Mesmo o amor imperfeito opera milagres no universo. Mas muitas vibrações duelam para processar esse fenômeno. Da raiva de ver sua vida atrelada ao filho eternamente dependente, passando pelo medo do futuro. Até a superação e abertura de visão para os sentidos de uma vida comprometida com o aprendizado do outro. OE é poema cênico com o ator Eduardo Okamoto, inspirado na obra do escritor Kenzaburō Ōe, – Nobel de Literatura de 1994 – que trata desses tsunamis internos do autor japonês.
A peça foi apresentada sábado e domingo, no Teatro Apolo, dentro da programação do 23º Janeiro de Grandes Espetáculos. Com direção perfeccionista de Márcio Aurélio e atuação minimalista de Okamoto, a montagem explora os processos vertiginosos de um pai que reinventa o mundo e a si próprio quando nasce seu primeiro filho com uma deficiência intelectual congênita.
Do susto passando pelo desejo de morte e culpa à construção de um afeto supremo, o intérprete explora os estados desse pai, e desse filho, com extremo rigor. Para cuidar da criança – Hikare Oe – que até os seis anos de idade não falava uma palavra e que se tonou pianista e compositor famoso no Japão, o escritor diminuiu o ritmo de trabalho.
OE usa poucos recursos em cena, tem um desenho coreográfico milimetricamente executado e poucas oscilações vocais. A montagem embarca na poesia, para expor o sentimento do mundo em quase 30 cenas curtas. Imagens que se abrem para a miséria e o esplendor do ser humano, num rasgo de solidão e profunda incompletude. Okamoto modula a dor do existir, num breve painel de afetos, de alegrias e tristezas.
O dramaturgo Cássio Pires criou pequenas narrativas, tradução de imagens recriadas a partir de 400 páginas do livro Jovens de um novo tempo, despertai!. Nesse livro, Kenzaburō Ōe busca definições para coisas aparentemente simples como um pé e supostamente complexas como o sonho, num procedimento que sintetiza mitologia, ensaio literário, ficção e registros autobiográficos. É um fluxo da vida, da determinação de um pai em catalogar o real para seu filho e deixar-se subverter por esse rebento.
O corpo do ator Okamoto está impregnado do butoh que foi buscar em Yokohama, no Japão, onde treinou no Kazuo Ohno Dance Studio, conduzido atualmente pelo filho de Kazuo Ohno, Yoshito Ohno. E da ancestralidade japonesa que até a montagem do espetáculo tinha ignorado.
Ficha Técnica
Encenação, iluminação, figurino e cenografia: Márcio Aurélio
Dramaturgia: Cássio Pires, inspirado na obra de Kenzaburo Oe
Assistência de direção: Lígia Pereira
Assistência de iluminação: Silviane Ticher
Orientação corporal: Ciça Ohno
Assistente de figurino e cenário: Maurício Schneider
Orientação pedagógica do projeto: Suzi Frankl Sperber
Coordenação técnica: Silvio Fávaro
Assistência de produção: Mariella Siqueira
Direção de produção: Daniele Sampaio e SIM! Cultura
Atuação: Eduardo Okamoto
Confira conversa com o ator Eduardo Okamoto realizada após a apresentação do espetáculo no Recife