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Por uma Paixão humanizada
Os números gostam da Paixão de Cristo de Nova Jerusalém. O megaespetáculo apresentado durante nove dias atraiu 75 mil pessoas, sendo 61% de novos visitantes. De acordo com uma pesquisa realizada pela Fafire junto ao público, 78% consideraram a encenação excelente e 21% boa. É uma montagem que tem um potencial de sucesso por décadas.
Mas por trás dos números, e acima deles, estão as pessoas, as relações estabelecidas no interior das muralhas, que encantam milhares de espectadores. Nos bastidores, as turbulências parecem que foram maiores do que em outras temporadas. Um comentário aqui, outro ali, deixavam no ar certa insatisfação. Talvez a centralização de poder ou a distribuição de tarefas hercúleas.
Desde 1997, quando os atores de projeção nacional passaram a ocupar os papeis principais, o perfil da Paixão de Nova Jerusalém mudou. O primeiro a substituir José Pimentel no papel principal foi Fábio Assunção. O último, Thiago Lacerda, que aos 33 anos se despediu do personagem. Ele interpretou Jesus por sete vezes, sendo três delas (em 2004, 2008 e agora) no Agreste pernambucano.
Exuberante é uma palavra que traduz a peça, pelos cenários suntuosos, som e luz, belos figurinos e atuações em sua maioria convincentes. Depois da maratona de apresentações, da convivência forçada com centenas de pessoas, Lacerda fez uma avaliação e deu sugestões para o futuro da Paixão.
entrevista >> Thiago Lacerda
“Jesus pode ser qualquer ator, pernambucano ou não”
Como você avalia suas três participações em Nova Jerusalém?
Estou muito feliz, gratificado. É a sensação de ter mais uma vez passado por aqui e feito com carinho, de forma plena. Desta vez foi ótimo, o elenco unido. E isso depende da maneira como as pessoas se comportam. Quando você lida com artistas, com vaidades, com liberdade criativa, com a loucura de cada um, quando você tem muita gente, as coisas podem “meio” que desandar. Mas não. A gente conseguiu orquestrar tudo com muita honestidade. Pessoalmente algumas coisas no início foram meio confusas, mas tudo foi resolvido, de alguma forma as coisas foram ditas, foram percebidas. Espero que eu tenha contribuido para que esse sonho do Plínio (Pacheco) perdure. E não tenho dúvidas de que isso depende de cada uma das pessoas que estão em cena e das que estão fora de cena, principalmente. A dedicação das pessoas que fazem isso acontecer, das meninas que trabalharam aqui, dos homens, que muitas vezes ficam dias sem ir para casa. Torço para que cada vez mais essas pessoas sejam respeitadas, integradas, que esse mecanismo seja mais participativo. Acho que isso aqui tem uma importância cultural gigantesca, é muito maior do que Fulano, Beltrano, eu, enfim, quem quer que seja. Minha única intenção sempre foi contribuir para que isso continue reverberando. Eu botei um tijolinho na história da encenação de Fazenda Nova e fico muito orgulhoso.
Que sugestões você daria para que o espetáculo melhore?
Gostaria de ver esse espetáculo maior. Fiquei brincando, pedindo cenas e passagens que julgo importantes. Queria ver Salomé nesse espetáculo, João Batista, Lázaro, Verônica, Madalena lavando os pés de Jesus. É uma questão de resolver isso cenicamente, mas é possível. O que diz respeito à administração, produção, me parece que a coisa tomou um tamanho muito grande. E percebo o Robinho (Robson Pacheco), por exemplo, que é o grande condutor de tudo isso, numa posição dificílima, porque ele tem um gigante nas mãos. Fico pensando que ele vai precisar de ajuda autônoma, para conduzir melhor tudo isso. Me parece que, em alguns momentos, ele vai precisar delegar. A Xuruca, na minha maneira de ver, por exemplo, é uma figura importante artisticamente, na lida com os artistas. A questão financeira de tudo isso deve ser uma grande loucura. Mas acho que ele tem que tratar isso de uma forma humana. Não sei, não posso falar muito sobre isso, mas torço para que a coisa aconteça de uma forma cada vez mais humana. Acho muito complicado você ter jornadas de trabalho tão longas. Pessoas entram aqui seis horas da manhã e saem meia-noite. Tudo bem, são 15 dias por ano, mas chega no oitavo dia, nono dia, ainda faltam mais cinco, seis, as pessoas já estão exauridas. Acho que as jornadas deveriam ser mais humanas, para as pessoas que não aparecem. Mas não sei o que isso significa em relação ao todo. Mas sinto as pessoas muito tensas, cansadas. E ouvi algumas vezes: “ah, próximo ano eu não faço mais, não dá”. Existem grandes parceiros da Sociedade Teatral e esses parceiros precisam ser preservados. Mas eu admiro muito a capacidade de colocar o gigante de pé. Então eu perdoo qualquer impasse, qualquer vacilo, porque é humano também, né?
O que você acha de termos um Jesus pernambucano?
Acho ótimo. Não vejo porque não, nem porque sim. Pode ser qualquer ator. Os atores pernambucanos são talentosos o suficiente para liderar um elenco desses, para liderar um espetáculo desses. Aqui mesmo tinham alguns atores que poderiam perfeitamente fazer esse personagem. A questão de ser um ator nacional é uma questão comercial. E comercialmente faz sentido. Mas não acho que seja fundamental. Seria incrível revelar um ator pernambucano para o Brasil através desse espetáculo próximo ano. Acharia ótimo que fosse um ator pernambucano, desde que ele seja capaz de fazer bem o personagem; acharia ótimo que fosse um ator de fora de Pernambuco, desde que ele seja capaz de fazer bem. De onde o cara é? Sinceramente não me interessa muito! Me interessa ver o resultado e que ele tenha carisma, força, inteligência. Que tenha talento.
De uma das últimas vezes que conversamos, você disse que tinha um projeto no teatro, mas não podia revelar. Já pode?
Vou montar um Shakespeare ano que vem. Era para ser esse segundo semestre, mas tive que jogar um pouquinho para lá.
Tragédia?
Sim.
Macbeth?
Calma! Vai ser uma tragédia, vai ser um clássico, vai ser um Shakespeare. Mas certamente venho para Pernambuco, porque tive uma experiência com Calígula lá no Recife e não tem sentido montar outro espetáculo e não viajar o Brasil e não vir para cá.
E fora esse, quais são os novos projetos?
Fiz uma participação nessa novela que está no ar, no Cordel Encantado. Tenho também uma apresentação com o maestro Isaac Karabtchevsky em São Paulo, dia 18 de maio, um projeto dele que eu sou parceiro. A narração de uma peça do Mendelssohn para Sonho de uma noite de verão, do Shakespeare. Tenho um filme para rodar em Portugal, que eu não sei se vou conseguir rodar no meio do ano. Tenho O tempo e o vento para rodar no início do ano que vem, com direção do Jayme Monjardim, adaptação da obra do Érico Veríssimo. E tenho esse espetáculo no segundo semestre.
Macbeth?
Não é o Macbeth. Ainda. Mas… Agora entre maio e fevereiro provavelmente eu vou fazer a próxima novela das seis. O Jayme (Monjardim) já falou comigo. Ficou só de acertar uma questão de personagem. Existe uma ideia, que é falar dos Médicos sem fronteira; e eu me apaixonei pela ideia, porque me interessam os personagens. O personagem é o meu principal foco de interesse.
Paixão de Cristo de Nova Jerusalém – temporada 2011
Para cristãos ou não, ateus, agnósticos, crentes ou descrentes, Nova Jerusalém – a cidade cenográfica onde é realizada há 44 anos a encenação da Paixão de Cristo no Agreste pernambucano – é um impacto de beleza. Só isso já valeria a pena se deslocar para conferir a representação dos derradeiros dias, morte e ressureição de Jesus. Um chamariz a mais neste ano é despedida do ator Thiago Lacerda do papel principal. Ele encarnou Jesus sete vezes, sendo duas delas em Fazenda Nova, em 2004 e 2008. Agora, aos 33 anos, ele quer fechar o ciclo. Mas deixa aberto que pode até voltar, mas para viver outros personagens.
A temporada deste ano da Paixão de Cristo de Nova Jerusalém começou quinta-feira, com apresentações para convidados do governador (que levou muitos prefeitos), da produção e a imprensa. Cerca de duas mil pessoas acompanharam a primeira sessão deste ano da encenação no maior teatro ao livre do mundo, como é conhecido e admirado.
Fafá de Belém, a eterna musa das Diretas Já, também está no elenco, no papel de Maria. “Minha relação com Maria é de antes de eu nascer. Sou Fátima em homenagem à Nossa Senhora de Fátima”, contou depois da apresentação de quinta-feira. Ela disse que para compor o papel também levou para a cena o lado humano, da mãe. “Ela gerou o filho e ele foi pro mundo… mas quando ele volta humilhado, martirizado, ela tem, na minha leitura, o delírio humano. Da mãe que no último momento acredita que o Senhor não vai cumprir com o que ficou acordado e que vai salvá-lo”.
A encenação é grandiosa e isso requer uma sincronização entre gestual largo dos atores e o áudio gravado com antecedência. No meio disso, a emoção dos atores. A atriz Vanessa Lóes, esposa de Thiago Lacerda, que desta vez faz Madalena, comentou que isso limita a emoção do ator, mas a maioria do elenco reconhece essa dificuldade. Quem olha de longe não faz ideia. O ator Sidney Sampaio é estreante na Paixão e talvez o mais jovem Pilatos da história de Nova Jerusalém.
A atuação do protagonista é apaixonada, mas tem algo de contido. Uma maturidade para o papel que às vezes se expressa até na introspecção. Sidney Sampaio, traz um tom mais reflexivo para o seu Pilatos. Ele saboreia o texto e faz o público prestar mais atenção nas falas sobre o poder. Fafá de Belém como Maria tem dois momentos de destaque. Quando Jesus carrega a cruz e na Pietà. Vanessa tem um desempenho discreto. Os diretores Carlos Reis e Lúcio Lombardi poderiam pensar em ampliar um pouco os papéis femininos.
Os quatro atores mais famosos desta montagem foram unânimes em elogiar a mão-de-obra local. Os atores que têm papel com falas e os figurantes, recrutados entre os moradores do Brejo da Madre de Deus. “O elenco local é maravilhoso, tem pessoas que já estão na peça há 20, 30 anos, que trazem muita generosidade, eles são nossos orientadores maiores”, ressaltou Fafá de Belém. “É uma quantidade enorme de atores pernambucanos de talento, que muitas vezes a gente lá de baixo não tem oportunidade de conhecer”, complementa Lacerda.
É verdade, são muitos bons atores pernambucanos no elenco. Alguns me chamaram mais atenção desta vez, como Ricardo Mourão, Ednaldo Lucena, Severino Florêncio, Alberto Brigadeiro, Zé Barbosa (que eu já confundia com o próprio Cristo), Júlio Rocha, Jones Melo, João Ferreira. Mas tem muitos outros.
Depoimentos
“Madalena é uma personagem forte e misteriosa. É um presente para qualquer atriz. Lamento fazer em etapas esse trabalho. Primeiro a gente grava e no outro dia a gente faz a interpretação. Gostaria de fazer Madalena com liberdade de atuação como um todo… É maravilhoso trabalhar com Thiago”.
Vanessa Lóes – Madalena
“Pilatos era um grande egoísta. Fica a lição de que a omissão pode levar a consequências bem graves. É um grande desafio, nunca tive oportunidade de vivenciar algo semelhante. Eu aprendi muito nesses dias. Trocando com atores mais experientes, buscando informações, vou sair daqui com outra bagagem”.
Sidney Sampaio – Pilatos
“O grande desafio é esquecer quem somos e fazer parte de um contexto, para uma encenação como essa. É tirar o ego do artista bem-sucedido, conhecido. Vocês não sabem as coisas que a gente ouve ali…Pra mim a cena mais forte é a Pietà. Espero que essa Maria fique carinhosa no coração de todos como está no meu”.
Fafá de Belém – Maria
“Não dá pra passar por esse personagem sem repensar uma série de coisas… Meu Jesus apesar de proposta tradicional, tem subtexto revolucionário… Prefiro acreditar nesse personagem como homem a quem foi dada uma tarefa. Essa é uma história de perseverança e disciplina. Ele tem desejo, vacila, tem defeito”.
Thiago Lacerda – Jesus