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Companhia do Latão lança peças de resistência

Festa de lançamento de três peças de Sérgio de Carvalho conta com participações de Maria Theresa Vargas, Sérgio Mamberti, Cecília Boal, Paulo Arantes e “outras surpresas possíveis e inimagináveis”. Imagem da peça Lugar nenhum. Foto Maurício Battistuci / Divulgação

O Pão e a Pedra. Foto Lenise Pinheiro / Divulgação

Se lá fora faz frio e o clima é hostil, é tempo de saudar os pirilampos. E, neste sábado (9), um dos grupos teatrais mais importantes do Brasil faz uma jornada festiva para celebrar o lançamento do box Três peças da Companhia do Latão, pela Editora Temporal. A publicação inclui as peças Os que ficam, Lugar Nenhum e O Pão e a Pedra, que investem em reflexões sobre o Brasil das décadas de 1960, 1970 e 1980.  As obras dramatúrgicas são de Sérgio de Carvalho, que compôs os textos em cooperação com sua trupe de artistas.

A Companhia do Latão aposta na reflexão crítica da sociedade atual, a partir, principalmente, do legado de Bertolt Brecht. O grupo trafega pela pesquisa estética avançada e politização da cena. Na trajetória do Latão, o teatro questiona o jogo político, o contexto social e a criação cultural no Brasil em suas intricadas relações e seus enfrentamentos,

A peça Lugar Nenhum investiga democracia e o espírito democrático e se desenrola no fim dos anos 1980, no período findo da ditadura. Um sopro de esperança daqueles tempos em contraste com o que se tornou a democracia no futuro brasileiro, nosso presente. Expõe as veias abertas de uma democracia em crise, em colapso e degradação após o golpe que sequestrou o mandato da ex-presidente Dilma Rousseff.

O Pão e a Pedra (2017) é inspirada na histórica greve de 1979 no ABC paulista e segue várias figuras do mundo do trabalho, sobretudo uma mulher operária que se disfarça de homem para disputar melhores cargos e salários -, em meio à greve dos metalúrgicos de 1979 no ABC.

A peça-ensaio Os que Ficam (2015) reprocessa a dramaturgia de Augusto Boal, a partir da labuta de um grupo teatral que arrisca montar Revolução na América do Sul.

Bem, se o pessimismo apocalíptico assume a avaliação do quadro brasileiro, temos pequenas vitórias a comemorar. E, a cada conquista, celebremos.

#LulaLivre.

Salve a resistência antifascista dos incansáveis vaga-lumes!

Box com as três peças da Cia do Latão

Encenador e dramaturgo Sérgio de Carvalho. Foto: Reprodução do Facebook

JAÍLTON – Ah, mais um recado para os críticos de plantão. Que gostam de dizer que a nossa trégua é desmobilizadora. A união é a coisa mais importante num momento como esse, em que a elite do país começou a notar que nós existimos. Estamos unidos, Arantes?
ARANTES – Uma união contraditória.”

O Pão e a Pedra. Editora Temporal.

 

Lançamento das Três Peças da Companhia do Latão

Quando: Sábado, 9 de novembro, das 17h30 às 19h – intervenções artísticas, leituras e falas com convidados especiais; 19h – coquetel; 20h às 21h – canções e cenas das peças publicadas
O evento é gratuito
Onde: Estúdio do Latão, Rua Harmonia, 931, Sumarezinho
Quanto: Descontos Especiais de lançamento de Três peças da Companhia do Latão. A
caixa com 3 livros sai por R$ 100 (Custa R$ 149 nas livrarias)

TRÊS PEÇAS DA COMPANHIA DO LATÃO

OS QUE FICAM (Diálogo teatral com Augusto Boal)
peça de Sérgio de Carvalho
partituras de Martin Eikmeier
posfácio de Iná Camargo Costa
relato de processo de Julian Boal
fotos de Sérgio de Carvalho

O PÃO E A PEDRA
peça de Sérgio de Carvalho
partituras de Lincoln Antonio
posfácio de Mario Sergio Conti
relato de processo de Maria Lívia Goes
fotos de Bob Sousa

LUGAR NENHUM
peça de Sérgio de Carvalho
partituras de Nina Hotimsky, Cau Karam e João Filho
posfácio de Maria Rita Kehl
relato de processo de Helena Albergaria
fotos de Sérgio de Carvalho

Programação

PARTE I
Abertura do autor e editores
Maria Theresa Vargas com surpresa teatral
Sérgio Mamberti recita textos De Plínio Marcos
Cecília Boal canta com Paulinho Tó
Paulo Arantes recita Sr. Keuner, de Brecht
As Cantadeiras e Trupe dos Encantados do MST
Elenco faz cena de O Mundo Está Cheio De Nós
Marcelo Pretto canta com Lincoln Antonio
E outras surpresas possíveis e inimagináveis

PARTE II
Coquetel e autógrafos

PARTE III
CENAS, CANÇÕES e TEXTOS pelos elencos de O PÃO E A PEDRA, LUGAR NENHUM e de OS QUE FICAM, com:
Ademir de Almeida, Beatriz Bittencourt, Carlos Escher, Carlos Santos, Débora Rebecchi, Érika Rocha, Gabriel Stippe, Helena Albergaria, João Filho, Leonardo Ventura, Rogério Bandeira, Ney Piacentini, Sol Faganello e Thiago Claro França
MÚSICA de Lincoln Antonio, Lucas de Sá, Martin Eikmeier, Nina Hotimsky e Walter Garcia
E participações especiais: Bruno Marcos, Kiko do Valle, Lourinelson Vladmir e Virginia Maria

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Greves históricas – primeiros apontamentos

Helena Albergaria faz Joana Paixão / João Batista em O pão e a pedra. Foto: Lenise Pinheiro / Divulgação

Helena Albergaria faz Joana Paixão / João Batista em O pão e a pedra. Foto: Lenise Pinheiro / Divulgação

Há muitas entradas para leituras do espetáculo O pão e a pedra, da Companhia do Latão, escrita e dirigida por Sérgio de Carvalho, em cartaz até domingo, no Teatro Hermilo Borba Filho, às19h, dentro da programação do 18º Festival Recife do Teatro Nacional. O mosaico complexo de contradições sociais é explorado pelo grupo em camadas e fissuras e problematizações. A greve dos operários do ABC Paulista em 1979 e os espelhamentos da crise política atual tencionam o embate no palco dos peões com o cruel mundo do capital, a invisibilidade da mulher, da luta dentro da luta dos nordestinos no mapa da ditadura civil-militar brasileira.

É denso. E não permite simplificações de heróis, salvadores da pátria, bonzinhos versos vilões. Os paradoxos da realidade atual se desdobram no palco a partir da greve histórica do final da década de 1970, que projetou para o Brasil como força política a figura de Luiz Inácio da Silva, o Lula, na época líder do Sindicato dos Metalúrgicos.

A investigação do autor diretor Sérgio de Carvalho passa pelas “dificuldades do aprendizado político daqueles trabalhadores que enfrentaram a polícia da ditadura e o aparato midiático patronal, num processo que durou 60 dias (15 dias de máquinas paradas e 45 dias de “trégua” com mobilização dentro e fora das fábricas). Sob relativa influência do imaginário desses grupos contraditórios, o novo sindicalismo, a Igreja progressista e o movimento estudantil de esquerda, os operários de O Pão e a Pedra travam um embate com a própria vida coisificada” [1].

Lá para o meio da peça, um ator explica que a encenação foi erguida nos tumultuados primeiros meses deste ano e que Lula não será representado. Uma ausência que se faz presente como uma sombra do passado, no presente.

O sumiço do líder sindical que por dois dias saiu de cena em 1979 abre brechas para muitas especulações que pairam no ar do teatro. Desde negociações isoladas com os patrões, até a possível blindagem para não quebrado pela polícia. Entre um ponto, muitas possibilidades expressadas por personagens da cena.

O cenário em que forças regressivas da política brasileira que se alinharam com a grande imprensa e com o judiciário e suas estranhas razões para depor um governo eleito democraticamente invade em ondas de pensamento enquanto acompanhamos a trajetória daquele grupo de trabalhadores fabris de São Bernardo do Campo, no ABC paulista. Na espiral do tempo, a conta do arranjo vai ser paga pelos trabalhadores cada vez mais acossados por uma realidade surrealista.

Há muitos caminhos para chegar ao coração da greve. Não é possível abarcar muitos em tão pouco tempo. Assisti ao espetáculo ontem e as imagens, as palavras, os procedimentos estão ruminando na minha cabeça, os sentidos se erguem e assustam, são desfeitos, comungam com muitas questões. Preciso de dias, semanas, meses, para desembarcar a bagagem marxista do espetáculo.

É muito. É tanto. É eletrizante. Às vezes parece choque no nervo. A imagem da personagem Luísa (Sol Faganello), uma militante universitária que adentra no campo dos metalúrgicos de São Bernardo do Campo com a ambição de politizar os peões. O movimento mostra uma amazona montada em cavalo trêmulo, num ritmo frenético, ao som percussivo. É um quadro potente inspirado no conto Na galeria, um texto curto de Franz Kafka, publicada no Brasil no livro Um médico rural. A narrativa do escritor tcheco é visual e de tirar o fôlego. E é incrível como esse “poema em prosa”, como chama o tradutor Modesto Carone, carrega questões importantes para a montagem. O conto expõe uma hipótese, cria uma oposição; anula a primeira disposição, apresenta outra. Dinâmica semelhante faz a montagem.

“Se uma amazona frágil e tísica fosse impelida meses sem interrupção em círculos ao redor do picadeiro sobre o cavalo oscilante diante de um público infatigável pelo diretor de circo impiedoso de chicote na mão, sibilando em cima do cavalo, atirando beijos, equilibrando-se na cintura, e se esse espetáculo prosseguisse pelo futuro que se vai abrindo à frente sempre cinzento sob o bramido incessante da orquestra e dos ventiladores, acompanhado pelo aplauso que se esvai e outra vez se avoluma das mãos que na verdade são martelos a vapor – talvez então um jovem espectador da galeria descesse às pressas a longa escada através de todas as filas, se arrojasse no picadeiro e bradasse o basta! em meio às fanfarras da orquestra sempre pronta a se ajustar às situações.

Mas uma vez que não é assim…”

Foto: Sérgio de Carvalho

Os atores Rogério Bandeira (Fúria Santa) e Ney Piacentini (Arantes). Foto: Sérgio de Carvalho

O círculo do cenário instalado no centro do palco é nomeado de espaço da fábrica – da linha de montagem ao banheiro-, estádio da Vila Euclides palco das assembleias sindicais e outros locais onde os trabalhadores se encontravam, de bares à igreja.

Os peões da lida vão fazer a máquina parar. Na sua luta eles estão sempre ameaçados a serem marcados pelo ferro quente do capital. Nesse cenário masculino, a voz feminina está diluída ganhando um salário menor, carregando em silêncio o filho na barriga. E ganha destaque na metamorfose de personagem Joana Paixão, papel defendido por Helena Albergaria, que se disfarça de homem para poder receber os mesmos salários que seus pares em situações semelhantes.

No elenco da peça estão Míriam (Beatriz Bittencourt), ocupada no início com o bronzeamento; Irene (Érika Rocha), o Fúria Santa (Rogério Bandeira) e Arantes (Ney Piacentini) impõe um ritmo lento a peça, que me pareceu calculado para causar um efeito estético de incômodo no espectador.

Vou assistir novamente ao espetáculo.

O texto vai continuar…

[1] Companhia do Latão, Um tempo diferente, In: Programa O Pão e a Pedra – espetáculo da Companhia do Latão, 2016.

 

Serviço:
O pão e a pedra
Onde:Teatro Hermilo Borba Filho, (R. do Apolo, 121 – Recife)
Telefone: (81) 3355-3320
Quando: De 23 a 27 de novembro, às 19h; de quarta a domingo.
Quanto: R$ 10 e R$ 5
Indicação etária: 16 anos

Ficha técnica:
Autoria e Direção: Sérgio de Carvalho
Elenco: Beatriz Bittencourt, Beto Matos, Érika Rocha, Helena Albergaria, João Filho, Ney Piacentini, Rogério Bandeira, Sol Faganello e Thiago França.
Assistência de direção: Beatriz Bittencourt
Direção musical, composição e execução: Lincoln Antonio
Cenografia e figurinos: Cassio Brasil
Iluminação: Melissa Guimarães e Silviane Ticher
Direção de produção: João Pissara
Assistência de produção: Olívia Tamie
Núcleo de divulgação: Marcelo Berg

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