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Magia luso-brasileira em castelo europeu

O elenco de O desejado - Rei D. Sebastião. Fotos: Rui Pitães/Divulgação

Estreou ontem, com direito a cenário de filme: um castelo e forte nevoeiro em Lanhoso, Portugal, a peça O desejado – Rei D. Sebastião. Com direção de Moncho Rodriguez, a montagem feita a partir de um intercâmbio entre Pernambuco e Portugal deve abrir o próximo Janeiro de Grandes Espetáculos. Agora, os atores cumprem uma temporada de mais 12 apresentações em terras lusas; aqui, a ideia é que o espetáculo seja encenado na capital pernambucana e também em Olinda, Caruaru, Arcoverde, Salgueiro e Petrolina.

Entrevistamos dois atores da montagem: Júnior Aguiar, que estava um pouco afastado dos palcos – a última montagem da qual ele participou foi Quase sólidos; e Júnior Sampaio, pernambucano que mora em Portugal há muitos anos e parceiro do blog.

ENTREVISTA // Júnior Aguiar

Qual o enredo do espetáculo?
O espetáculo conta a história de um grupo de comediantes-atores que procuram pelo Rei D. Sebastião – O Desejado, que desapareceu numa batalha na África. Eles procuram pelo invisível, pelo sonho de viver a liberdade e a poesia, querem o encantamento das coisas, querem a verdade que se manifesta pelo teatro! O espetáculo é uma celebração. É a história da História. Portugal precisava de um herdeiro porque estava prestes a perder o seu poder para a Espanha, por causa da proximidade da morte de D. João III, casado com Dona Catarina (da Espanha). Era necessária e urgente a vinda de um herdeiro! Do amor de seu filho João e Joana nasce D. Sebastião.

Como esse mito é transposto para o espetáculo?
O espetáculo faz um paralelo entre os tempos. A crise que agora desespera os portugueses e as velhas crises que sempre ameaçam a soberania, a disputa pelo poder, o sofrimento do povo, as ironias, os tempos que não mudam! Para nós, pernambucanos, existem alguns elementos importantes, como, por exemplo, saber das influências portuguesas na nossa origem. A questão do Mito sebastianista que se configura até hoje no Nordeste Brasileiro (Belmonte, Lençóis Maranhenses..). A história da Pedra do Reino. De uma certa forma, todo o pensamento de Ariano Suassuna. O contexto da criação em que o espetáculo se configura é muito interessante. É o ano de Portugal no Brasil e do Brasil em Portugal. Então se estabeleceu um intercâmbio cultural entre atores dos dois paises, uma parceria entre o Centro de Criatividade de Polvoa de Lanhoso (coordenado por Moncho Rodriguez) e a Apacepe. Estamos aqui por dois meses com passagens, hospedagem e alimentação pagos e recebemos uma ajuda de custo.

Como está sendo o trabalho com Moncho Rodriguez?
Moncho Rodrigues é o autor e o diretor da encenação. É o coordenador do centro de criatividade de Polvoa de Lanhoso. É fantástico viver essa experiência e desfrutar com dignidade de todo a estrutura oferecida. Temos salas de dramatuturgia, de figurinos, de adereços, de ensaios, teatros…. Trabalhamos das 14h até meia-noite, com intervalos para as refeições. Durante a manhã, descansamos ou estudamos os textos. Moncho é um homem de teatro que não se esquece. Sua voz atinge nosso coração e pode nos encantar ou pode provocar sentimentos os mais contraditórios. De repente um grito de alerta, uma indicação preciosa, uma pergunta esclarecedora, um abraço. Moncho é claro no que deseja: quer a verdade dos atores. Somente a verdade. Mas a verdade não é fácil, faz doer o corpo inteiro, faz a gente se arriscar até perdermos o controle. É preciso ir além do que se sabe, do que se pode, do que se imagina pretender. Moncho tem o olhar que parece fora do mundo, não quer perder tempo, nem energia em vão. Exige profunda dedicação e disponibilidade. Nenhum ator permanece o mesmo se aceitar as regras do jogo.

Júnior Aguiar e Rafael Amancio

Qual a importância desse intercâmbio?
É preciso viajar pelo mundo. Se o olhar não alcançar longe, se não for surpreendido pelas diferenças culturais, pelas maneiras distintas de ser, pelas possibilidades das histórias, ficamos limitados e corremos o risco de não transcender como seres humanos sensíveis, como atores profissionais com visão ampla e cosmopolita. Trocar é crescer. O grupo de atores portugueses é fantástico. Observamos sua disponibilidade, sua maneira de nos receber, de nos apresentar suas formas de trabalho e de procurar pelas personagens. Eles tambem irão ao Brasil sentir como somos no nosso ambiente, de como incorporamos nossas manifestações culturais. No fim, toda essa experiência se configura em amplo e sólido aprendizado.

Pode nos adiantar algo da montagem?
Abel e Caim abrem o espetáculo. São como João Grilo e Chicó. Espertos, oportunistas, sobreviventes. Abel é feito pelo reconhecido ator português Pedro Portugal. Caim pelo inspirado Márcio Fecher tocando pandeiro, gaita, zabumba. Depois é a vez do casal Cordeiro e Frívola, interpretados perfeitamente por Mário Miranda e Marta. É um casal de espectadores que representam a realidade e que interferem na apresentação do espetáculo. E o grupo de comediantes-atores comandados por Noé (Júnior Sampaio) e Aldonça. Eu interpreto Josué – O ministro Castanheira e Dom Henrique, o cardeal. Rafael Amâncio interpreta Jesus e Gilberto Brito os persoangens Rutílio e Tibia.

ENTREVISTA // JÚNIOR SAMPAIO

Júnior Sampaio e a portuguesa Eunice Correia em cena

Do que trata o espetáculo e qual a importância desse texto para o contexto pernambucano
Trata-se de uma releitura poética do Mito de D. SebastiãO. Uma companhia de cômicos/atores acredita que um dia, para salvar o seu povo, representaria com verdade o sonho do desejado, e com tanta verdade brincaria, que El – Rei, na cena, em pessoa, apareceria para ser a própria personagem. Eles sonham… por ser grande o desejo de num novo tempo de viver. Sendo o que são (atores), porém mais respeitados. A importância do texto para o contexto pernambucano se encontra na constante pesquisa que Moncho Rodriguez atua com o seu teatro: a fusão da cultura do nordeste brasileiro e a cultura ibérica. Os pontos em comum entre as duas culturas estão presentes no texto de forma clara e inequívoca. Uma viagem poética pelas influências ibéricas na cultura nordestina. O texto está recheado de referências culturais nordestinas: o bumba-meu-boi, a pedra do reino, o repente, o martelo… Cidades e regiões são citadas ao longo da peça.

Como tem sido a experiência com Moncho?
A minha experiência com Moncho, mais uma vez, é enriquecedora. Há 20 anos que não trabalhava com ele e é como se tivesse sido ontem. Moncho sabe o que quer para o seu teatro e isto provoca uma segurança compensadora para o ator. O seu rigor e a sua poética comprovam-me que o teatro é uma celebração, que o teatro é magia sagrada.

Qual a marca da direção dele nesse trabalho?
A marca e assinatura de Moncho estão presentes em todo o espetáculo. É um espetáculo de Moncho Rodriguez. Moncho dirigiu-me duas vezes em 1990 em Romance do Conquistador, de Lurdes Ramalho, e em 1992 em A Grande Serpente, de Racine Santos. O Desejado tem toda a poética teatral do Moncho. Costumo dizer, se é que isto interessa, que esta é a sua tese de doutoramento!Dois povos, nordestinos do Brasil e portugueses, em um único universo, e sem distinções. Um trabalho onde a magia de unir é o que importa.

Como é a sua personagem?
A minha personagem é Noé, um ator/comediante, dono da companhia, que acredita no teatro como uma arte de transformação. Apaixonado pela sua função, alucinado pelo palco. Noé é um sonhador… e o seu maior sonho é ver o Desejado através da sua arte. Pode-se dizer que é um D. Quixote, um Merlim. Acredita na arte, na palavra, na fé cênica, no teatro. Sonha com o teatro. Noé pode ser qualquer pessoa que sonha que através da arte podemos chegar ao Desejado…desejo de um mundo melhor. Será que Noé sou eu ou eu é que sou Noé? Já não sei! É esperar e viver o sonho do Desejado.

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O sertanejo que virou bailarina

A bailarina vai às compras será apresentada no Rio e em São Paulo, antes de vir ao Recife

“Não compreendo quem sou, só compreendo que estou…estou bailarina”.
(A bailarina vai às compras)

Da última vez em que participou do Janeiro de Grandes Espetáculos, o sertanejo de sotaque português Júnior Sampaio interpretava um professor de história. Agora, ele é uma transsexual, bailarina, compulsiva, sem grana. A bailarina vai às compras estreou em Novembro do ano passado, em Lisboa. Como nos meses de dezembro e janeiro, Sampaio foge do frio e vem matar as saudades da terrinha, também poderemos conferir a sua performance por aqui. Mas, antes disso, ele se apresenta no Rio de Janeiro e em São Paulo.

A sinopse diz que A bailarina vai às compras releva um transexual de meia-idade que faz um espetáculo performativo nos corredores de um supermercado; mas o telefone não para de tocar e ele não tem dinheiro para comprar o que colocou no carrinho, então precisa devolver os produtos para as prateleiras.

A bailarina quer “açúcar, farinha, arroz, bens essenciais que não tem dinheiro para pagar. E acaba por devolver tudo e fazer do ato uma terapia contra a compulsão. E oferece-se ao público vulgar, transformando o supermercado no seu teatro e as caixeiras em público. Como todos nós, a personagem faz teatro para que a amem e para se tratar. E escolhe uma máscara que amplia, distancia, enormiza mas aflora a dor das suas dores. Afinal, a bailarina vai comprar amor. E não tem dinheiro para pagar”, explica a portuguesa Maria do Céu Guerra, que assina a coordenação artística do espetáculo.

“A busca da identidade — que começa por ser de género — vai revelando a necessidade da busca de uma identidade artística, uma individualidade… independente de gêneros, um eu artístico independente de julgamentos e de preconceitos, livre”, completa, Rita Lello, responsável pela encenação.

Em 2010, esse filho mais novo de uma família de sete irmãos, que viveu a infância entre uma fazenda e a cidade de Salgueiro, no Sertão pernambucano, me disse que quando ia começar uma nova peça, “um dos critérios é que não seja parecida com nada que fiz. Fujo muito ‘da minha cara’. Tem que ser uma coisa que o espectador queira, precise ouvir. Ligo as antenas para o mundo. Não gosto de fazer peça para o meu umbigo. Adoro o público”. E o público responde…adorou, por exemplo, as duas performances que ele fez no lançamento do Satisfeita, Yolanda?, no Espaço Muda. 😉

A bailarina… é a 44ª criação da companhia ENTREtanto Teatro, sediada em Valongo, em Portugal.

O ator Júnior Sampaio

Ficha técnica:
Texto e dramaturgia: Júnior Sampaio e Quico Cadaval
Coordenação artística: Maria do Céu Guerra
Encenação: Rita Lello
Interpretação: Júnior Sampaio
Figurinos: Manuela Bronze
Cenografia: Bruno Guerra
Voz: Maria Luís França
Desenho de luz: Vasco Letria
Música: Rui Lima e Sérgio Martins
Movimento: Ruben Garcia e Vânia Naia
Operação deluz e som: André Pires
Design: Vitor Cardoso
Fotografia de cena: Sara Verde
Produção Executiva: Amélia Carrapito e Sofia Leal

Serviço:

Dias: 12, 13 e 14 de janeiro, às 21h30
Onde: Teatro Tablado, Rio de Janeiro
Informações: (21) 2294-7847 / 21 2239-0229

Dias: 19, 20 e 21, às 21h
Onde: Espaço Satyros 1, São Paulo
Informações: (11) 3258-6345

Dias: 24 e 25, às 20h30
Onde: Teatro Barreto Júnior, Recife
Informações: (81)3421-8456

Dia: 27, às 20h
Onde: Teatro Rui Limeira Rosal, Caruaru
Informações: (81)3421-8456

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Corpo em trânsito

Kleber Lourenço em Portugal. Fotos: Jorge Pereira

Ele não aguentou ficar longe do carnaval pernambucano. Encontrei-o trazendo a mala no elevador de um prédio no Centro da cidade, poucos dias antes da folia, dizendo que tinha conseguido agilizar a volta para casa depois de alguns meses em Portugal. Foi lá que Kleber Lourenço concretizou o seu terceiro espetáculo solo de dança contemporânea: Estar aqui ou ali?. Agora, mais uma vez, o bailarino, ator, diretor, performer vai experimentar o deslocamento. Estreia o espetáculo hoje, às 16h, em Petrolina, dentro de uma circulação promovida pelo Sesc, chamada Encena PE.

Muito coerente, aliás, já que o solo trata exatamente do trânsito, das identificações culturais construídas num percurso e os estranhamentos que decorrem desse processo. “Passei três meses sozinho em Portugal, mergulhado no trabalho. Buscando uma relação de reconhecimento nos lugares. E fiquei em Lagos, uma cidade turística, que tem semelhanças com o Recife. Tem uma ligação também com a história da colonização, com a rota de escravos”, conta.

A viagem foi realizada através do Programa de Candidaturas Internacionais do LAC – Laboratório de Actividades Criativas da cidade de Lagos. “Ano passado, oito artistas internacionais foram contemplados por esse projeto, de música, artes plásticas, com quem eu trocava muito”, relembra. Para compor o seu espetáculo, Kleber também viajou por todo o Nordeste à procura de identificar semelhanças e diferenças, estereótipos, a sensação de ser estrangeiro e de como é a adaptação a essa situação.

Já de volta ao Recife, na sala de ensaios do Teatro de Santa Isabel, Lourenço contou com a ajuda do coreógrafo Jorge Alencar, diretor artístico do grupo baiano Dimenti (ele assina a cocriação e colaboração dramatúrgica); e do músico Zé Guilherme, mais conhecido como Missionário José, que cuida das músicas dos espetáculos do intérprete desde Negro de estimação, segundo solo do bailarino. “Desta vez estamos tentando combinar coisas que teoricamente não se misturam, além de discutir a não-negação das músicas do ambiente, já que o espetáculo será apresentado na rua”, explica Missionário José.

Estar aqui ou ali? estreia hoje, em Petrolina

Em Petrolina, para a estreia e a realização da oficina Práticas corporais em trânsito (que já teve as incrições encerradas), o bailarino contará com a ajuda de Jorge Alencar, que tinha sido convidado por Kleber desde 2008 para compor o projeto. “Como colocar as teorias em prática, transformando em cena, isso me interessa bastante”, explica Alencar.

Estar aqui ou ali? ainda vai passar por Araripina, Bodocó, Buíque, Belo Jardim, Surubim, Caruaru e São Lourenço da Mata. No Recife, a apresentação será dentro da Cena bacante, projeto do Palco Giratório, no Espaço Muda, dia 27, às 23h, com a participação de Catarina Dee Jah e Júnior Black. Só aqui na capital pernambucana é que o espetáculo será apresentando num espaço fechado; nos outros lugares, o artista pretende interagir com a cidade e com os seus estímulos, se apresentando em feiras, praças, locais de grande circulação de pessoas.

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