigadas pelas águas do São Francisco e indústrias de produção de vinho. Em um dos  dias do festival fui em comitiva percorrer uma vinícola, uma portuguesa. Quando um técnico da empesa disse que seus patrões portugueses estavam no Brasil há 18 anos, alguém de rápido raciocínio perguntou: “Só?!!!” Ai ai ai ai ai ai humor pernambucano. Certeiro, cortante.

O clima semiárido quente petrolinense cedeu espaço para os ventos e temperaturas mais frias nesses dias de agosto do festival, coisa que até os nativos estranharam.  O mundo está estranho e os efeitos do Antropoceno chegam aos quatro cantos do planeta.

A cidade orgulha-se das esculturas de Ana das Carrancas (1923 – 2008) e de outros rebentos artesãos. São comentadas suas frutas de exportação. São conhecidos os políticos antiquados (provincianos), de perfil oligárquico, com a família Coelho dando as cartas há mais de sete décadas.  

Na contracorrente da práxis do privilégio para poucos, resvala uma atmosfera libertária que contagia as corpas de artistas, gestores, fazedores e cidadãos da cultura ribeirinhes.  

Muitos flashes no decorrer dessas jornadas reforçam esse entendimento de que a Aldeia trabalha esse território em sintonia com as lutas e os avanços das chamadas pautas afirmativas, ou seja a busca por respeito, dignidade e protagonismo das pessoas que sempre estiveram alijadas desse processo: população negra, trans, LGBTQIA+, pobres e outros.

Exemplos felizes desses reconhecimentos foram vistos no desfile de abertura do festival, entre muitas cenas, a de um jovem de 16 anos que fazia malabarismos como a baliza desafiando os costumes obsoletos. Ou as funções de lideranças ocupadas por pessoas que geram representatividade, transformando o lugar que poderia ser de medo num espaço de vida.

Isso não é pouco. As ações para valorizar as manifestações tradicionais. Ou a valorização dos artistas da região, que permite criar uma sustentação de carreiras artísticas. Movimenta as bases do contexto social.

Rapaz da baliza, no desfile da Banda M Poeta C Drummond – Foto Andre Amorim / Divulgação

Ciel no Gogo. Foto Fernando Pereira / Divulgação

Ciel Foto Fernando Pereira / Divulgação

Fazendo um arco desse espírito de liberdade do início com o fechamento da programação destaco a atuação compositor, ator, bailarino e cantor de timbre raro Ciel dos Santos. Contratenor, ele solta a voz na tessitura feminina e seu canto vai do contralto ao mezzo soprano, o que alguns chamam de uma voz andrógina.

Ciel mistura um som nordestino com ritmos latinos, coco, afoxé, música de matriz africana, umas pitadas de jazz, outras sonoridades e com uma saia minúscula, músculos à mostra, batom e purpurina “joga fora no lixo” qualquer espécie de caretice. E performa uma liberdade que atravessa suas vivências rurais e contagia em grau avançado xs espectadores que se afinam com suas experiências. Ele tem atitude, representatividade.  

São contraditórios os cenários das cidades brasileiras. A partir dos paradoxos, percebo que a Aldeia do Velho Chico funciona como microcosmo experimental onde a cultura é regada como prioridade tanto na perspectiva do desenvolvimento econômico quanto da valorização humana.

Aldeia do Velho Chico

Produzida pelo Sesc de Petrolina, a Aldeia do Velho Chico foi concebida em 2005 pela então professora de artes visuais do Sesc Edneide Torres, pelo atual diretor do Sesc Petrolina Jailson Lima, pela gestora Galiana Brasil (agora no Itaú Cultural, mas à época no Sesc PE) e pelo artista Thom Galiano. Inspirado no fluxo do rio e suas reverberações, navegam no festival múltiplas linguagens. Seus criadores mantêm forte ligação com o festival e algum grau de ingerência na programação.

Com perspectiva multicultural, a Aldeia é um desdobramento do Palco Giratório, um projeto de circulação das artes cênicas, que foi reduzido nos últimos anos, mas tem muita importância para a área.

Na rota do festival está valorização da cultura de Petrolina, principalmente. E a ativação do senso de pertencimento na ocupação de territórios. Na execução isso se reflete num programa que considere os trabalhadores da cultura da região e revigore os intercâmbios entre criadores que atuam nos interiores do Nordeste. Sentir-se inserido e aceito faz parte do processo.

Cortejo Abre Alas Pro Velho Chico. Foto Fernando Pereira / Divulgação

Maracatu Beira Rio. Foto Fernando Pereira / Divulgação

Banda Marcial Osa Santana. Foto Fernando Pereira Divulgação

Junina Renascer do Sertão. Foto Fernando Pereira / Divulgação

Marujada. Foto André Amorim / Divulgação

Galiana Brasil, Jailson Lima, Ana Dias, Oswaldo e Rudimar no Cortejo Abre Alas Pro Velho Chico. Foto Fernando Pereira / Divulgação

Desfile e Apresentações Palco Porta do Rio

Desde o primeiro dia da Aldeia do Velho Chico, um fim de tarde da sexta-feira 19 de agosto de 2022, a pisada seguia coesa à reconquista de identidades negro-indígenas. Sejam nas coreografias das quadrilhas juninas Buscapé, de Juazeiro e Renascer do Sertão, de Petrolina, que fizeram o esquente em frente ao Sesc Petrolina.

Ou nas apresentações no palco Porta do Rio do Reisado da Mata de São José (Orocó/PE), Reisado do Lambedor (Lagoa Grande/PE), Os Kongos (Sento Sé/BA), Marujada (Curaçá/BA) e Samba de Véio da Ilha do Massangano (Petrolina/PE).

Em cada passo, em cada gesto, nos cantos, palmas, partituras coreográficas, jogos de corpo eram reveladas constelação de lutas, orações e celebrações; a ancestralidade atravessada e manifesta, suas memórias de resistência, suas rotas de vivências negras e indígenas no Sertão do São Francisco.

Reisado do Lambedor na apresentação de abertura, no Palco Porta do Rio. Foto Fernando Pereira / Divulgação

O Reisado do Lambedor, da Comunidade Quilombola do Lambedor, localizada na zona rural de Lagoa Grande, por exemplo, tem quase 300 anos de tradição. Seus integrantes contam que Isaac Borges, um negro escravizado que fugiu das terras em que era explorado, no interior baiano, foi um dos fundadores da comunidade. O filho de Isaac, o líder quilombola José Borges formou a brincadeira do Reisado do Lambedor. Tornou-se uma das manifestações culturais mais tradicionais do Vale do São Francisco.  

No dia seguinte conhecemos um pouco mais da Comunidade Quilombola do Lambedor. Lá na comunidade, entre mugidos de bezerros, bodejar de bodes, os integrantes do Lambedor expõem suas lutas e desafios. Da sobrevivência do grupo à valorização do brinquedo para as novas gerações. Generosamente compartilham seus cânticos e danças, e oferecem uma mesa farta de alimentos que produzem no local.

Da abertura ao fechamento, muitas águas correram por baixo da ponte. O início estava carregado de uma ansiedade indisfarçável, a volta do evento à presencialidade. O Cortejo Abre-Alas para o Velho Chico com Bonecos Gigantes Zé Pereira e Vitalina, de Belém de São Francisco, e os petrolinenses Frevuca, Maracatu Beira Rio e Banda Marcial Osa Santana tomaram as ruas.

Esse ocupar as ruas tem também um sentido de resguardar corpas em festas pela vida, pela alegria e pela esperança.

Antes de chegar à beira do rio para as saudações, inalamos o cheiro do acarajé, atravessamos as bandeiras tremulando dos candidatos políticos locais a cargos elegíveis e flagrei olhares desatentos de uns, curiosos de outros e desejosos daqueles ainda “presos” às rotinas de trabalho.

O gerente do Sesc Petrolina, Jailson Lima enfatiza que o cortejo anuncia, vibrando, ao comércio que o Sesc produz cultura. “Chegue junto. Estamos há 18 anos celebrando a produção da cidade, independente do gosto”, assinala. “A tradição tem uma influência muito grande na produção cênica”, diz ele para mencionar ou assinalar que “aposta na produção daqui que não é visibilizada. Buscamos trazer o Rio em diálogo com a cidade. Olhar o contexto”, indica.

 

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