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Os gênios fabricados pelo mercado de arte

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Inútil a chuva investiga o poder da ausência e os mecanismos da arte contemporânea. Foto: Divulgação

A ausência pesa feito chumbo na nova montagem do Armazém Cia. de Teatro. Inútil a Chuva traça questionamentos existenciais, artísticos e políticos a partir do desaparecimento do pai. Ele deixou uma carta de suicídio e sumiu, sem que seu corpo fosse encontrado. Suas pinturas, até então ignoradas pela indústria cultural, são alçadas ao patamar de obras de arte geniais. O espetáculo faz três apresentações no Recife, no Teatro de Santa Isabel, hoje e amanhã, às 20h, e domingo, às 18h.

O desaparecimento provoca uma reviravolta na família em todos os aspectos. Entre sentimentos enraizados eclode um debate sobre a arte contemporânea e sua legitimação, que margeia toda a peça.  O sucesso póstumo reforça essa reflexão sobre os mecanismos no mercado das artes, muito pertinente para os dias que correm.

O texto escrito a quatro mãos, por Paulo de Moraes e seu filho Jopa Moraes, expõe essa família que rema em busca da presença e da resolução da dúvida. O pintor diletante teria se matado ou simplesmente largado a mulher, Lotta (Patrícia Selonk), e a prole, formada por Slavoj (Leonardo Hinckel), Claude (Tomás Braune) e Sarah (Andressa Lameu)? Além desses personagens aparecem a jornalista Vivian (Amanda Mirasci), que quer descobrir o que está por trás da repentina valorização da obra e um amigo do desaparecido, Matthias (Marcos Martins).

Com iluminação assinada por Maneco Quinderé, figurinos de Rita Murtinho e direção musical de Ricco Viana, o espetáculo mergulha em sombras dessas almas atormentadas diante da ausência.

 

Inútil a Chuva

Ficha Técnica
Direção:
Paulo de Moraes
Dramaturgia:
Paulo de Moraes e Jopa Moraes
Elenco:
Patrícia Selonk, Andressa Lameu, Leonardo Hinckel, Tomás Braune, Marcos Martins e Amanda Mirasci
Iluminação:
Maneco Quinderé
Cenografia:
Paulo de Moraes e Carla Berri
Figurinos:
Rita Murtinho
Direção Musical:
Ricco Viana
Design Gráfico:
João Gabriel Monteiro e Jopa Moraes
Produção de Vídeos:
João Gabriel Monteiro
Fotos:
Mauro Kury e João Gabriel Monteiro.
Assistente de Direção:
Lisa Eiras
Técnico de Montagem:
Regivaldo Moraes
Preparação Corporal:
Maíra Maneschy e Patrícia Selonk
Produção Executiva:
Flávia Menezes
Produção:
Armazém Companhia de Teatro

SERVIÇO
Inútil a chuva, do Armazém Companhia de Teatro
Onde: Teatro de Santa Isabel – Praça da República, s/n, Santo Antônio
Quando: Hoje e amanhã, às 20h e domingo, às 18h
Quanto: R$ 40 e R$ 20 (meia) – quem tem Cartão Petrobras tem 50% de desconto na compra de até dois ingressos
Informações: 3355-3323

ENTREVISTA // PAULO DE MORAES

Paulo Moraes é diretor do Armazém de Teatro, que nasceu no Paraná e se estabeleceu no Rio

Paulo Moraes é diretor da Armazém Companhia de Teatro, que nasceu no Paraná e se estabeleceu no Rio

Paulo de Moraes, você já comentou que o Armazém, prestes a completar 30 anos, é mais do que um trabalho, é uma escolha de vida. Quais as principais surpresas e atropelos do caminho?
Trabalhar em grupo é um exercício constante de “valorização do coletivo”, de percepção do outro. É preciso estar atento. Talvez essa seja a maior dificuldade, estar sempre atento ao outro, ao movimento do outro, aos desejos do outro. Não é fácil, muitas vezes a gente perde o pé, a gente se desequilibra. Mas é preciso essa disposição, esse querer.

 

                   “A gente quer construir um mundo particular        que leve o espectador ao jogo”

 

Existe uma filosofia que norteie essa trajetória?
Existem coisas que são princípio e síntese no trabalho do Armazém. A tentativa de criar um universo teatral particular a partir de referências cruzadas está na origem do grupo. Quando a gente começa um trabalho, a gente não quer montar uma peça, a gente quer construir um mundo particular que leve o espectador ao jogo, à arena. E a gente vai se cercando de parceiros que ativam esse pensamento. No caso de Inútil a Chuva, a pintura de Ushio Shinohara, a narrativa fincada na quebra do tempo feita pelo cineasta Richard Linklater, a prosa cômica e amarga de David Foster Wallace. Há um mundo que queremos refletir e, mesmo que a gente já tenha quase 30 anos de trajetória, continuamos inseridos neste mundo. A tentativa de que forma e conteúdo sejam algo quase indissociável continua sendo o centro da nossa busca. O que norteia o trabalho é sempre a sala de ensaio, as discussões sobre o mundo, sobre a arte, sobre os amores que atravessaram nossas vidas no último verão, sobre o depoimento que queremos deixar sobre o nosso tempo. A arte está ligada à ideia do homem de conseguir estender o tempo.

Vocês já vieram ao Recife com vários espetáculos, eu diria que a maior parte do repertório. Como o Armazém percebe o público da cidade?
Que delícia voltar pra Recife sempre, uma cidade com tantos artistas importantes, originais. Com grupos pelos quais temos muito carinho, com amigos que a gente sempre reencontra. A gente esteve aí, pela primeira vez, no ano 2000, apresentando Alice Através do Espelho, no Festival de Recife. E foi um acontecimento. Os ingressos se esgotaram muito rapidamente e o público fez um abaixo-assinado para novas apresentações. Era uma fila imensa de gente sem ingresso aguardando antes da cada apresentação. Desde lá, sempre que temos um novo trabalho, Recife é – junto com Belo Horizonte – a primeira cidade que queremos visitar.

Atualmente vocês são patrocinados pela Petrobras. Qual o papel de um patrocinador como a Petrobras para a manutenção e processo criativo do grupo?
Essa parceria que temos com a Petrobras já ha tantos anos, tem sido fundamental na consolidação do trabalho da companhia. Por quê? Primeiro, porque nunca houve uma interferência artística em nossos projetos. Sempre estivemos à vontade para contar as histórias que nos representassem, sem nenhum empecilho. E, depois, porque é um patrocínio que visa circulação, que quer levar o teatro para lugares muito diferentes, por um preço bastante acessível ou, muitas vezes, de graça, contribuindo para formação de plateia. Aqui mesmo no Recife, muitos ingressos foram oferecidos a escolas e ONGs. Não é um patrocínio que te amarra. Tem sido, isso sim, libertador. E isso se deve muito às pessoas que trabalham com patrocínio cultural lá dentro da Petrobras e que tem uma visão aguda sobre a importância deste tipo de manutenção. Agora, é claro que eu gostaria que muito mais coletivos tivessem também essa oportunidade. Faltam mais projetos, faltam políticas públicas e sobram pessoas talentosas e que têm muito a dizer.

O título de uma obra diz muito e vocês tem títulos incríveis. Inútil a chuva, me parece, traz uma desesperança no título. Isso procede?
Para nós o título, ao contrário, é esperançoso. O título refere-se a um momento, já no fim da peça, em que alguns personagens seguem remando apesar da chuva que os alcança no caminho. É inútil que a chuva caia. Eles vão seguir remando, vão seguir em frente. Mas todo título está aberto a um monte de leituras. E é bom que seja assim.

 

                          “A suposta ‘reconstrução’ dessa obra e dessa                           vida a partir de fragmentos incompletos          norteia o espetáculo”

 

A peça é formada por oito quadros vivos. O aspecto visual ganha mais relevância na montagem?
Esses oito quadros, que estruturam a dramaturgia e a encenação, não aparecem no espetáculo exatamente como quadros vivos – à moda do Bob Wilson, por exemplo. Não é um tableau. Em Inútil A Chuva, esses quadros são parte da obra-imaginada de um pintor desaparecido, todos pintados anos antes do momento que a ação dramática se desenrola de fato. É como se esses quadros do passado agora voltassem materializados no palco e na vida desses personagens (que estão, querendo eles ou não, extremamente ligados a esse sujeito pintor). A cada momento, os quadros surgem de uma forma distinta, às vezes aparecem como imagem, outras como reflexão filosófica, música, dança. A suposta “reconstrução” dessa obra e dessa vida a partir de fragmentos incompletos norteia o espetáculo, de certa maneira. Então, sim, há uma preocupação com a visualidade da montagem muito ligada a esses quadros. A partir da luz do Maneco, dos poucos elementos cênicos, das cores do figurino. Mas acredito que há uma organicidade um equilíbrio muito grande entre essa visualidade e o ator como figura determinante da cena. 

A dramaturgia é assinada por você e seu filho Jopa Moraes? Sua mulher também é atriz do Armazém. Quais as dores e delicias de trabalhar em família?
O teatro é formador de famílias, não é assim? Tão natural isso pra mim. Quando o Armazém veio de Londrina pro Rio, em 1998, tentando conseguir melhores condições de trabalho pro grupo, durante um bom tempo moramos quase todos no mesmo apartamento. Mesmo depois, cada um em seu canto, a essência de uma relação muito próxima e viva continua. O Jopa cresceu em contato com essa gente de teatro, sempre participando das conversas, sempre nas viagens que o grupo fez por esse Brasil imenso e fora do país também, assistindo tanta gente bacana por esses palcos, é natural que ele vá encontrando seu lugar como criador também. E a parceria entre nós dois na dramaturgia só me alimentou de coisas positivas. Já a Patrícia, é muito mais que minha mulher, além de ser fundadora da companhia, é uma das atrizes mais importantes do Brasil. E isso não sou eu que digo.

 

              “Acho que o bacana de uma análise de teatro é                              quando tenta compreender e interpretar o                                  evento teatral a partir daquilo que ele tem                      e não pela lógica do que está faltando”

 

Li algumas críticas sobre o espetáculo e que falam de ineficiência da dramaturgia, principalmente no que se refere ao acabamento de personagens. O que você diria sobre isso?
Também li críticas muito positivas e que enxergavam na dramaturgia e em sua estrutura qualidades muito interessantes. Em uma das primeiras versões do texto, a personagem Lotta, em uma conversa com uma curadora de um grande museu, dizia: “Em arte, sempre vai ter alguém para gostar (ou não) do que um outro alguém faz. É por isso que não se pode levar muito a sério um elogio.” Acho que o mesmo vale para algumas críticas negativas. O último espetáculo da companhia, O Dia em que Sam Morreu, recebeu prêmios na França, na Escócia, em São Paulo e no Rio. E isso não impediu que alguns críticos achassem a dramaturgia esgarçada demais. Quem está certo? Acho que o bacana de uma análise de teatro é quando tenta compreender e interpretar o evento teatral a partir daquilo que ele tem e não pela lógica do que está faltando. A obra que o autor quis fazer, não a que está na cabeça do crítico. A partir daí, pode haver diálogo. Para nós, eu e Jopa, a dramaturgia da peça é completamente calcada na construção de personagens. Ou, melhor dizendo, nas situações em que os personagens encontram uns ao outros e na maneira como vão revelando suas diferenças e particularidades a partir da presença desse outro. E, sim, acreditamos muito na potência deles.

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