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Todo dia morre um Sam

Os médicos (Otto Jr.) e Arthur, (Ricardo Martins) e ao fundo o enfermeiro Samuel (Jopa Moraes).  Fotos: João Gabriel Monteiro/ Divulgação

Os médicos (Otto Jr.) e Arthur, (Ricardo Martins) e ao fundo o enfermeiro Samuel (Jopa Moraes). Fotos: João Gabriel Monteiro/ Divulgação

Um trecho da música de Zé Ramalho ficou martelando minha cabeça durante a apresentação do espetáculo O dia em que Sam morreu. “Oh, eu não sei se eram os antigos que diziam / Em seus papiros Papillon já me dizia / Que nas torturas toda carne se trai”, canta o menestrel em Vila do Sossego. Na peça da Armazém Companhia de Teatro é a partir da juíza Samantha (papel de Patrícia Selonk), à espera de um transplante de coração, que “fatalmente … o nervo se contrai”.

O espetáculo disseca em vários aspectos a ética nas relações profissionais e sociais, o fio da navalha e os limites flexíveis quando a ideia é cortar a própria pele. A montagem faz a última sessão desta curta temporada no Recife, hoje, às 19h, no Teatro Luiz Mendonça, no Parque Dona Lindu. É uma encenação instigante.

Mas vamos situar melhor essa trama. O dia em que Sam morreu se passa, na maior parte do tempo, num hospital em que os pacientes endinheirados estão alojados nos quartos e os doentes mais pobres ocupam os corredores. Além do hospital, a cenografia de Paulo de Moraes e Carla Berri também se transforma em quarto do casal, motel e outros espaços tem bom apelo visual.

Nesse microcosmo são reveladas as falcatruas, o jogo sujo para alcançar o poder, as traições, as drogas conferindo potências.

O personagem do título pode ser qualquer uma das três figuras da peça de apelido Sam. O enfermeiro Samuel (Jopa Moraes) que depois de testemunhar os métodos questionáveis e até criminosos do cirurgião Benjamin (Otto Jr.) invade o hospital armado de um discurso inflado e anarquista, duas pistola e vontade de fazer justiça com as próprias mãos.

A juíza Samantha se recusa em princípio a receber privilégio proposto pelo marido, médico do hospital, de furar a fila do transplante do coração. O terceiro é um velho palhaço, sem graça, Samir (Marcos Martins), que sofre de Alzheimer.

Os autores Paulo de Moraes e Maurício Arruda Mendonça inventam cenas que se entrecruzam e personagens que se relacionam em rede para expor a complexidade dessas questões éticas. É muito interessante que a Armazém venha desenvolvendo há anos uma dramaturgia própria, em que pulsam preocupações contemporâneas.

Dessa vez estão lá um sistema corruptor e as injustiças, um Brasil sintonizado com um mundo de protestos, recoberto por uma carga de pessimismo dos destinos. São questionamentos importantes, urgentes, para cada um da plateia refletir sobre o papel que quer desempenhar.

O dia em que Sam morreu coloca o capitalismo cínico em confronto com o idealismo juvenil

O dia em que Sam morreu coloca o capitalismo cínico em confronto com o idealismo juvenil


A peça tem uma estrutura complexa. Mas os núcleos duros dos dramas são mais envolventes do que as explicações por onde a dramaturgia e a encenação escorrem. Parecem bordas excedentes. E o tempo é esticado em exposições desnecessárias. Perde o impacto.

Lembro da cena com a prostituta Sofia (Lisa Eiras), que busca um tratamento digno para o pai, e seu amante, o médico Arthur, (Ricardo Martins; marido da juíza), quando ele salta com um papo sobre o que é o amor e o que eles significam. E ela devolve dizendo que ele deixe essa conversa de amor para a mulher e que eles transem.

O elenco defende bem seus papeis. Otto Jr explora o cinismo e mau-caratismo do médico. Ricardo Martins é aquele ser dúbio entre a subserviência e o oportunismo. Marcos Martins faz o papel mais difícil, do palhaço sem humor. Patrícia Selonk expõe as dúvidas da justiça. Lisa Eiras compõe a filha e a amante. Jopa Moraes encanta com seu idealismo juvenil, sua postura rebelde, mesmo que parte do seu discurso soe bastante deslocado.

A música de Ricco Viana dá o tom, ressalta os conflitos. Os manequins sublinham a poética dos cadáveres, fruto de um sistema em que a crueldade predomina. A iluminação de Maneco Quinderé marca as mudanças, alinha e desalinha as tensões.

Serviço
Espetáculo O dia em que Sam morreu, com Armazém Cia de Teatro (RJ)
Onde: Teatro Luiz Mendonça/Parque Dona Lindu
Quando: Sexta(22/05) e sábado(23/05) às 20h; Domingo(24/05) às 19h
Ingressos: R$ 40 inteira e R$ 20 meia-entrada
Ponto de venda: quiosque ingresso Prime no Shopping RioMar(térreo)
Informações: 3039.4042/3355.9821

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Cia Armazém leva ética para centro do palco

O dia em Sam morreu faz três sessões no Recife. Foto: João Gabriel Monteiro

O dia em Sam morreu faz três sessões no Recife. Foto: João Gabriel Monteiro

O que se espera do teatro hoje é que ele ressignifique o contemporâneo. As questões urgentes e atuais que martelam nossa cabeça, nosso coração e bate à nossa porta. Mas que também chegam como gigantes monstros a provocar, amedrontar ou intimidar o coletivo. A trajetória de mais de 20 anos da Armazém Cia de Teatro, do Rio de Janeiro, é pontuada por enfrentar corajosamente esses desafios. Em O dia em que Sam morreu, dirigido por Paulo de Moraes, a reflexão ética vai para primeiro plano. Com uma narrativa não linear, o texto de Paulo de Moraes e Maurício Arruda Mendonça ausculta as mazelas humanas, a partir de colocações dos papeis desempenhados na sociedade, que também reflete o quadro socioeconômico do país.

O espetáculo enquadra os poderes (podres poderes???) e a ação se passa quase que o tempo todo em um hospital. Em volta do paciente na mesa de cirurgia ou na relação entre eles, essa equipe médica se digladia pelo poder, declarada ou secretamente.

Um cargo de chefia no hospital é que aspira o cirurgião Benjamin (Otto Jr.). Outro médico, o Dr. Arthur (Ricardo Martins) quer burlar a fila de transplante de coração para favorecer sua esposa, a juíza Samantha (Patrícia Selonk). A juíza, lógico, tem pressa e sua preocupação é ter coração novo para continuar vivendo. Sophia (Lisa Eiras) busca cuidados médicos para o seu pai, Samir (Marcos Martins), que sofre de Alzheimer. Samir sonha com a vida no circo, como quis no passado. Samuel (Jopa Moraes), o Sam do título, planeja mudar o mundo.

O dia em que Sam morreu faz curta temporada no Recife, no Teatro Luiz Mendonça (Parque Dona Lindu), de sexta(22/05) a domingo(24/05). (Confira serviço abaixo)

Espetáculo tem direção de Paulo de Morais

Espetáculo tem direção de Paulo de Morais

Todos buscam resolver seus problemas e defender seus interesses pessoais. E eles fazem coisas para conseguir o que querem. Desde ser conivente com erros médicos, passando por favores sexuais à invasão de um hospital com uma arma em estado alucinado para livrar o mundo da corrupção e da desonestidade. Há muitas partes podres numa República jovem.

A peça tem cenário de Carla Berri e Paulo de Moraes e a trilha sonora é interpretada ao vivo por Ricco Viana. A iluminação é de Maneco Quinderé. Samantha, Samir e Samuel e também pode ser os três. Esta é uma encenação que convoca o espectador a refletir.

Serviço
Espetáculo O dia em que Sam morreu, com Armazém Cia de Teatro (RJ)
Onde: Teatro Luiz Mendonça/Parque Dona Lindu
Quando: Sexta(22/05) e sábado(23/05) às 20h; Domingo(24/05) às 19h
Ingressos: R$ 40 inteira e R$ 20 meia-entrada
Ponto de venda: quiosque ingresso Prime no Shopping RioMar(térreo)
Informações: 3039.4042/3355.9821

Ficha Técnica
Direção: Paulo de Moraes
Dramaturgia: Maurício Arruda Mendonça e Paulo de Moraes
Elenco: Jopa Moraes, Lisa Eiras, Marcos Martins, Otto Jr., Patrícia Selonk e Ricardo Martins
Iluminação: Maneco Quinderé
Cenografia: Paulo de Moraes e Carla Berri
Figurinos: Rita Murtinho
Direção Musical: Ricco Viana
Cartaz: Jopa Moraes
Material Gráfico: Jopa Moraes e João Gabriel Monteiro
Produção de vídeos: José Luiz Jr., João Gabriel Monteiro e Ricco Viana
Assistente de Direção: José Luiz Jr
Assistente de Iluminação: Felício Mafra
Assistente de Cenografia: Rodrigo
Assistente de Figurinos: Rafaela Rocha
Assistente de Produção: Iza Lanza
Técnico de Montagem: Regivaldo Moraes
Preparação Corporal: Fred Paredes e Rafael Barcellos
Preparação Vocal: Jane Celeste Guberfain
Produção Executiva: Flávia Menezes
Produção: Armazém Companhia de Teatro

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Discordâncias teatrais

Ricardo Martins como o fantasma de um ator que interpretou Hamlet. Fotos: Ivana Moura

Os momentos de tensão geralmente são muito mais frequentes numa relação do que aqueles em que a concordância reina. Não que isso seja ruim. Principalmente quando a convivência está prestes a completar 25 anos. Esse é o tempo de atividade do Armazém Companhia de Teatro, que está no Recife até hoje apresentando Antes da coisa toda começar, às 21h, no Teatro Luiz Mendonça, no Parque Dona Lindu (ingressos: R$ 30 e R$ 15). Por isso não é necessariamente ruim que Ivana Moura tenha saído do teatro entediada, dizendo que não tinha gostado do texto. Pollyanna Diniz, pelo contrário, já via a peça pela segunda vez, disposta a encarar uma terceira. As duas, de maneiras diferentes, se sentiram provocadas. E foram as opiniões divergentes, as defesas calorosas, que geraram essa “análise dupla” da peça de uma companhia que tem uma história pontuada por montagens que surpreendem o público.

A força de estar no limite
Por Pollyanna Diniz

Não queriam delicadeza. Antes da coisa toda começar é uma porrada. Expõe personagens atormentados, esperanças perdidas, futuros interrompidos. Pode parecer contraditório, mas não é, que a peça trate exatamente daqueles momentos em que nos sentimos capazes de tudo. São faces de uma mesma moeda, limites frágeis. A peça também não trata de memória, como a anterior (e essa sim, delicada) Inveja dos anjos, mas é, em certa medida, uma discussão sobre o fazer teatral. Até porque a criação e o palco certamente foram instantes em que os atores do Armazém se sentiram plenos – natural que isso transpareça no texto de Paulo de Moraes (também diretor) e Maurício Arruda Mendonça.

Criadores que desnudaram limites, seja com gritos ou no silêncio de uma relação que não se constrói. É o caso da cantora (Simone Mazzer) que tentou se matar e é visitada pela irmã. A conversa poderia ser diferente, as sombras se sobrepõem, mas não há entendimento. Ricardo Martins, Patrícia Selonk e Thales Coutinho alcançaram a medida na construção desses personagens. Se qualquer uma dessas peças não estivesse bem, as histórias poderiam soar over ou clichê. Clichê? Que seja! Quem nunca? Quem nunca amou desmedidamente? Quem nunca se sentiu perdido? Quem nunca achou que não poderia mais? Mas insistiu. Porque, como para o Armazém, o mais importante é que histórias sejam contadas, construídas.

Talvez seja importante falar da música. Da cenografia, que propõe um ponto de fuga. Que é como uma fotografia acinzentada das paredes de uma casa velha, que podem avançar no palco e ser utilizadas como plataformas. Das projeções. Adendos, quando o mais importante mesmo é ver que “pensar só em coisas sublimes”, como diz a personagem Zoé, seria muito chato.

Música do espetáculo é executada ao vivo pelos próprios atores. Direção musical é de Ricco Viana, que compõe a banda

Decalque de si mesmo
Por Ivana Moura

Da Armazém Companhia de Teatro, assisti a Alice através do espelho, Pessoas invisíveis, Da arte de subir em telhados, Tempestade, Toda nudez será castigada, Inveja dos anjos. Quarta-feira fui ver Antes da coisa toda começar, a 19ª montagem da companhia. E o que encontrei foi um decalque de outras peças do grupo. A dramatugia escorrega em clichês de personagens e situações. E desta vez, para mim, o diretor mostrou que não conseguiu falar do próprio universo de criação.

Referências shakespereanas abundam nas tentativas de criar algo original. Uma derrapagem. Os discursos, os fraseados, as entonações caem em algo enfadonho. A peça parece se arrastar em um turbilhão de palavras que se colam umas às outras mas que não despertam qualquer tipo de emoção.
Um fantasma habita um teatro abandonado. E evoca lembranças, materializa três figuras que deveriam estar no limite. Uma é Zoé, apaixonada pelo irmão. Outra é uma cantora que já tentou várias vezes o suicídio. E o terceiro é Téo, que reflete sobre o sentido da vida e da criação artística.

Os personagens principais da montagem

A trilha sonora roqueira tocada ao vivo não torna o espetáculo mais visceral. Não é nem que a encenação tenha se voltado para o próprio umbigo, criando dificuldade de diálogo com a plateia. Falta comunicação. É como se alguém estivesse nos contando episódios trágicos e não convencesse.

A estrutura de narrativa fragmentada parece que entrou numa forma. O debate psicológico é um jogo de déjà vu e a suposta densidade escorre pelos dedos. As memórias do fantasma recaem em algo previsível. A movimentação cênica interessante acrescenta pouco. As projeções de vídeo e paredes que se movimentam chegam como recursos que se encerram em si mesmos. O espetáculo fica longo porque a cada tentativa de apresentar alguma surpresa, o que há é mais do mesmo.

Companhia faz última sessão hoje à noite, no Teatro Luiz Mendonça

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É rock and roll na veia e no palco

Narrativa é costurada por fantasma de ator que interpretou Hamlet. Foto: Pollyanna Diniz

Quando estavam criando a peça Antes da coisa toda começar, os atores da Armazém Companhia de Teatro assistiram ao documentário O equilibrista. A história de um homem que, em 1974, queria atravessar as Torres Gêmeas se equilibrando num cabo de aço ajudou a despertar aqueles intérpretes. Era o limite tênue entre o mágico e o fatal. Quais os momentos em que nos sentimos capazes de tudo ou os opostos, quando perdemos o chão? São essas as sensações evocadas na montagem que será apresentada no Teatro Luiz Mendonça, no Parque Dona Lindu, de hoje até sexta-feira, sempre às 21h.

Antes da coisa toda começar é a peça mais recente desta companhia surgida em Londrina e radicada no Rio de Janeiro. Ano que vem, o grupo comemora 25 anos (com uma peça nova, que estreia em setembro). “A gente queria falar sobre o que chamamos de ‘primeiras sensações’, esses primeiros momentos na vida em que a gente se sente único, potente, indivíduo, capaz de tudo. Esse momento talvez esteja ligado à juventude, mas está ligado também totalmente à questão da criação. Percebemos que, para a maioria de nós do grupo, esse momento estava relacionado ao teatro, quando a gente acreditou que era importante, que tinha algo a dizer e que as pessoas iriam se interessar em ouvir a nossa voz”, explicou o diretor Paulo de Moraes.

É uma montagem de pegada muito mais rock and roll do que a penúltima, Inveja dos anjos, apresentada no Santa Isabel ano passado. “Inveja dos anjos tinha uma relação direta com a delicadeza, tanto na história quanto no trabalho dos atores. Quando fomos iniciar o novo trabalho, ficou claro que a gente queria ir para outro lado, a gente queria o rock’n’roll, queria uma estética mais cortante. Acho que isso tem a ver com essa tentativa de se reinventar a cada novo trabalho, de não se acomodar com o que já foi conquistado. Aos poucos fomos percebendo que a gente estava falando muito sobre nós mesmos, sobre nossos medos, desejos. Acho que a gente se expõe bastante, corta na própria carne”.

Patrícia Selonk como Zoé

Antes da coisa toda começar tem uma narrativa costurada pelo fantasma de um ator que interpretou Hamlet. E ele quem encontra os três personagens principais, de histórias independentes: Zoé, uma garota apaixonada pelo irmão; Léa, uma cantora doente; e Téo, um ator. Estão em cena Patrícia Selonk (em ótima interpretação como Zoé), Thales Coutinho, Simone Mazzer (Simone foi substituída em muitas apresentações por Rosana Stavis, mas está de volta ao elenco), Ricardo Martins, Marcelo Guerra, Verônica Rocha e Karla Tenório.

A dramaturgia foi construída, mais uma vez, em parceria por Paulo de Moraes e o poeta Maurício Arruda Mendonça. Esse é, aliás, o décimo texto produzido pela dupla. “É vital para o grupo esse tipo de construção. A gente parte de uma pesquisa temática, trabalha com ela durante alguns meses, até que começam a surgir alguns personagens e situações de cena. Quando isso acontece, eu e Maurício nos juntamos para começar a pensar num roteiro. Com o roteiro estabelecido, continuo trabalhando com os atores, tentando aprofundar as questões e os personagens contidos ali. Ao final, eu e Maurício nos trancamos alguns dias pra escrever a peça”, conta o diretor.

A trilha sonora é executada ao vivo pelos próprios atores, o que seria uma influência do grupo Galpão, de Minas Gerais. “A gente fez uma troca de experiências com o Galpão no início de 2010. Os atores dos dois grupos passavam exercícios que tinham a ver com a forma de cada grupo construir seus espetáculos.Os exercícios do Galpão eram muito ligados à música e isso reacendeu um desejo antigo dos atores do Armazém de cantar e tocar instrumentos em cena”. Os atores formam uma banda (Ricco Viana, pernambucano que assina a direção musical, também está em cena) que fica em plataformas construídas nas laterais do palco, a dois metros do chão. A cenografia é de Paulo de Moraes e Carla Berri; a iluminação de Maneco Quinderé e os figurinos de Rita Murtinho.

Passado e presente se misturam nessa que é mais uma tentativa do grupo de contar histórias, mesmo que, como diz um dos personagens, a vida não siga em linha reta e os fatos não se encaixem uns nos outros como peças de um quebra-cabeças. “A gente não sabe viver sem fazer teatro. A gente quer entender um pouco melhor a vida, o homem, o nosso tempo. E o jeito como a gente se sente mais útil nessa ideia de reconstrução constante da humanidade é no palco”, finaliza Moraes. No início do ano que vem, a peça Antes da coisa toda começar será apresentada em Natal, João Pessoa e Fortaleza; e o grupo ficará em cartaz no Rio com três montagens do seu repertório: Alice através do espelho, Toda nudez será castigada e Inveja dos anjos.

Antes da coisa toda começar, da Armazém Companhia de Teatro
Quando: de hoje a sexta-feira, às 21h
Onde: Teatro Luiz Mendonça, Parque Dona Lindu
Quanto: R$ 30 e R$ 15 (meia)
Informações: (81) 3355-9821

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As sensações da Armazém

Armazém apresenta Antes da coisa toda começar. Fotos: Pollyanna Diniz

As canções do Cazuza não fazem parte da trilha sonora de Antes da coisa toda começar, nova peça da Armazém Companhia de Teatro, grupo do Rio de Janeiro. Mas depois da apresentação da montagem no Festival de Curitiba, foi a música Vida louca vida (de Lobão/Bernardo Vilhena, mas mais conhecida na voz de Cazuza) que pareceu ecoar nas paredes daquele galpão onde foi montada a estrutura para o espetáculo, e bem depois – quando todos já tinham ido embora. Sim, porque essa montagem definitivamente não é algo do qual nos “libertamos” facilmente. “Vida louca vida / Vida breve / Já que eu não posso te levar / Quero que você me leve”.

Você já se pensou imortal como o Cazuza? Já achou que poderia tudo o que quisesse? Já passou pela dor? Pela inveja? Pela frustração de não ter o que você mais quer? A peça é sobre tudo isso. E embora o teatro seja mesmo uma arte de sensações, é difícil que um grupo consiga fazer com que a plateia chegue ao menos perto de sentir o que aquele outro, lá no palco, está vivenciando, seja com um bom texto, com o trabalho de interpretação, com uma música. E esse é o mérito dessa companhia que já tem 22 anos de trajetória. A última vez em que o grupo esteve no Recife foi para apresentar a peça A inveja dos anjos, no Teatro de Santa Isabel, ano passado.

Dramaturgia é de Paulo de Moraes e Maurício Arruda Mendonça

 

Thales Coutinho interpreta ator"mentado"

Neste novo projeto, que vinha sendo idealizado desde o início do ano passado e já fez temporada no Rio de Janeiro e em São Paulo, o grupo vem com um diferencial percebido logo no início da apresentação. A música do espetáculo, dirigida por Ricco Vianna, que também está em cena, parece ser parte muito mais visceral da montagem. Alguns dos atores (o elenco é composto por Patrícia Selonk, Thales Coutinho, Rosana Stavis, Ricardo Martins, Marcelo Guerra, Simone Vianna, Camila Nhary e Ricco Vianna) cantam e também compõem uma banda, que faz a música do espetáculo ao vivo.

Rico Vianna, também em cena, é o diretor musical

O diretor Paulo de Moraes já havia contado em entrevista coletiva que essa mudança vinha a partir da influência do grupo Galpão, de Minas Gerais, que tem uma musicalidade muito forte. “Os atores fizeram intercâmbio com o Galpão e voltaram dizendo que queriam tomar conta da música, mas eu tinha que achar algo que se encaixasse ao meu trabalho”. A banda fica nas laterais do palco, mas no alto, como que em plataformas. Alguns atores, em alguns momentos, também sobem em estruturas montadas na parede, como que para delimitar o risco que corremos ao viver. A montagem também usa de projeções, que dão a impressão de videoclipes e ajudam no ar onírico da peça.

Na peça, o fantasma de um ator que interpretou Hamlet (ele traz consigo sempre um crânio) encontra três personagens – Zoé, uma garota apaixonada pelo irmão; Téo, um ator; e Léa, uma cantora doente. E a partir deles, das situações vivenciadas por eles pouco antes da suas mortes, esse fantasma revive as suas próprias emoções. O texto escrito em parceria por Paulo de Moraes e Maurício Arruda Mendonça tem poesia, força, ironia, humor, drama. E o trabalho dos atores, inclusive alguns bem jovens, consegue segurar essa dramaturgia. Patrícia Selonk interpretando a jovem louca pelo irmão, e Rosana Stavis, que está substituindo Simone Mazzer, e faz a cantora, têm atuações vibrantes e, ao mesmo tempo, tocantes.

Rosana Stavis canta muito no espetáculo!

É na figura do ator Téo (Thales Coutinho) que a companhia discute mais o próprio ato de fazer teatro. Afinal, como disse Paulo de Moraes, “foi no palco que a maioria de nós se sentiu imortal”, assim como o ator “mentado” da história. E há sempre a necessidade que o colega de profissão de Téo insistia: a de contar uma história. A Armazém Companhia de Teatro sabe bem disso.

Zoé é apaixonada pelo irmão

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