É difícil enquadrar a arte de Aurélia Clementine Oona Moorine Hannah Madeleine Thiérrée, nascida em Paris em 24 de setembro de 1971. Dança, circo, mímica, performance, contorcionismo, acrobacia, ilusionismo. Tem de tudo um pouco e muito encantamento em Murmures des murs. É melhor embarcar nessa viagem da artista que nasceu com pedigree (neta de Charles Chaplin e bisneta do dramaturgo Eugene O’Neill), ela honra o nome da família. Aurélia veio pela primeira vez ao Brasil em 2007, e ao Recife, com L’Oratorio d’Aurélia, uma investida de Danielle Hoover, do Festival Circo do Brasil, que traz a artista novamente, agora como principal atração da edição 2011.
A temporada de Murmures des murs no Recife começou ontem, no Teatro de Santa Isabel e segue até domingo, com sessões hoje e amanhã, às 21h e domingo, às 18h.
Como em L’Oratorio d’Aurélia, a artista volta a contracenar com seres humanos e outros nem tanto, mas às vezes mais comoventes. Como o saco bolha que é transformado em monstro extraordinário e outros objetos que ganham vida.
Neste segundo espetáculo da artista francesa, sua personagem escuta sopros de paredes, porque as paredes têm histórias para contar, guardam segredos nas sucessivas camadas de papel, que arrancadas remetem a outro tempo de outra memória habitada.
Ela também escala fachadas de edifícios abandonados, entra em apartamentos vazios, invade vidas alheias. Como uma Alice que escapou do País das Maravilhas ela foge do prosaico e esbarra em situações inusitadas, transformando objetos em cúmplices, em sequências inesperadas de acontecimentos, que cria belas imagens de ilusão.
A protagonista encontra passagens secretas, cria ar de mistério, dança, e de tão leve, levita. Parece que encara um romance, dois, três, foge de todos. Nesse jogo, transforma objetos, deforma-os, faz com que desapareçam. Sente a cidade enigmática se fechar sobre si, tem encontros submarinos.
Sua vida foi embalada em caixas de papelão, no começo da peça, em que tudo leva a crer que ela arruma a mudança (transferência para outra residência). Há algo de tristeza no ar, de melancólico. Mas as coisas ganham outro ritmo quando a protagonista projeta sua imaginação e circula por um mundo maluco e imprevisível, acompanhada por outros artistas, ora cúmplices ora rivais. Quem assina essa montagem poética, onírica, é a mãe de Aurélia, Victoria Thiérrée-Chaplin.
A arte de Aurélia ganha força no que poderia chamar originalidade, poesia para revelar um mundo interior estranho, com frescor, criatividade e humor. A vida é um sonho, onde tudo é possível. Com técnicas precisas de ilusionismo e manipulação de objetos, a movimentação cênica abre as portas da imaginação. Aurélia Thiérrée dá vida a qualquer objeto.
Cenário impressionante e sucessivas mutações pra criar espaços, como as estruturas de prédios. A paisagem emocional muda também com a aparição de uma cama que sugere um hospital psiquiátrico ou da indicação da liberdade com um navio que passa, ou da dança entre os telhados que lembra os quadrinhos. Não existe uma narrativa linear. As imagens se sucedem como num sonho. E em Murmures des murs, a fantasia e a imaginação não têm limites.