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Mais uma graça de São Djalminha

“Fininha – Num deixa de ser bonito: ser noiva de santo. Antes isso que num ser noiva de ninguém.

Maria Caritó – Pense. Uma vez na vida, pense: eu sou a noiva mais longíqua da estória das noivice. Eu tô prometida a um santo. Num tem prazo preestabelecido para consumação do casório. E pior: quando eu consumar, eu vô ta morta. O que é que eu vou aproveitar? Tu acha que vai ter xenhenhém no Céu? Nem a memória do xenhenhém eu vou levar comigo”. (Maria do Caritó / Newton Moreno)

Foto: Paulo Júnior/Divulgação

Em novembro do ano passado, fiz uma viagem muito rápida ao Rio de Janeiro. Fui numa sexta para voltar no dia seguinte. Maria Bethânia estava lançando o seu DVD e chamou a imprensa para uma coletiva. Adoro Bethânia, mas essa ponte aérea valeu mesmo a pena por outro motivo: aproveitei para conferir a montagem Maria do Caritó, com Lília Cabral como protagonista.

O texto merecia mesmo a intérprete que ganhou. Meses antes, eu havia me deliciado com a leitura da peça de Newton Moreno. Passei uma semana com o livro na bolsa, me sentindo na obrigação de dividir aquelas tiradas. Dava vontade de ler para o atendente do banco, da padaria, para a mulher no carrinho ao lado no supermercado. Só pelo prazer de compartilhar e ver a reação das pessoas. Newton fez uma obra sincera, divertida, com influências circenses e regionalistas, mas que fala de sonho, de ideal, de não desistir.

Estava curiosa para ver tudo que tinha lido no palco. Será que me tomaria da mesma forma? A trupe encabeçada por Lilia Cabral, que conta ainda com Leopoldo Pacheco, Silvia Poggetti, Fernando Neves e Dani Barros, com direção de João Fonseca, simplesmente hipnotiza o público. Impagável, por exemplo, a cena em que Maria Caritó faz um número musical para tentar entrar no circo e assim ficar mais perto do seu pretendente, o galã russo Anatoli. Ou o ‘milagre’ de Maria Caritó com uma galinha.

Foto: Paulo Júnior/Divulgação

Na última terça-feira, foram (anunciados os indicados ao Prêmio Shell de Teatro 2010 do Rio de Janeiro. Não foi surpresa saber que Maria do Caritó foi a recordista de indicações, concorrendo em seis categorias: Autor (Newton Moreno), Direção (João Fonseca), atriz (Lilia Cabral), Cenário (Nello Marrese), Figurino (J.C. Serroni) e Música (Alexandre Elias). Parabéns ao grupo e ao fofíssimo Newton Moreno! A peça é um presente para o público!

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E o vento uivando lá fora…

Foto: Val Lima/Divulgação

As fotos em preto em branco reportam ao passado, de outras explorações e segredos familiares que poderiam fazer ruir um império. Enquanto espera, o público ouve o diálogo entre duas adolescentes. A plateia logo era convidada a entrar no espaço erguido no Nascedouro de Peixinhos para alojar a temporada de Memória da cana, montagem do grupo Os fofos encenam. Todo o arcabouço da casa é feito de cana-de-açúcar, o que provoca uma viagem por cheiros doces e azedos.

Foto: Val Lima/Divulgação

Dividido em quartos, o espectador compartilha da intimidade dessa família. O texto é adaptado de Álbum de família, de Nelson Rodrigues, e as referências realçam as ideias de Gilberto Freyre. O pai Jonas (Marcelo Andrade), abusa das negrinhas, de preferência de 12, 13 anos, com a ajuda da cunhada solteirona, Tia Ruthe (Kátia Daher), e ambos humilham Senhorinha (Luciana Lyra). Dos seus cômodos, cada personagem revela um pouco de seus desejos, enquanto Nonô, o filho de Senhorinha e Jonas que enlouqueceu (Carlos Ataíde), ronda a casa. Glória (Viviane Madu)é vista pelo pai como santa e também é alvo de desejo do irmão Guilherme (Paulo de Pontes).

Daquela cana, das violências do homens contra jovenzinhas em flor, da ira da mulher branca, do máximo de exploração do humano está calcada essa sociedade orgulhosa de sua tradição. O dramaturgo e diretor pernambucano Newton Moreno e seu grupo provocam investigações estéticas em várias frentes. Uma delas é essa memória da formação brasileira e pernambucana em particular. O som dos brincantes do maracatu chega mais forte na segunda parte do espetáculo. O vento uivando lá fora e as mortes maculando o nome da família e fazendo ajustes com o destino.

A sensualidade transborda na movimentação dos personagens e ganha um relevo especial a atuação do elenco feminino. Luciana Lyra está estupenda como Senhorinha e ousa um caminho diferente das muitas representações dessa figura rodrigueana. Apesar de humilhada, é mais corajosa e carrega uma dança de vida, impregnada por baixo de tantos panos.

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