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Auto do salão do automóvel

Cena da montagem pernambucana Auto do salão do automóvel. Fotos: Divulgação

A montagem de Auto do salão do automóvel integra o projeto Transgressão em 3 atos, produzido pela atriz e jornalista Stella Maris Saldanha em parceria com Alexandre Figueirôa e Cláudio Bezerra. A ideia do projeto é ótima e foca em três grupos teatrais de Pernambuco e suas encenações. São eles o Teatro Popular do Nordeste (TPN), o Teatro Hermilo Borba Filho (THBF) e o Grupo Vivencial (Vivencial Diversiones era o nome da casa de espetáculos, em Olinda, e não o nome da trupe). A primeira peça montada foi Os fuzis da senhora Carrar, de Bertolt Brecht, que foi levada em 2010, como homenagem ao THBF.

A primeira encenação do Auto foi feita pelo TPN, em 1970. A direção seria de Hermilo Borba Filho, mas ele ficou doente e o médico o proibiu de fazer grandes esforços; então a tarefa foi repassada para o jovem diretor José Pimentel. Osman assistiu ao ensaio geral da peça e não gostou do resultado. Isso está registrado em cartas trocadas entre Osman e Hermilo, documentos que a produção teve acesso.

É uma ousadia montar Osman Lins, pela dificuldade que o texto impõe. E a produção merece admiração por isso.

Peça de Osman Lins foi encenada em 1970 pelo TPN

O cenário é o que mais se destaca. Formado por peças de veículos, carcaças de carros, o cenário está distribuído nos vários cantos do palco e isso já determina a encenação. Os atores também ocupam seus lugares em cinco pontos distintos e a partir disso fazem suas movimentações ora no centro ou em outro lugar do palco.

O elenco é formado pelos atores Alexandre Guimarães, Evandro Lira, Roger Bravo, Stella Maris e Zé Ramos, que fazem vários personagens, entre guardas de trånsito, motoristas e outros. A direção é assinada por Kleber Lourenço.  A montagem fez cortes no texto e deu agilidade a alguns fragmentos, com a utilização do diálogo. Mas esse ajuste não se opera a contento no todo da peça. Então é irregular a interferência na dramaturgia osmaniana.

O sempre bom José Ramos dá seu recado, mas permanence numa zona de conforto de tudo que já conquistou como ator. Lógico que é bom vê-lo no palco, pela força e vitalidade de intérprete. Mas poderia ir além. Roger Bravo cresce nos vários papeis que interpreta, levando em consideração o seu trabalho em Os fuzis da Senhora Carrar. A sempre linda em cena Stella Maris continua bela com sua postura cênica. Mas não há muitas variações entre os personagens que interpreta. Um pouco menos daquela postura professoral, assumida principalmente na voz, daria flexibilidade nas várias figuras que ela defende no palco. O quadro Cruzamentos me pareceu com indicações errôneas para que a atriz empreendesse o grande voo da encenação.

Roger Bravo e José Ramos estão no elenco

O texto de Lins é difícil de se instalar no palco. E mais de 40 anos após sua escritura pegar o caminho do trânsito caótico e da mobilidade urbana parece um reducionismo. Também não consigo perceber a força da mão da direção. O elenco como um todo não arrisca, pega o beco mais fácil, inclusive com alguns vícios. Não vejo transgressão na encenação. E chego à conclusão que esse Auto do Salão do automóvel não alcançou a grandeza de Osman Lins.

Stella Maris Saldanha

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Mais teatro e cinema

Neste sábado estreia o espetáculo Auto do salão do automóvel, com direção de Kleber Lourenço e Stella Maris Saldanha, José Ramos, Evandro Lira, Alexandre Guimarães e Roger Bravo no elenco. Esse projeto faz parte de uma trilogia: um resgate de montagens realizadas por companhias importantes na história do teatro pernambucano. Auto, por exemplo, texto de Osman Lins, foi encenada em 1970, sob direção de José Pimentel, pelo Teatro Popular do Nordeste (TPN). As sessões do espetáculo serão no Teatro Hermilo, sábados e domingos, às 18h, até o dia 21 de outubro.

Mas antes disso, Stella Maris e Cláudio Bezerra lançam hoje o documentário Os fuzis de dentro para fora. É um curta que mostra o processo de montagem de Os fuzis da senhora Carrar, primeira montagem da trilogia, de Brecht, que foi encenada em 2010, com Stella no papel principal. Será às 20h, no Teatro Hermilo Borba Filho, no Bairro do Recife.

Os fuzis da senhora Carrar foi a primeira montagem da pesquisa Transgressão em três atos. Foto: Val Lima/Divulgação

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Com os pés nos anos 1990

Severino Florêncio como a impiedosa Dorotéia. Foto: Rodrigo Moreira/Divulgação

Há 27 anos, 37 meses e não sei quantos dias, Madalena vive um aperreio de vida. Tem uma mãe que, vamos combinar, ninguém merece. Dorotéia faz questão de mostrar que quem manda, não só na casa, mas em Madalena, é ela. Esse é o mote da montagem Dorotéia vai à guerra, do Grupo de Teatro Arte Em Cena, de Caruaru, apresentada no segundo dia da V Mostra Capiba. Na realidade, Severino Florêncio (Dorotéia) e Welba Sionara (Madalena) já tem intimidade com o texto há vários anos. Severino montou a peça em 1993 ao lado da atriz Maria Alves e ficou em cartaz por dez anos. Welba integrava a equipe técnica da montagem. Foi um grande sucesso na década de 1990, abocanhou prêmios em vários festivais – Severino nem tem certeza de quantos, acha que foram 32.

Remontar um desses grandes sucessos, uma peça em cartaz por tantos anos, levanta muitos questionamentos e dispara desafios. Para Welba, porque viu Maria Alves atuar, mas tem que criar a sua própria Madalena. Mas principalmente para Severino, que segundo o próprio diretor (das duas montagens) Gilberto Brito, tem no personagem um divisor de águas na sua carreira. Então porque voltar? Porque não se debruçar sobre um texto novo, encarar um personagem que fosse acrescentá-lo ainda mais, um processo diferente?

São só provocações…e, como mesmo diz Dorotéia, “a verdade tem muitas variantes”. Fato é que o tema e as discussões que podem ser geradas a partir do texto continuam pertinentes. São as relações de poder e dominação que permeiam as relações e de que forma elas podem ser superadas. Se Severino domina perfeitamente as nuances da sua Dorotéia, tão cruel, mimada, Welba deixa transparecer que a sua interpretação ainda pode crescer – o espetáculo estreou em março. Em muitos momentos, texto e emoção ainda estão em descompasso: o “mamãe” precisa soar mais natural, mais engendrado na atriz.

Parece também não estar bem resolvido o tom da comédia. Há ironia no texto, claro que sim, mas em alguns momentos a dúvida parece pairar: é um drama ou uma comédia? É um drama que se transformou em comédia? É aí o público não consegue, quando deveria, embarcar no riso. Acha muito absurda toda aquela situação ali encenada, tem pena de Madalena, raiva da mãe, raiva de Madalena por não conseguir se libertar, mas não consegue se divertir com o humor negro de Dorotéia ou se sentir vingado quando Madalena parece assumir o controle.

A cena se passa numa casa antiga, sob as vistas dos santos na parede, dentro de um quarto. Um baú, uma cadeira e uma cama são os principais elementos de cena. Mas a encenação é mesmo muito baseada na construção dos atores. E fica a impressão de que a montagem – não vi a anterior, é bom que se diga – caminha nos trilhos e moldes da década passada. Não vou usar de ironias ou eufemismos, como propõe Dorotéia. Saí do teatro com vontade de ver um ator tão competente quanto Severino, tão engajado na luta pelo teatro no interior, se arriscar ainda mais – se retirando da sua própria zona de conforto e, certamente, nos deixando desconcertados.

Montagem ganhou mais de 30 prêmios na década de 1990

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Imperdível Senhora Carrar

Um pequeno tablado com uma janelinha suspensa, luz branca, gestual que atiça antigos sonhos, dez bons atores e uma direção primorosa para dar conta de problemas éticos e das utopias renovadas em Os fuzis da Senhora Carrar, com texto do dramaturgo alemão Bertolt Brecht. A montagem é uma revisitação estética e histórica de outra encenação de Os fuzis… realizada em 1978, pelo Grupo Teatro Hermilo Borba Filho, com direção de Marcus Siqueira. E faz parte do projeto de pesquisa cultural Transgressão em três atos, desenvolvido pelos jornalistas Cláudio Bezerra, Alexandre Figueirôa e Stella Maris Saldanha, que protagoniza a peça.

Os Fuzis da Senhora Carrar leva à cena a história de Tereza Carrar, moradora de uma pequena vila de pescadores e mãe de Pedro e Juan. O tempo é de conflito entre pacifistas e soldados, entre homens comuns e revolucionários anti-franquistas. Mas nossa protagonista já perdeu o marido e faz qualquer coisa para não ver os filhos metidos na guerra. A peça foi escrita por Brecht em 1937, no período da Guerra Civil Espanhola, que durou de 1936 a 1939. Dizem que não existe dor maior do que perder um filho (a). Tereza tenta evitar essa dor. Não é tarefa fácil, os generais avançam e a perda da liberdade se faz sentir cada vez mais perto. Como manter a neutralidade diante de uma situação dessas? Mas como entregar seus jovens filhos a uma guerra sangrenta, da qual dificilmente se sobrevive?

Sabemos que Brecht imaginava que o teatro deveria servir como instrumento de transformação social e de reflexão crítica da plateia. Mas Senhora Carrar é a mais dramática das peças do dramaturgo alemão. É estruturada de forma linear e nos faz acompanhar a decisão trágica dessa mulher que, diante dos acontecimentos não encontra outra alternativa para se manter viva.

“Por quem lutar ou enlutar, Carrar?”, pergunta o encenador João Denys no programa da peça, em meio a uma avalanche de questionamentos que a própria montagem já desperta. Lá atrás, na ditadura do general Franco, as atrocidades e os terrores da guerra, o sacrifício humano e a barbárie. A guerra hoje é mais difícil. Existe uma letargia diante do capitalismo que dita destinos e as facilidades de comunicação sufocam o verdadeiro diálogo. Mas diante da intolerância, da miséria e da grotesca realidade cotidiana, da subserviência ou do torpor, a Senhora Carrar de Stella Maris Saldanha e de João Denys se insurge para lembrar da humanidade, sem romantismo ou heroísmo. Mas carregada de emoção.

Com seus rostos pintados de branco, os atores agem com a grandeza que o texto merece. A atuação de Stella Maris Saldanha como a protagonista Tereza é de tirar o chapéu. Voz clara, gestos firmes e nuances comoventes de uma mãe que luta enquanto pode para proteger seus filhotes. Ela sangra no palco e essa dor atinge o público. O ator Roger Bravo faz José, o filho de Tereza que quer ir para o front. Uma performance convincente. José Ramos faz o operário com garra e competência. Os três ficam a maior parte do tempo em cena. Alfredo Borba faz o papel do padre reacionário com destreza.

Também participam do elenco, em papeis menores mas não menos importantes: Ailton Brito, Evandro Lira, Karina Falcão, Socorro Albino, e Antonio Marinho. Enquanto não estão no palco, o elenco fica sentado na primeira fila. A direção de arte (cenário, figurino e maquilagem) é assinada pelo próprio João Denys. A sonoplastia, também de Denys, amplifica a carga das cenas. Um espetáculo ainda mais necessário neste começo de século 21.

SERVIÇO
Os Fuzis da Senhora CarrarNeste sábado, às 21h
Teatro Hermilo Borba Filho.
Ingresso R$ 10.

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A aposta do fim de semana

Ir ao teatro é sempre uma aposta. Mas a experiência normalmente compensa. Por isso, toda sexta-feira, vamos compartilhar com vocês os nossos ‘palpites’ para o fim de semana. Podem ser espetáculos que estão estreando, como esta semana, o que deixa o jogo ainda mais arriscado – já que não garantimos a qualidade. De qualquer forma, se você aceitar a dica e, porventura, não gostar, volte aqui ao Yolanda, comente, discuta. E isso que queremos!

Bom, hoje a dica é conferir o espetáculo A peleja da mãe nas terras do senhor do açúcar, com direção de Carlos Carvalho. A montagem reúne brincantes da cultura popular, como Mestre Grimário, e atores experientes, como Auricéia Fraga. O texto foi inspirado no livro A mãe, do russo Máximo Gorki. A sessão é às 21h, no Teatro Apolo, no Bairro do Recife. Ingressos: R$ 10 (preço único).

Além dessa, seguem outros palpites para o seu fim de semana:

Hoje (sexta):
O amor de Clotilde por um certo Leandro Dantas, em duas sessões, às 19h e 21h, no Teatro Hermilo Borba Filho (já saiu crítica aqui no Yolanda). Ingressos: R$ 10.

Sábado (29):

O fio mágico, às 16h, no Teatro Marco Camarotti, no Sesc Santo Amaro. Ingressos: R$ 10 (estamos preparando a crítica, mas pode apostar!)
Dinossauros, às 19h, no Teatro Apolo (é sábado e domingo). Ingressos: R$ 10
Os fuzis da Senhora Carrar, às 21h, no Hermilo Borba Filho (também já saiu crítica por aqui)

Domingo (30):

O pássaro de papel, às 10h30, no Santa Isabel. Ingressos: R$ 10.
No meio da noite escura tem um pé de maravilha, às 16h, no Marco Camarotti. Ingressos: R$ 10
Quase sólidos, às 21h, no Barreto Júnior. Ingressos: R$ 10

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