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Uma ópera essencial

Peter Brook tirou a grandiloquência das óperas tradicionais em Uma flauta mágica. Fotos: Ivana Moura

A essência minimalista no teatro do encenador inglês Peter Brook predomina em Uma flauta mágica, espetáculo que fez três apresentações no festival 18º Porto Alegre em Cena – Festival Internacional de Artes Cênicas, de quarta-feira a ontem. Na temporada brasileira, a montagem já havia passado pelo Rio e São Paulo, sempre com casas cheias e acirradas disputas por ingressos. É Peter Brook, um dos grandes mestres do teatro mundial da atualidade.

A adaptação de Brook (em parceria com sua assistente Marie-Hélène Estienne e do pianista Franck Krawczyk) da ópera de Wolfgang Amadeus Mozart (com libreto alemão de Emanuel Schikaneder) rejeita a grandiloquência das encenações operísticas tradicionais e aposta em teor camerístico.

O amor do príncipe Tamino por Pamina, filha da Rainha da Noite, prossegue como fio condutor da peça. Mas uma pequena mudança no título já indica uma nova visão desse diretor inglês de 86 anos. Com sensibilidade, Peter Brook faz da ópera A flauta mágica (1791), Uma flauta mágica, deixando bem claro que a troca do artigo significa a amplitude de possibilidades.

Rainha da Noite e Pamina

Cenário quase vazio, algumas varas de bambu e uns pedaços de tecido. Os bambus são manipulados para sugerir os lugares e, junto com a iluminação, indicam a floresta, o palácio da Rainha da Noite ou a prisão dos dois amantes, Tamino e Pamina, no palácio de Sarastro. Ou mesmo armas e subterrâneos.

Tamino e Papageno

Diversidade étnica do elenco, outra marca de Brook também está lá. A ópera de Mozart é cantada em alemão, com diálogos em francês, e com legendas em português. E não tem orquestra. Apenas o piano magistral de Franck Krawczyk acompanha os cantores e atores.

É uma montagem limpa e límpida, como os olhos azuis do encenador, mas que não abre mão da magia e da ternura da obra. O tempo, é certo, foi reduzido de cerca de quatro horas para uma hora e meia de espetáculo. Mas os aspectos fundamentais estão lá. As mais célebres árias, interpretadas de forma a arrebatar a plateia, ficando a narrativa para os diálogos, o que evidencia o primado da palavra.

Companhia veio ao Brasil com dois elencos

A ação é concentrada e o elenco, que atua de pés nus, é dividido em dois grupos que se revezam. Na noite em que assisti, o tenor Roger Padullés (Tamino), a soprano norte-americana Julia Bullock (Pamina) e Virgile Frannais, como o divertido Papageno, dividiam os papeis centrais e deixaram o público encantado. Ao final, apesar das trevas de alguns personagens, parte do público manifestou que sentiu uma injeção de ânimo, vontade de viver e até de cantar. Mas para além desses desejos, ficam as imagens vigorosas de Peter Brook e sua doação exposta na simplicidade.

Espetáculo já tinha sido apresentado no Rio e em São Paulo

Curioso como criança – Desta vez, o encenador Peter Brook não veio ao Brasil. Enquanto a assistente do diretor, Marie-Hélène Estienne, cuidava dos detalhes da montagem, coube ao pianista Franck Krawcyk falar com a imprensa. Krawcyk trabalha com Peter Brook desde 2007. A pedido do inglês, em 2009, ele idealizou e interpretou um acompanhamento musical para Sonetos de Shakespeare (Love is my sin). A parceria continua agora em Uma flauta mágica.

O pianista Franck Krawcyk participou da adaptação da ópera

Em Porto Alegre, Krawcyk conversou com os jornalistas sobre processo de trabalho. Foi muito simpático e disse que Brook não gosta de discursos. “Ele vai lá e faz”. Sobre as notícias de que o Brook estaria gradualmente deixando a direção do seu Théâtre des Bouffes du Nord (comandado por ele desde a década de 1970), o pianista diz que não percebe isso. “Ele é onipresente. Mesmo que não esteja aqui, estamos o tempo todo ao telefone, ele sabe de tudo, como foram as apresentações, dá direcionamentos”, conta. “Não há sinais de que ele esteja se retirando, nem delegando funções”. O pianista revela ainda que o inglês radicado na França é “verdadeiramente um homem. Aberto a novas experiências, curioso como uma criança, com uma visão ampla da vida, tolerante, de fácil convívio”.

Sobre a adaptação de Uma flauta mágica, o pianista explica que transformou a ópera numa apresentação de música de câmara. Ainda ópera, mas toda ao piano. “Mozart escrevia ao piano e o que buscamos é o Mozart pianista. O cerne da orquestra, aliás, é o piano”, avalia. “Deixamos de lado também os cenários grandes, as convenções da época do Mozart e isso é difícil, porque Mozart era genial com as convenções, e ficamos só com a música”, complementa.

Franck Krawcyk diz que Uma flauta mágica é um espetáculo simples, mas não simplista. “Peter é musicista, Marie-Hélène Estienne é musicista. Mas, como eles vêm do teatro, têm uma noção mais livre do canto. E estávamos procurando a voz natural dos cantores. O que importa é a história, o sentimento e não a ópera”, encerra.

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Entre em becos sai em becos do Foguetes Maravilha

Ninguém falou que seria fácil foi apresentada no Porto Alegre em Cena. Fotos: Ivana Moura

Mãe, pai, uma menina de três anos, uma garçonete que precisa de chupeta, um cara que cai do muro da faculdade que nunca conseguiria terminar para dentro da casa de uma mulher possessiva, um índio, um sapo, o coelhinho Roberval, um bebê chorão. Ufa! É muito personagem na peça Ninguém falou que seria fácil, do grupo carioca Foguetes Maravilha. O Teatro de Câmara Túlio Paiva, em Porto Alegre, estava lotado ontem à noite para a apresentação da jovem companhia. Além do POA, o grupo já participou de alguns festivais, como o Cena Contemporânea, em Brasília, e em outubro segue para Salvador para o Festival Internacional de Artes Cênicas, nos dias 24, 25 e 26.

O jogo inicial proposto pela dramaturgia é bastante interessante. A ilusão inerente ao teatro é afrouxada; você não precisa acreditar que nada ali é factível; até porque as cenas parecem estar sendo urdidas naquele exato momento. Em que o casal entra naquele espaço e começa a procura pela filha de três anos. Mas o marido diz que pode interpretá-la, decide que eles estão num quarto de hotel, ou que a criança está sendo cuidada por Patrick, que logo entra em cena de cuecas e com uma bolsa verde neón fazendo a própria filha.

Não há protagonismos no trio de atores – Felipe Rocha, Renato Linhares e Stella Rabelo – que se revezam em personagens de gêneros, idades, comportamentos completamente diferentes. Num jogo cênico que vai sendo construído em quadros aparentemente independentes, mas que depois se ligam de alguma forma, mesmo que para isso o pai tenha que se transformar no neto que ouve uma história para dormir.

Na montagem carioca, os atores se revezam em vários papéis

A ideia da construção do texto e a maneira como o espectador é levado a entrar no espetáculo com a agilidade, talento e ritmo dos atores se esmaece, no entanto, nos caminhos que a montagem vai tomando ao longo de mais de 1h30 de encenação. É o besteirol que vai alinhavando uma montagem que tinha tudo para ser reflexo de uma ótima dramaturgia contemporânea. Se a escolha não fosse simplesmente pelo riso fácil; pela infantilização dos personagens; por cores que poderiam estar na medida, não precisavam e não poderiam ter tons pasteis, mas também não neón o tempo inteiro.

Afora isso, a impressão ao longo da montagem é de que histórias, personagens e gags são esticadas mais do que deveriam. Poderia ser uma peça de 45 minutos, uma hora. Já teria cumprido o seu propósito e talvez de melhor forma. A partir de determinado momento, mesmo que em situações diferentes, os atores começam a se repetir em suas próprias possibilidades.

A cultura pop, os desenhos animados, o cinema, o vestido Mondrian que a personagem usa, são outras referências que compõem a brincadeira desse grupo que faz da cena uma brincadeira séria, mas ainda brincadeira. O texto é de Felipe Rocha (ele foi, inclusive, indicado ao Shell), que também assina a co-direção de Alex Cassal. Os figurinos são de Antônio Medeiros; iluminação de Tomás Ribas; trilha sonora de Rodrigo Marçal; direção de movimento de Alice Ripoll; e cenário de Aurora dos Campos.

O espetáculo é formado por algumas histórias que parecem independentes

Os atores passam a peça inteira bebendo espumante. Teve ator na plateia que disse que adoraria estar no elenco só por conta disso e de outras coisitas mais!

Felipe Rocha, Stella Rabelo, Renato Linhares

Montagem, que fez temporada no Rio, passou por Brasília e Porto Alegre, será apresentada também em Salvador

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Uma pausa para a música

Philip Glass se apresentou ontem, no Porto Alegre em Cena. Foto: Mariano Czarnobai

Lindo o concerto de Philip Glass e Tim Fain no Theatro São Pedro, no Porto Alegre Em Cena. Foi a única apresentação do americano por aqui. Como não tinha ido para a Mimo, em Olinda, porque estava no Rio vendo Tim Maia – Vale tudo, o musical, adorei a segunda chance.

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Quando o dinossauro está no meio da sala

Em Pterodátilos, Nanini interpreta uma adolescente e um presidente de banco. Fotos: Ivana Moura

O chão da sala ainda está inteiro quando a peça começa. O teatro lotadíssimo. Depois vão se abrindo fendas que se transformam em buracos enormes, até que tudo esteja destruído e o público também seja levado a se sentir caindo ali dentro. Todos acompanham com risos – que podem ser nervosos – ou num silêncio cheio de expectativa e espanto. A cenografia construída por Daniela Thomas não é só um elemento de apoio, complementa a dramaturgia, serve como metáfora e reflexo do espetáculo Pterodátilos, que ganhou três prêmios Shell de teatro (levou a estatueta nas três categorias em que concorreu: melhor ator, melhor atriz e cenário) e quatro categorias no APTR: melhor espetáculo, produção, ator protagonista e cenografia. A montagem estrelada por Marco Nanini, Mariana Lima, Alamo Facó e Felipe Abib foi apresentada ontem no Porto Alegre em Cena no Salão de Atos da UFRGS. A direção é de Felipe Hirsch. A peça deve chegar ao Recife nos dias 28 e 29 de outubro, no Teatro da UFPE.

O texto de Nicky Silver é desconcertante. Tem tiradas rápidas e frases de efeito que surpreendem. Toca em questões como esfacelamento das relações, consumismo exacerbado, ditadura da beleza, sexualidade. Aliás, não é a primeira vez que Nanini entra em contato com esse texto. Em 2002, ele e Marieta Severo encenaram Os solitários, que era formado por dois textos do norte-americano: Pterodátilos e Homens gordos de saia. (Alguém viu essa peça?)

Todd voltou para casa com uma notícia: está com Aids

Na família de Pterodátilos, em determinado momento os laços de afeto parecem inexistir. Ou melhor, cada um foi se isolando no seu mundo e depois que os nós que os uniam foram sendo afrouxados, não tinha mais como apertar. Se é que algum dia eles estiveram rígidos. Nanini interpreta Ema e Artur, pai e filha. Depois de uma relação ‘intensa’ de três semanas, Ema decide se casar. Vai apresentar o namorado garçom (Felipe Abib) à mãe (Mariana Lima) viciada em grifes e whisky e o garoto acaba virando empregada da casa. O filho Todd (Alamo Facó) chega de uma longa temporada em Londres com a notícia de que tem Aids. E o pai que só queria ser locutor de rádio até tenta se aproximar do filho (ouvindo detalhadamente as descrições de suas relações) e perde o emprego como presidente de uma grande empresa. Tudo é instável, está em ruínas, mas há egoísmo demais para que alguém consiga olhar para o outro.

Nanini alterna o histerismo da garotinha de 15 anos à austeridade do pai de família apenas com a rápida troca de roupas. E a sua interpretação deixa à mostra a superficialidade dos dois personagens. Quando está no palco, o pernambucano de nascimento concentra as atenções: tem pleno domínio do que faz e das suas potencialidades, seja usando terno ou envergando um vestido de noiva.

Montagem fez temporadas premiadas no Rio e em São Paulo

Já o papel da Mariana Lima (a rainha Helena em Cordel encantado) parece ‘exigir’ muito mais dela. E ela não deixa barato. É uma mãe louca, que desprezava a filha gorda, tinha adoração pelo filho e (sexual) pelos amiguinhos de adolescência dele, uma mulher que prefere que o marido tenha amantes do que seja um desempregado. Além disso, está sempre com um copo de whisky na mão. Mariana achou o tom certo para que o personagem não virasse uma caricatura. Os outros dois atores – Álamo e Felipe – também estão bem em cena.

Cenografia – Tenho que voltar a falar da cenografia, que é de Daniela Thomas; e da iluminação de Beto Bruel. Daniela imaginou uma sala que é uma plataforma suspensa; como já disse, as madeiras do chão vão sendo retiradas pelos atores e valas se abrem no assoalho. Lá estão os ossos do pterodátilo do título. Além disso, a plataforma pende para um lado ou outro, o que faz com que os atores tenham que lidar com o desequilíbrio e que essa mesma característica na história seja acentuada. A sala tem só três sofás austeros, pretos. Já a iluminação é bastante precisa. Tem sempre uma névoa cobrindo aquelas pessoas e a distância entre elas pode aumentar bastante dependendo da iluminação, mesmo que elas teoricamente estejam travando uma conversa que deveria ser íntima. Como? Se pai nem olha no olho do filho? Foram as relações humanas que entraram em extinção. Não os dinossauros.

Pterodátilos será apresentada no Recife nos dias 28 e 29 de outubro, no Teatro da UFPE

Ah…achei esse link no New York Times. É o autor Nicky Silver falando sobre os seus personagens: http://nyti.ms/pKmSiK

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