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Recife do teatro nacional
11 dias de festival

Peça Traidor, com Marco Nanini, abre Festival Recife do Teatro Nacional. Foto: Annelize Tozetto / Divulgação

A 23ª edição do Festival Recife do Teatro Nacional começa nesta quinta-feira, 21 de novembro, prometendo uma intensa maratona cultural até o dia 1º de dezembro. Este evento, que se firmou como um dos mais significativos no panorama teatral brasileiro, reúne 31 espetáculos de companhias pernambucanas e de outros estados, em diversos teatros e espaços públicos do Recife. A programação inclui apresentações gratuitas, oficinas e rodas de diálogo, com ingressos distribuídos mediante a doação de um quilo de alimento não perecível, promovendo uma ação solidária que beneficia a comunidade local.

Este ano, o festival presta homenagem a Marco Nanini e Ivonete Melo (in memoriam).

Marco Nanini é uma figura icônica no cenário artístico brasileiro, com uma carreira que se estende por mais de seis décadas. Nascido no Recife, Nanini se mudou ainda criança para o Rio de Janeiro, onde iniciou sua trajetória no teatro, televisão e cinema. Ele é amplamente reconhecido por sua versatilidade como ator, capaz de transitar entre o drama e a comédia com maestria. Nanini ganhou destaque nacional por seu papel na série de televisão A Grande Família, onde interpretou o personagem Lineu Silva, conquistando o carinho do público brasileiro.

No teatro, Nanini é conhecido por sua dedicação e paixão pela arte cênica. Ele já participou de inúmeras produções teatrais, muitas delas ao lado de outros grandes nomes do teatro brasileiro. Sua contribuição para as artes cênicas é inestimável, e sua presença no Festival Recife do Teatro Nacional é uma celebração de suas raízes pernambucanas e de sua trajetória.

Ivonete Melo. Foto: Reprodução

Ivonete Melo é lembrada como uma das grandes referências do teatro pernambucano. Com uma carreira marcada pela militância e dedicação, Ivonete presidiu o Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Pernambuco (SATED-PE) por mais de 20 anos. Ela foi uma figura central no grupo Vivencial, conhecido por sua atuação inovadora e provocativa no teatro entre as décadas de 1970 e 1980, frequentemente desafiando normas sociais e artísticas da época.

A influência de Ivonete Melo no teatro pernambucano é inegável, refletindo seu compromisso inabalável com a defesa dos direitos dos artistas e a promoção da cultura local. Admirada por sua habilidade em inspirar e liderar, ela desempenhou um papel crucial no fortalecimento da comunidade artística. A homenagem a Ivonete no festival celebra sua dedicação e militância, ao mesmo tempo em que reconhece o impacto duradouro de seu legado na cena teatral pernambucana.

Foto: Matheus José Maria / Divulgação

Traidor é uma peça que marca a abertura do Festival Recife do Teatro Nacional, estrelada por Marco Nanini e dirigida por Gerald Thomas.

Marco Nanini, em uma performance tour de force, encarna um náufrago da própria mente, isolado em uma ilha que é tanto física quanto metafórica. Seu personagem, batizado com seu próprio sobrenome, “Nanini”, navega por um mar de memórias fragmentadas e delírios vívidos, confrontando sua identidade como ator e a própria essência do que significa ser humano em um mundo cada vez mais desconexo.

A frase que norteia Traidor, citada várias vezes ao longo da peça, é justamente aquela que encerrava Um Circo de Rins e Fígados, outra parceria Nanini Thomas: “A gente se emociona, a gente se emociona sim.” Esta declaração ressoa como um manifesto da arte da interpretação, ecoando através do tempo e das obras de Gerald Thomas. Em Traidor, que estreou em novembro de 2023 em São Paulo, essa afirmação ganha novas camadas de significado, transformando-se em um farol que ilumina a jornada labiríntica de um ator perdido entre realidade e ficção.

A dramaturgia fragmentada de Thomas encontra em Nanini um intérprete capaz de dar corpo e voz às angústias e contradições de um artista acusado de um crime que não cometeu, mas que talvez tenha cometido em alguma de suas múltiplas personas teatrais. A peça trata de muitos assuntos, refletindo o caos contemporâneo, a ansiedade gerada pelo excesso de informações e o uso viciante das redes sociais, enquanto simultaneamente se apresenta como uma declaração de amor ao ofício da representação. 

Programação Diversificada

Édipo Rec. Foto: Camila Macedo / Divulgação

Márcia Luz em Antígona – A Retomada. Foto: Divulgação

Othon Bastos em Não me entrego não. Foto: Beti Niemeyer/ Divulgação

Rei Lear. Foto: Mariana Chama / Divulgação

A programação diversificada do festival inclui 13 espetáculos nacionais e 18 locais na programação principal (ver programação completa abaixo), abrangendo desde peças infantis e sátiras até musicais e dramas. Entre as produções estão Édipo REC; Eu Não Me Entrego, Não; Antígona , Rei Lear.

Édipo REC, produção do grupo recifense Magiluth, é uma releitura contemporânea da tragédia grega de Sófocles. Ambientada em um imaginário Recife de 2024, a peça explora temas como o excesso de produção de imagens e a manipulação da realidade nas redes sociais. A direção de Luiz Fernando Marques traz elementos do cinema, com referências a filmes como Édipo Rex de Pasolini. O espetáculo brinca com a cronologia e questiona a noção de tempo no teatro. 

Solo da atriz pernambucana Márcia Luz, Antígona – A Retomada reinterpreta a clássica tragédia grega de Sófocles sob uma perspectiva contemporânea e afro-brasileira. A montagem radicaliza o protagonismo feminino já presente na obra original, entrelaçando a voz da personagem Antígona com as vivências da própria atriz como mulher negra. Dirigida por Quiercles Santana, a peça busca fazer reflexões sobre raça, gênero e poder na sociedade atual.

Eu Não Me Entrego, Não marca a estreia solo do veterano ator Othon Bastos. Escrita e dirigida por Flávio Marinho, a peça percorre os principais momentos da carreira de Othon, incluindo seu papel icônico em Deus e o Diabo na Terra do Sol. E utiliza um formato  descrito como “monólogo híbrido”, onde a atriz Juliana Medella atua como uma “memória” em cena, interagindo com Othon. 

Adaptação ousada da Cia. Extemporânea, Rei Lear traz a tragédia de Shakespeare para o universo das drags queens. Com um elenco composto inteiramente por artistas drag, o trabalho funde a estética drag com a poesia trágica shakespeariana. Dirigida por Ines Bushatsky e adaptada por João Mostazo, o espetáculo utiliza elementos como lipsync (Sincronia Labial) e performances de boate para reinterpretar cenas clássicas. A produção celebra a arte drag, destaca sua capacidade de expressar emoções complexas e desafiar normas de gênero, oferecendo uma visão contemporânea de Rei Lear.

Jéssica Teixeira em Monga. Foto: Ligia Jardim / Divulgação

O evento também marca a estreia do OffREC, uma agenda dedicada a experimentos e espetáculos em processo, que ocorrerá no Teatro Hermilo Borba Filho, de 25 a 30 de novembro. Na programação estão a provocante peça Monga, da cearense radicada em São Paulo Jéssica Teixeira, o  espetáculo itinerante ONÁ DÚDÚ: Caminhos Negros no Bairro do Recife, com Marconi Bispo e Coletivos e a Roda de Diálogo Vedetes e Vivecas: Mulheres do Vivencial, uma homenagem a Ivonete Melo, com as atrizes Suzana Costa, Auriceia Fraga e Zélia Sales, com mediação de Hilda Torres. A curadoria do OffREC é assinada por Rodrigo Dourado.

Projeto Arquipélago de Crítica

Nesta 23ª edição do Festival Recife do Teatro Nacional quatro profissionais ligados ao Projeto Arquipélago participam de uma ação de  prática da crítica. Kil Abreu, da Cena Aberta, Heloisa Sousa, da Farofa Crítica, Fredda Amorim (convidada) e Ivana Moura, do Satisfeita, Yolanda? tod_s com ampla experiência na produção de conteúdos críticos. 

O projeto arquipélago é uma iniciativa coletiva inovadora de fomento à crítica apoiado pela produtora Corpo Rastreado, de São Paulo, que surgiu em novembro de 2022 para fortalecer a crítica teatral independente no Brasil. Atualmente, seis casas virtuais participam do projeto: Guia Off, Farofa Crítica, ruína acesa, Satisfeita, Yolanda?, Tudo, Menos Uma Crítica, Cena Aberta e Horizonte da Cena.

Programação Principal

Quinta-feira (21 de novembro)

19h30 – Traidor, com Marco Nanini (direção: Gerald Thomas/RJ), no Teatro do Parque.

Sexta-feira (22 de novembro)

15h – Palhaçadas – História de um Circo sem Lona (Cia. 2 em Cena/PE), no Teatro Barreto Júnior.
18h – Cara do Pai (Coletivo Opte/PE), no Teatro Hermilo Borba Filho.
20h – Édipo REC (Magiluth/PE), no Teatro Luiz Mendonça.
20h – Traidor, com Marco Nanini (direção: Gerald Thomas/RJ), no Teatro do Parque.
20h – Eu no Controle (Cia da Baju/PE), no Teatro Apolo.

Sábado (23 de novembro)

17h – As Charlatonas (Trupe-Açu Cia. de Circo/TO), no Parque da Macaxeira.
18h – Sinapse Darwin (Cia. Casa de Zoé/RN), na Rua da Aurora.
18h – Antígona – A Retomada (Luz Criativa/PE), no Teatro Hermilo Borba Filho.
19h – 2 Mundos (Lumiato Formas Animadas/DF), no Teatro Apolo.
20h – Rei Lear (Cia. Extemporânea/SP), no Teatro de Santa Isabel.
20h – Traidor (RJ), no Teatro do Parque.
20h – Édipo REC (Magiluth/PE), no Teatro Luiz Mendonça.

Domingo (24 de novembro)

16h – Hélio, o Balão que não consegue voar (Coletivo de Artistas/PE), no Teatro do Parque.
17h – As Charlatonas (Trupe-Açu Cia. de Circo/TO), no Parque da Tamarineira.
17h – Frankinh@ (Coletivo Gompa/RS), no Teatro Apolo.
18h – Mulheres de Nínive (Nínive Caldas/PE), no Teatro Hermilo Borba Filho.
18h – Sinapse Darwin (Cia. Casa de Zoé/RN), na Rua da Aurora.
20h – Rei Lear (Cia. Extemporânea/SP), no Teatro de Santa Isabel.

Segunda-feira (25 de novembro)

20h – Instinto (Coletivo Gompa/RS), no Teatro Apolo.

Terça-feira (26 de novembro)

20h30 – Não me entrego não (Othon Bastos/RJ), no Teatro do Parque.

Quarta-feira (27 de novembro)

15h – Malassombros – Contos do Além Sertão (Grupo Teatro de Retalhos/PE), no Teatro Barreto Júnior.
20h30 – Não me entrego não (Othon Bastos/RJ), no Teatro do Parque.

Quinta-feira (28 de novembro)

20h – Kalash – Ensaio sobre a Extinção do Outro (Coletivo Opte/PE), no Teatro Apolo.

Sexta-feira (29 de novembro)

20h – Inacabado (Grupo Bagaceira/CE), no Teatro Luiz Mendonça.

Sábado (30 de novembro)

17h – Paraíso (Grupo Teatro Máquina/CE), no Teatro Apolo.
19h – Pequeno Monstro (Quintal Produções Artísticas, com Silvero Pereira/RJ), no Teatro do Parque.
20h – Inacabado (Grupo Bagaceira/CE), no Teatro Luiz Mendonça.
20h30 – Brás Cubas (Armazém Cia. de Teatro/RJ), no Teatro de Santa Isabel.

Domingo (1º de dezembro)

17h – Quatro Luas (O Bando Coletivo de Teatro/PE), no Teatro Apolo.
18h – Esquecidos por Deus (Cícero Belmar/PE), no Teatro Hermilo Borba Filho.
19h – Pequeno Monstro (Quintal Produções Artísticas, com Silvero Pereira/RJ), no Teatro do Parque.
20h30 – Brás Cubas (Armazém Cia. de Teatro/RJ), no Teatro de Santa Isabel.

Programação OffREC (25 a 30 de novembro, no Teatro Hermilo Borba Filho)

25 de novembro

16h às 18h – Roda de Diálogo Corporalidades e Estranhamentos, com Johnelma Lopes (UFPE), Ana Marques (UFPE) e Alexsandro Preto (Vale PCD). Mediação: Clara Camarotti.
20h – Espetáculo Monga, de Jéssica Teixeira (CE).

26 de novembro

9h às 12h – Vivência de Teatro Hip Hop, com o coletivo À Margem (PE) e Bento Francisco (PE).
15h às 17h – Espetáculo ONÁ DÚDÚ: Caminhos Negros no Bairro do Recife, com Marconi Bispo e Coletivos (PE). Espetáculo itinerante, com concentração no Teatro Apolo.
17h30 às 19h – Roda de Diálogo Teatro Negro em Perspectiva, com Marcos Alexandre (UFMG). Mediação: Jefferson Vitorino (Cia. Máscara Negra).
20h – Espetáculo Xirê, do Coletivo À Margem.

27 de novembro

9h às 12h – Vivência Criando Autoficções, com a Cia. Teatro da UFPE (PE).
16h às 17h30 – Roda de Diálogo Processos Criativos Autoficcionais, com Marcondes Lima (UFPE) e Rodrigo Dourado (UFPE). Mediação: Fátima Pontes (Escola Pernambucana de Circo).
18h – Espetáculo Não. Tá. Fácil, do Coletivo À Margem (PE).
20h – Espetáculo Palestra Babau, Pancadaria e Morte, com Marcondes Lima e Mão Molenga (PE).

28 de novembro

9h às 12h – Vivência Contornos do Tempo: Ensaio na Terceira Idade, com o grupo Memória em Chamas (PE).
16h às 18h – Roda de Diálogo Teatro, Memória e Envelhecimento, com Rodrigo Cunha (IFPB) e equipe do espetáculo Senhora. Mediação: Manu de Jesus, da Creative’se Cultural.
18h – Espetáculo Baba Yaga, da Cênicas Cia. de Repertório (PE).
20h – Espetáculo Senhora, de João Pedro Pinheiro (UFPE).

29 de novembro

9h às 12h – Vivência Dramaturgias Urgentes: Escritas e Cenas Negras, com Kléber Lourenço (PE).
18h – Espetáculo Poema – Desmontagem, da Cia do Ator Nu (PE).
20h – Espetáculo Negro de Estimação – Desmontagem, com Kléber Lourenço (PE).

30 de novembro

10h às 12h – Abertura de Processo Senhora dos Sonhos, com Ceronha Pontes e Gonzaga Leal (PE).
14h às 17h – Roda de Diálogo Teatro e Comunicação na Era Digital: por e para onde caminhamos, com Aline (Vendo Teatro), Fernanda (Teatralizei), Ricardo Maciel (Palco Pernambuco). Mediação: Márcio Bastos.
18h – Performance O Problema é a Cerca, com Renna Costa (PE).
20h – Roda de Diálogo Vedetes e Vivecas: Mulheres do Vivencial, uma homenagem a Ivonete Melo, com Suzana Costa, Auriceia Fraga e Zélia Sales. Mediação: Hilda Torres.

O Satisfeita, Yolanda? faz parte do projeto arquipélago de fomento à crítica,  apoiado pela produtora Corpo Rastreado, junto às seguintes casas : CENA ABERTA, Guia OFF, Farofa Crítica, Horizonte da Cena, Ruína Acesa e Tudo menos uma crítica

 

 

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Mais Ocupação Pernambuco em São Paulo

Bailarina e coreógrafa Maria Paula Costa Rêgo em As Três Mulheres de Xangô. Foto: Divulgação

Maria Paula Costa Rêgo exibe As Três Mulheres de Xangô no Teatro do Contêiner. Foto: Divulgação

A Ocupação Pernambuco em São Paulo, no Teatro de Contêiner, da Cia Mungunzá, chega à segunda semana com apresentações de Amor, Segundo As Mulheres de Xangô e Abô, do Grupo Grial de Dança; Rei Lear, da Remo Produções e um show-festa do Coletivo Reverse. Essa programação especial começou no dia 18 e segue até 5 de novembro, no bairro de Santa Ifigênia.

As Três Mulheres de Xangô exaltadas na peça coreografia de Maria Paula Costa Rego são Iansã, Oxum e Obá. O trio briga pelo amor do orixá e cada uma utiliza as armas de sua feminilidade.  Já  Abô carrega a força, o mistério e a beleza dos mitos africanos na sua composição cênica, com interpretação de Anne Costa, Maria Paula e Silas Samarki. Na religião afro-brasileiro, Abô significa o banho de ervas para purificar o corpo e afastar as energias negativas. 

O Grupo Magiluth abriu a Ocupação Pernambuco com espetáculo O Ano em que Sonhamos Perigosamente, que problematiza o cenário político brasileiro e mundial a partir das articulações da cena e seus dispositivos. O projeto Estesia levou ao palco uma experiência híbrida de som e luz, envolvendo produtores musicais Pachka (Miguel Mendes e Tomás Brandão), o cantor e compositor Carlos Filho e o iluminador cênico Cleison Ramos.

Paula de Renor, em Rei Lear. Foto: Rogério Alves

Paula de Renor, Sandra Possani e Bruna Castiel em Rei Lear. Foto: Rogério Alves

Rei Lear é visto pelo teórico Jan Kott como uma peça sobre a decomposição e o declínio do mundo. Em Shakespeare nosso contemporâneo, ele argumenta que “dos doze principais personagens, metade é justa, a outra injusta. Uma metade de bons, uma metade de maus. A divisão é tão lógica e abstrata quanto numa peça de moralidade. Mas é uma peça de moralidade em que todos serão aniquilados: os nobres e os vis, os perseguidos e os perseguidores, os torturadores e os torturados”.

O diretor carioca Moacir Chaves destaca na cena as questões pertinentes aos dias de hoje: como se constroem as estruturas de poder, injustiças sociais, tratamento ao idoso e à mulher. As atrizes Paula de Renor, Sandra Possani e Bruna Castiel se desdobram em vários personagens.  Os músicos Miguel Mendes e Tomás Brandão executam ao vivo a trilha sonora (um diálogo da música eletrônica com a música popular) criada por eles especialmente para o espetáculo. Rei Lear conta com incentivo do Funcultura-Secretaria de Cultura- Fundarpe/Governo de Pernambuco para essa circulação.

PROGRAMAÇÃO

Amor, segundo as Mulheres de Xangô, do Grupo Grial de Dança 
Quando: 23 e 24  de Outubro, Segunda e terça às 20h
Onde: Teatro de Contêiner Mungunzá ((rua dos Gusmões, 47, Santa Ifigênia, fone: 97632-7852)
Quanto:R$ 30,00 / R$ 15,00 / R$ 5,00 (moradores)
Duração: 52 min.
Classificação: 12 anos
FICHA TÉCNICA
Concepção e Direção: Eric Valença
Intérprete criador: Maria Paula Costa Rêgo
Trilha Sonora: Tarcísio Resende
Figurino: Gustavo Silvestre
Iluminação: Luciana Raposo

Abô, do Grupo Grial de Dança
Quando: 25 de outubro, às 20h
Onde: Teatro de Contêiner Mungunzá ((rua dos Gusmões, 47, Santa Ifigênia, fone: 97632-7852)
Ingressos: R$ 30, R$ 15 (meia) e R$ 5 (moradores da Santa Ifigênia)
Duração: 52 min.
Classificação: Livre
FICHA TÉCNICA
Concepção e Direção: Maria Paula Costa Rêgo
Intérpretes: Anne Costa, Maria Paula e Silas Samarki
Trilha Sonora: Berna Vieira e Lucas dos Prazeres
Figurino: Gustavo Silvestre
Cenário: Gustavo Silvestre e Maria Paula
Iluminação: Luciana Raposo

Rei Lear, da Remo Produções
Quando: de 27 a 29 de outubro e de 2 a 5 de novembro, às 21h
Ingressos: R$ 20, R$ 10 (meia) e R$ 5 (moradores da Santa Ifigênia)
No dia 26 de outubro, haverá ensaio aberto, com entrada gratuita.
Duração: 80 min.
Classificação: 14 anos
FICHA TÉCNICA
Texto: William Shakespeare
Diretor: Moacir Chaves
Atrizes: Bruna Castiel, Paula de Renor e Sandra Possani
Iluminação: Aurélio de Simoni
Montagem de luz e operação: Luciana Raposo
Cenografia original: Fernando Mello da Costa
Figurinos: Chris Garrido
Trilha sonora e execução ao vivo: Tomás Brandão e Miguel Mendes
Produção Executiva: Elias Vilar
Produção geral: Paula de Renor
Realização: Remo Produções Artística

Coletivo Reverse
Quando: 1º de novembro, às 20h
Ingressos: R$ 10 e R$ 5 (moradores da Santa Ifigênia)
Classificação: 18 anos

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Operário do teatro

Moacir Chaves chegou a fazer a proposta para a mulher e os dois filhos: deixar o Rio de Janeiro e virem morar no Recife. A família não aceitou. Ele diz que, mesmo sendo uma metrópole, Recife tem um ritmo mais tranquilo do que o Rio ou São Paulo. Mas o diretor que tem no currículo mais de 40 espetáculos, muitos deles premiados, não faz só elogios: acha um absurdo que a cidade não demonstre sua força cultural no teatro, o que estaria ligado, por exemplo, à ausência de um curso de formação do ator.

Na semana passada, Moacir Chaves veio a Pernambuco por dois dias para os últimos ensaios de Rei Lear, montagem que assina para a Remo Produções e que encerra curtíssima temporada neste domingo (30). É a segunda vez que o carioca trabalha com as atrizes Paula de Renor e Sandra Possani (que em Rei Lear são também acompanhadas por Bruna Castiel). A encenação de Duas Mulheres em Preto e Branco também ficou sob a responsabilidade dele; e foi dele também a ideia de encenar Shakespeare tendo apenas três mulheres no elenco.

A conversa com Ivana Moura e Pollyanna Diniz, que incluiu temas como teatro de grupo, formação do ator, atitude política e televisão, no entanto, foi realizada meses antes, em janeiro, quando Moacir trouxe ao Recife duas de suas montagens com o Grupo Alfândega 88: O Controlador de Tráfego Aéreo e A Negra Felicidade. No Janeiro de Grandes Espetáculos, ele foi também um dos jurados do prêmio Apacepe de Teatro e Dança na categoria teatro adulto. Viu de perto as deficiências do teatro pernambucano, mas também as suas possibilidades.

Moacir Chaves

Moacir Chaves

ENTREVISTA // MOACIR CHAVES

Você tem uma formação teórica e prática em teatro. Você sempre pensou no teatro? 
Não. Fiz parte de um grupo de teatro quando era garoto, em Teresópolis, mas por acaso. Um amigo que tocava violão me levou. Era um grupo bacana. Eles montavam uma peça por ano, apresentavam e, com o dinheiro, a gente ia numa pizzaria e ia ver uma peça no Rio. Eu nunca tinha ido ao teatro. Morava numa cidade de interior, Teresópolis. Mas, desde sempre, participei de qualquer coisa que tivesse a ver com teatro na escola, por uma coisa muito simples: eu era bom aluno de português e era escolhido. Nunca fui desinibido. Pelo contrário! Sempre fui muito fechado, tímido. Mas normal também… jogava bola, fazia tudo. Eu era inibido com meninas, basicamente! Nunca escolhi fazer teatro. Entrei nesse grupo e a gente foi fazendo. Depois, fui para o Rio estudar Geologia. Teatro não existia! Não era uma possibilidade! Nem sabia que existia universidade de teatro! Nesse primeiro ano no Rio, 1982, com 17 anos, descobri que, de fato, eu adorava teatro, porque era o que eu fazia. Ia ao teatro todos os dias. Vi todas as peças em cartaz aquele ano. Todas. Ninguém viu mais teatro em 1982 do que eu. Aí fiquei doido pra fazer um curso de teatro. Vi num ônibus uma propaganda de um curso. Fiz curso no Circo Voador, depois descobri que tinha uma escola de teatro chamada Martins Pena. Fiz vestibular para a Unirio e comecei Teoria do Teatro. Já entendia que eu tinha uma relação muito forte com o teatro.

Você é um espectador desde então?
É necessário ver. Vou atrás das coisas, sempre fiz isso. Bem garoto, tinha uma peça em São Paulo, eu pegava um ônibus e ia ver. Todos os primeiros dinheiros que ganhei em teatro, gastei viajando pra ver teatro. Isso é parte da minha formação. Isso é explícito. Quando eu ia ver uma peça que eu sabia que era legal, lia o texto antes. Eu sabia da carência que eu vivia, que era muito grande, ainda é muito grande, mas hoje menos, porque hoje a gente tem acesso via internet a um monte de coisa, viajar hoje é mais barato; e o que tinha para ver eu via. Eu via tudo.

Alguns encenadores rejeitam o teatro dos outros.
Eu nem era encenador! Eu era um garoto que adorava teatro. Até hoje vou ver qualquer coisa. Quando vou montar uma peça, tenho muita vontade de ir ao teatro. Quero ver como as pessoas fazem, o que elas resolvem, quais são as questões, quero comparar com o que eu estou pensando. Isso é bobagem, idiotice! Arte não tem propriedade. Não é você! São as coisas que estão através de você. Não sou eu! Estou estudando um monte de coisa, aprendendo, e tenho que soltar essas coisas todas. Daqui a pouco a gente vai embora! Daqui a pouco a gente morre. E aí? E aquilo tudo que passou por você, que você descobriu? Eu tenho um problema sério agora, tenho que terminar o doutorado. A coisa que mais me estimula a conseguir, porque eu não sou um profissional intelectual, eu leio muito, estudo muito, mas eu não sou um cara que senta, escreve, lê, que tem que ter produção intelectual. Não, minha produção é artística. O que me motiva, o que me faz ser completamente disciplinado é ensaiar, trabalhar, ensaiar, trabalhar. Para produzir escrita eu não sou nada disciplinado. Mas o que me instiga a, de fato, levar adiante o doutorado é tentar por de uma forma menos etérea, menos volúvel, pensamentos a respeito de uma obra, para que fique. Não para que eu seja o autor de alguma coisa ou que tenha originalidade. A questão da originalidade em arte é a coisa mais equivocada que existe. O artista não pode pensar em ser original. Isso é uma falácia, um equívoco. O cara tem que trabalhar com o real, não no sentido de reprodução do real, mas com a vida, com as coisas que estão aí. Isso é coisa do mercado. Quem tem que ser original é a cerveja, o carro. Eles que têm que ser originais. Nós não. Nenhum grande artista tem problema com originalidade. O cara rouba e rouba e é isso aí. O Brecht é um ladrão tremendo e assumido. E daí? Mas se não fosse o Brecht, não existiria aquela obra dele, a despeito de todos os auxiliares que ele “explorou”, ou todas as fontes que ele utilizou. Da mesma maneira Shakespeare, e etc, etc. Todo mundo!

A sua história foi baseada no teatro de grupo?
A única maneira de se trabalhar bem é trabalhar muito e em continuidade. Grupo, coletivo, companhia, não tem nenhuma ideologia nisso. É por que ou você trabalha com parcerias e desenvolve vocabulário, e cresce junto, e vai adiante, trocando, indo e voltando, ou é uma perda de tempo. Não sou nada sectário. Trabalho com quem for. Só não faço televisão porque pra fazer televisão você tem que fazer só televisão. Porque aquilo é divertido. Comecei a fazer teatro porque me divirto, porque gosto de teatro. Não comecei a fazer teatro por nenhuma outra coisa. Adoro estreia! Não fico nervoso em estreia! Gosto de saber o que as pessoas vão achar, gosto de ver se aquele negócio vai funcionar, como é que as pessoas vão receber. Quando a gente não faz bem por um ou outro motivo, quando alguma coisa ruim acontece, só fico triste porque, ai que pena, as condições não foram melhores, o ator estava doente, sei lá, qualquer coisa! Ou esse dia não foi bom…teatro é dificílimo! Teatro não fica bom. Teatro tem que ser bom, tem que ser bom todo dia. Não é como essas coisas mais ‘faceizinhas’, cinema, você fez e está pronto. Não! A gente é uma desgraceira só! Você fez e não está pronto! Tem que fazer de novo e de novo. A questão de grupo é só isso. Tem que trabalhar continuamente e tem que trabalhar seguindo um rumo. E aí infelizmente aqui a gente não tem companhias de teatro. As companhias no Brasil são duas, né? A Globo e a Record. Você não tem outra. O que de fato se mantém? Tem o Galpão, mas é tão limitado, tão fechado, porque o Galpão é só o Galpão. Claro que o Galpão dá milhares de frutos e é um trabalho sensacional, mas o Galpão tem que se renovar, porque o Galpão não pode acabar quando as pessoas do Galpão acabarem.

Como você vê outros casos…o Oficina, por exemplo, não é um grupo…é Zé Celso?
O Oficina não é um grupo. O Oficina é uma coisa que fica em torno do Zé Celso e que algumas pessoas permanecem. É um núcleo. Mas é preciso que as pessoas não se juntem para projetos e projetos e sim que vivam daquilo. E que tenham treinamento, apresentação de repertório.

O Ói Nóis, por exemplo…
O Ói Nóis talvez. Não sei como é que funciona. Claro que tem, mas é tudo muito tênue e ralo. Um grupo deveria ter 30 pessoas. Isso não é nenhum absurdo. Essa companhia de dança que veio agora no Janeiro de Grandes Espetáculos…a São Paulo Companhia de Dança. Quantos bailarinos têm contratados? Porque é que não se tem isso em teatro? Não há diversas orquestras Brasil afora sendo sustentadas pelo governo, com dinheiro do contribuinte? Então, porque não em teatro?

O que precisaria?
Dinheiro. É preciso salário. É preciso que eu viva e saiba que vivo disso, que priorize isso. Tendo dinheiro, salário, tenho rotina de trabalho. Vou todo dia lá fazer um trabalho físico, um trabalho vocal, aprender um instrumento, ler alguma coisa, ensaiar para um espetáculo e apresentar outro. É só isso. Dia a dia. Ator não é ator fazendo uma peça de tempos em tempos. Imagina um músico que toca de ano em ano… O que é isso, gente? Como é que as pessoas ficam dizendo que são atores? Fazem uma peça de ano em ano! Isso é uma aberração. A gente tem que entender que é uma aberração e não ficar triste, porque essa é a nossa realidade. O que a gente tem que fazer? Mudar! Como? Formulando políticas culturais. Berrando que isso está errado! A gente nem percebe! Porque não quer admitir o nosso fracasso individual, que não é culpa nossa. Você não é ator, meu camarada. Se você faz uma peça de dois em dois anos, você não é ator. Você é um diletante. O mundo não te permite isso. Ator é quem trabalha com constância, quem trabalha permanentemente. É difícil mesmo. Assim: o grupo Galpão, por exemplo, é um grupo de atores. Eles trabalham sem parar, há 20 anos. E a melhora individual é brutal. Eles são muito melhores atores do que quando começaram. É uma coisa impressionante! Você olha e diz: olha a maturidade. Mas maturidade não é porque ficaram velhos não! Porque você fica velho e não fica maduro. Maduro na atividade. Você só é maduro na atividade, se você fizer sem parar. Vamos parar de mentir, gente. A gente é uma civilização pobre de teatro, paupérrima. A gente mal faz teatro. Vamos olhar a realidade. A gente faz teatro de uma forma tosca. É nos grandes centros também. Não estou falando porque eu estou no Recife, ou se tivesse em Fortaleza, ou em Belém. Não! Estou pensando no Rio, na minha cidade, nos meus colegas.

O que precisa para se tornar um ator? O que é um ator?
Precisa formação. O ator é um sujeito que sabe controlar o corpo, a voz, criar sentido com os movimentos e com o som que produz, sabe respirar, sabe o que é o diafragma. Esse é o básico. O ator que souber andar a cavalo é melhor. O ator que souber lutar capoeira é melhor. Quanto mais coisa uma pessoa souber fazer, mais capacidade terá. Isso não quer dizer que o pulo do gato é saber fazer um monte de coisa. O pulo do gato é alguma coisa impalpável. Porque um ator que tem um treinamento, tem isso, tem aquilo, é excelente, e o outro que tem a mesma coisa é médio? Porque tem um pianista que é genial e outro que é excelente, que é muito bom? A musculatura de ambos é absolutamente trabalhada, eles tocam no mesmo tempo. O que difere um pianista genial de um pianista bom não é a capacidade de acessar as teclas num determinado tempo e ritmo. Não. Ambos vão conseguir o mesmo rendimento nisso. Isso é o impalpável. Isso também tem em teatro. Sendo que a nossa arte é menos objetiva até do que a musical, porque um pianista vai executar aquela partitura e a partitura não vai deixar de ser o que é. O ator é um inventor de partituras. Mas ou ele sabe tocar ou não adianta nada. Depois do momento em que ele sabe tocar, aí tem que dar o pulo do gato. Tem gente que tem essa coisa impalpável, do talento, mas não tem treinamento. Aí não adianta nada. Tem gente que tem muita sensibilidade, mas não sabe se relacionar com isso. Tem gente que não tem referência.

Já que falamos do ator, com o diretor, o encenador, é o mesmo processo?
Acho que sim. Só que diretor é mais maluco ainda. Porque é uma invenção o tempo inteiro. Claro que você sabe os códigos, etc, etc, mas é uma invenção permanente. Diretor é uma figura estranha de se ensinar. Dou aulas de direção na universidade e não sei como ensinar. Eu sou um blefe! O que faço é trocar experiência e mostrar ponto de vista. E os caras têm que estudar, óbvio. Os caras têm que ler tudo, ver tudo, saber tudo. Se eles não virem, não lerem, não estudarem, não são nada. São uns ignorantes, uns bonitinhos, uns bobos. Tem um monte de gente que dá curso de dramaturgia, que nunca leu Nelson Rodrigues, Martins Pena, França Júnior, Beckett. Ouviu falar. Isso deveria dar cadeia! Pô… Descobri outro dia que um jovem dramaturgo, trabalhou com a gente no grupo, o cara não conhecia a obra do Nelson inteira. Conhecia mal e porcamente, uma, duas peças. Pô, cara! Faz isso não! Aí você vai dar curso de dramaturgia? Coisa feia! Você não sabe nada! Você vai fazer coisa velha. Mas o interesse desse rapaz específico que estou pensando é mais televisão, fazer roteiro. Então tudo bem. Aí dá. Lá não precisa saber nada. Precisa saber aquele modelinho, aquela coisa específica. Tem um saber ali, mas…

O controlador de tráfego aéreo, montagem da Alfândega 88. Foto: Rodolfo Araújo

O controlador de tráfego aéreo, montagem da Alfândega 88. Foto: Rodolfo Araújo

Até na televisão existe uma exigência e o público já nota quando há algo diferente.
Mas televisão nunca vai chegar, né? Televisão é aquilo ali, mercado, restrito. Mercado é consumo de massa e acabou. Você entra na Globo, por exemplo, você não precisa saber nada mais do que o que eles fazem. Se você é uma pessoa talentosa numa coisa e a Globo te contrata, ela não te contrata para fazer aquela coisa que você faz. Ela te contrata porque você é talentoso. E ela vai ensinar a você o que ela faz. A Globo ensina você a fazer a Globo. E não a mudar a Globo, porque a Globo funciona. E o que eles querem é funcionar. E eles querem tirar os talentos do mercado, porque eles podem inventar coisas diferentes e isso desequilibrar…quando eles te contratam é uma forma de usar tua energia, tua inteligência, para fazer o que eles já fazem. E para ceifar a tua energia e inteligência, para não ameaçá-los noutro canal. Isso qualquer grande empresa faz. São assassinas, elas não se interessam por nada, só pelo rendimento prático da ponta, da venda.

Voltando a falar de ator, você encontrou esses atores na Alfândega 88?
Não. De jeito nenhum. Porque ali não é uma escolha de grandes atores. É uma escolha de gente para trabalhar com continuidade e aí entram questões éticas, de comportamento, de interesse. A gente vai se juntando por interesses, às vezes por falta de opção. Tem muita gente que faz teatro porque não consegue fazer outra coisa. Quando fizer outra coisa, nunca mais faz teatro. Isso é muito comum. O cara diz assim: “sou um ator de teatro”. Mentira! O cara está doido pra ficar famoso e descansar. Um cara fez teatro 20 anos… aí soube de uma fonte muito íntima que ele chorava: “eu sou tão bom ator, todo mundo diz, reconhece. Porque não sou chamado para fazer televisão?”. A resposta é: porque você é feio fisicamente, você não se enquadra no que eles precisam nessa faixa etária. Quando você ficar mais velho, isso já não vai ter tanto interesse, tanta importância. E aí você será assimilado, tenha calma. Aí o que aconteceu com esse rapaz? Foi assimilado, hoje ele faz televisão, aqui e ali. Aí eu o convidei para fazer uma peça. “Ah, não vai dar, estou gravando. Mas a gente precisa fazer teatro, né? Não dá para ficar sem teatro”. Falando como uma figura que precisa fazer teatro. Quem precisa fazer teatro, faz teatro. Você não precisa. Precisa ter o seu emprego, você está satisfeito aí. Quando digo que a gente precisa ter emprego no teatro é para possamos nos fixar no teatro, para que o teatro não perca aqueles que querem fazer teatro e não que retenha os que não querem. Porque tem muita gente que quer fazer só teatro, mas não pode. Aí qualquer contrato, aceita, vai e murcha naquele lugar. Por outro lado, tem gente que desabrocha: “agora sou feliz, sou alguém, conhecido, reconhecido”. Que é uma coisa justa. Isso não é uma questão moral.

Duas mulheres em preto e branco. Foto: Pollyanna Diniz

Duas mulheres em preto e branco. Foto: Pollyanna Diniz

Você está trabalhando com Paula e Sandra desde Duas mulheres em preto e branco. Como foi esse trabalho e como se deu essa continuidade?
A Paula e a Sandra são muito legais, dispostas, disponíveis, prontas para trabalhar, com muito gabarito, algumas deficiências de formação, mas com muita experiência. E dispostas a trabalhar essas deficiências. Isso não quer dizer que elas não sejam boas atrizes. Elas são ótimas atrizes, mas têm uma coisa da falta de formação básica. E a continuidade é só o que se precisa. Por isso que a gente pensou um segundo espetáculo. Foi uma relação muito amorosa, a gente se deu muito bem. Tivemos um resultado muito bom. Acho muito legal o resultado do Duas mulheres. É uma tarefa dificílima fazer aquele texto e acho um espetáculo muito bonito e difícil também. É muito desigual, controlar essas coisas todas, manter o lugar correto. Nada foi forjado. Tudo nasceu da gente, em conjunto. A gente foi entendendo o texto, o autor, a forma, o tipo de intervenção que ele fazia. O autor é um personagem nosso, ele não sabe, mas é. A forma vem da percepção de uma mente que organiza aquela matéria. E isso é o que molda as atividades em cena.

E a sugestão de Shakespeare? Foi sua?
Shakespeare foi uma sugestão para continuar. Trabalho com muitos textos, dou aula. Nesse semestre, trabalhei com Rei Lear, dei uma oficina no Teatro Serrador; e pensei vamos fazer Rei Lear com três atrizes. Aí propus a Paula. Mas, para isso, para continuar a relação. Eu adoraria morar no Recife. Comprar um espaço aqui, ter uma sede aqui, produzir a partir daqui. Propus isso a Mônica e ela não topou. Nem os meninos. É uma cidade linda, pessoas amorosas, um mar desses, a água é quentinha. É possível fazer um trabalho mais concentrado, porque a despeito de ser uma cidade enorme, é bem menor do que Rio e São Paulo. Gosto da cidade, da história daqui. Acho que é um lugar muito especial, muita coisa aconteceu. Sempre foi uma potência cultural; e em teatro não é. Não tem uma escola. Isso é uma vergonha. Em Salvador tem. Não pode! É como se dissesse assim: vocês não sabem o que é o Recife, vocês não entendem o sentido dessa cidade?

Rei Lear. Foto: Guga Melgar

Rei Lear. Foto: Guga Melgar

SERVIÇO:
Rei Lear (Remo Produções)
Quando: Sexta (28), às 19h; sábado (29) e domingo (30), às 20h
Onde: Teatro Apolo (Rua do Apolo, 121, Bairro do Recife)
Quanto: R$ 20 e R$ 10

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