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Dois solos da Súbita Cia na Oswald de Andrade

 

Janaina Matter apresenta Mulher como você se chama? Foto: Elenize Desgeniski / Divulgação

O Arquipélago, com Pablito Kucarz. Foto: Elenize Dezgeniski / Divulgação

Muitas mulheres foram silenciadas, algumas perderam o direito ao nome. A personagem bíblica do Antigo Testamento, que foi casada com Ló, ficou conhecida como aquela figura transformada em uma estátua de sal. Não há registro na Bíblia sobre sua vida pessoal, nem mesmo o nome é revelado. Apenas que foi casada com Ló, sobrinho do patriarca Abraão, e que foi punida ao desobedecer às ordens divinas de não olhar para trás, na fuga de Sodoma.

O solo Mulher, como você se chama?, de Janaina Matter, considera a exclusão de mulheres que deixaram alguma marca no mundo e tiveram seus nomes apagados. Já o monólogo O Arquipélago, de Pablito Kucarz parte da sugestão geográfica do título – de pequenas ilhas que estão próximas, mas separadas por águas salgadas – para pensar as relações familiares.
As duas peças da Súbita Companhia, de Curitiba, integram o projeto Habitat, formado por cinco solos, que investiga a relação do corpo como uma casa, buscando nele questões poéticas, políticas e estéticas. 

Os dois solos, que têm direção de Maíra Lour, ficam em cartaz na sala 7 da Oficina Cultural Oswald de Andrade, de 8 a 12 de março, de terça a sexta, às 20h e sábado, às 17h, gratuitamente, É a primeira vez que a Súbita companhia faz uma temporada em São Paulo.

Solo discute apagamento de mulheres. Foto: Elenize Desgeniski / Divulgação

Janaina Matter utiliza o sal como principal elemento cênico, para trabalhar o conceito de corpo como espaço de memória, permanência, criação. Em Mulher, como você se chama?, a atriz adota a ideia de carregar muitas histórias em um só corpo, assumindo a ancestralidade e a ascendência para refletir se silêncio é abismo ou ponte.

Já Pablito Kucarz avança nos seus territórios em discussão sobre bullying, machismo, violência e homofobia vividas no adolescência. Ele elege como elemento cênico um copo d’água, que metaforiza a ideia do arquipélago. E ao oferecer o copo d’água ao público busca uma cumplicidade, um pacto cênico.

FICHA TÉCNICA DO PROJETO
Direção artística: Maíra Lour
Elencos: Janaina Matter e Pablito Kucarz
Iluminação: Beto Bruel
Desenho de som: Álvaro Antonio
Cenários: Guenia Lemos
Figurinos: Val Salles
Orientação dramatúrgica: Camila Bauer
Interlocuções artísticas: Francisco Mallmann e Lígia Oliveira
Treinamento de voz: Babaya
Direção de produção (montagem): Michele Menezes
Direção de produção (circulação): Gilmar Kaminski
Assistente de produção: Dafne Viola
Coordenação e operação de luz: Lucri Reggiani
Coordenação de som e operação: Álvaro Antonio
Assessoria de imprensa: Canal Aberto
Assistentes de assessoria de imprensa: Daniele Valério e Diogo Locci
Realização: Súbita Companhia
Produção: Flutua Produções
Produção local: Leneus Produtora de Arte

SERVIÇO
Quando: De 8 a 12 de março de 2022 (Terça a sexta, às 20h e sábado, às 17h)
Onde: Oficina Cultural Oswald de Andrade (Rua Três Rios, 363 – Bom Retiro, São Paulo)
Capacidade: 30 lugares (Sala 7)
Ingressos: Grátis. Retirar com 1h de antecedência.
Duração: 100 minutos (com intervalo)
Classificação: 14 anos
Atenção: será exigida apresentação da carteirinha de vacinação contra a COVID-19 atualizada.

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Andanças de uma mulher que foi à luta
Crítica de Penélope

Pablito Kucarz e Uyara Torrente, vocalista da Banda Mais Bonita da Cidade. Foto: Reprodução do Instagram

Penélope inspira, respira, transpira. Mas como é longo o caminho e incerto o destino. Desta vez, ela não espera pelo retorno de Ulisses, como condenou Homero. Essa mulher foi à luta, mesmo fraturando sentimentos. Ela não é vítima, é senhora de si. Os riscos são enormes. Mas o benefício é estar viva e bulindo.

Penélope é uma performance cênica, ao vivo, pelo Instagram. Mas você pode chamar do que quiser. Ela não liga. Depois de tantas coisas pelas quais passou, essa moça também procura a palavra certa para denominar coisas, emoções, pessoas, a-c-o-n-t-e-c-i-m-e-n-t-o-s.

Esse construto ficcional, com texto vigoroso e delicado de Ligia Souza, criação da diretora Nadja Naira em parceria com Paulo Rosa e Álvaro Antônio, e atuação dos atores Pablito Kucarz e Uyara Torrente (da Banda Mais Bonita da Cidade) está carregado de muitas boas surpresas. Nessa época de oferta farta de experimentos cênico-tecnológicos, encontrar pertinências faz a diferença.

O trabalho consegue criar um ritmo que traduz os tempos da peça, na combinação de telas e enquadramentos, difíceis para a plataforma tão fixa do Instagram. O desenho de luz também é meticuloso. Todo esse aparato técnico potencializa a experiência artística.

 

E seguimos com a nossa “guerreira contemporânea”, controversa, quase uma outsider. Ela saiu no encalço do seu desejo. Viajou. Foi ao estrangeiro na busca do seu interior. Como ocorreu, ocorre, ocorrerá com muitos homens. Luís, por exemplo, do francês Jean-Luc Lagarce, foi e nem de longe se compara a cobrança a ele imposta. Mas ele é homem, alguns dizem/diriam/dirão. “Mas eu sou mulher”, pode retrucar Penélope.

O irmão usa desse clichê. Caberia a ela, como mulher, cuidar da mãe, cuidar do pai. Cobranças e acusações formam um terreno arenoso. Os irmãos estabelecem um diálogo profundo, concretizado em tempos esparsos, de meses ou anos. É difícil esburacar essas camadas. Resgatar afetos.

Como Molly, de Ulisses de Joyce, a “ausência presente” pesa nos movimentos que transpassam o tempo. Os silêncios camuflados nas entrelinhas são tão significativos quanto as palavras. Atravessam as estações das personagens, irmãos, tão próximos, tão distantes, nessa turnê de escuta, quem sabe em busca de cura.

Por trás das ações do mano, na cabeça dele está uma irmãzinha subserviente, que calava e concordava ao desejo masculino. Ela, a irmã, a filha, dá motivos para deslocamentos e inações dos homens da sua família. Na ausência, ela é uma sombra, que não fala, mas é especulada constantemente.

Mas a protagonista ocupa seu lugar de fala. Se revela plenamente. Ela rejeitou papeis, erotização e sexualização de sua figura, desautorizou quem quis transformá-la apenas em beleza, musa, ninfa. Recusou ser adorno para as sensibilidades dos outros.

Não a filha de fulano ou a irmã de sicrano. Mas ela é por si.

O trabalho discute misoginia e sexismo, sem que isso vire um discurso pesado. Tanto tempo, anos já nos separam da obra-prima do gênio de Joyce, mas os desvios dos padrões patriarcais ainda precisam ser repensados. Essa mulher que sai ainda carece se impor em lutas diárias para ser entendida em sua complexidade. O sistema de classe ainda é dominado por homens, que querem dar as regras, mesmo que sob o signo do amor.

Mas o amor também é um aprendizado. Longo, lento, doloroso aprendizado.

A dramaturgia de Penélope, primeira empreitada do selo La Lettre, foi publicada em livreto. A apresentação é da Yolandinha Pollyanna Diniz.

FICHA TÉCNICA:
Dramaturgia: Ligia Souza
Direção: Nadja Naira
Elenco: Uyara Torrente e Pablito Kucarz
Colaboração: Paulo Rosa e Álvaro Antonio
Produção: Livia Milhomem Sá
Realização: La Lettre

Penélope
Evento online via Instagram
Quando: 26 de setembro de 2020, 20h
Onde: @penelope.lalettre
Quanto: Pague quanto puder, de 20 (+taxa) a 100 (+taxa) pelo Sympla 

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