O espetáculo disseca em vários aspectos a ética nas relações profissionais e sociais, o fio da navalha e os limites flexíveis quando a ideia é cortar a própria pele. A montagem faz a última sessão desta curta temporada no Recife, hoje, às 19h, no Teatro Luiz Mendonça, no Parque Dona Lindu. É uma encenação instigante.
Mas vamos situar melhor essa trama. O dia em que Sam morreu se passa, na maior parte do tempo, num hospital em que os pacientes endinheirados estão alojados nos quartos e os doentes mais pobres ocupam os corredores. Além do hospital, a cenografia de Paulo de Moraes e Carla Berri também se transforma em quarto do casal, motel e outros espaços tem bom apelo visual.
Nesse microcosmo são reveladas as falcatruas, o jogo sujo para alcançar o poder, as traições, as drogas conferindo potências.
O personagem do título pode ser qualquer uma das três figuras da peça de apelido Sam. O enfermeiro Samuel (Jopa Moraes) que depois de testemunhar os métodos questionáveis e até criminosos do cirurgião Benjamin (Otto Jr.) invade o hospital armado de um discurso inflado e anarquista, duas pistola e vontade de fazer justiça com as próprias mãos.
A juíza Samantha se recusa em princípio a receber privilégio proposto pelo marido, médico do hospital, de furar a fila do transplante do coração. O terceiro é um velho palhaço, sem graça, Samir (Marcos Martins), que sofre de Alzheimer.
Os autores Paulo de Moraes e Maurício Arruda Mendonça inventam cenas que se entrecruzam e personagens que se relacionam em rede para expor a complexidade dessas questões éticas. É muito interessante que a Armazém venha desenvolvendo há anos uma dramaturgia própria, em que pulsam preocupações contemporâneas.
Dessa vez estão lá um sistema corruptor e as injustiças, um Brasil sintonizado com um mundo de protestos, recoberto por uma carga de pessimismo dos destinos. São questionamentos importantes, urgentes, para cada um da plateia refletir sobre o papel que quer desempenhar.
A peça tem uma estrutura complexa. Mas os núcleos duros dos dramas são mais envolventes do que as explicações por onde a dramaturgia e a encenação escorrem. Parecem bordas excedentes. E o tempo é esticado em exposições desnecessárias. Perde o impacto.
Lembro da cena com a prostituta Sofia (Lisa Eiras), que busca um tratamento digno para o pai, e seu amante, o médico Arthur, (Ricardo Martins; marido da juíza), quando ele salta com um papo sobre o que é o amor e o que eles significam. E ela devolve dizendo que ele deixe essa conversa de amor para a mulher e que eles transem.
O elenco defende bem seus papeis. Otto Jr explora o cinismo e mau-caratismo do médico. Ricardo Martins é aquele ser dúbio entre a subserviência e o oportunismo. Marcos Martins faz o papel mais difícil, do palhaço sem humor. Patrícia Selonk expõe as dúvidas da justiça. Lisa Eiras compõe a filha e a amante. Jopa Moraes encanta com seu idealismo juvenil, sua postura rebelde, mesmo que parte do seu discurso soe bastante deslocado.
A música de Ricco Viana dá o tom, ressalta os conflitos. Os manequins sublinham a poética dos cadáveres, fruto de um sistema em que a crueldade predomina. A iluminação de Maneco Quinderé marca as mudanças, alinha e desalinha as tensões.
Serviço
Espetáculo O dia em que Sam morreu, com Armazém Cia de Teatro (RJ)
Onde: Teatro Luiz Mendonça/Parque Dona Lindu
Quando: Sexta(22/05) e sábado(23/05) às 20h; Domingo(24/05) às 19h
Ingressos: R$ 40 inteira e R$ 20 meia-entrada
Ponto de venda: quiosque ingresso Prime no Shopping RioMar(térreo)
Informações: 3039.4042/3355.9821