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Que zona é esta?

Magiluth estreia no Recife versão de Viúva, porém honesta. Fotos: Pollyanna Diniz

“Quando se trata de operar dramaticamente, não vejo em que o bom seja melhor que o mau. Passo a sentir os tarados como seres maravilhosamente teatrais. E no mesmo plano de validade dramática, os loucos varridos, os bêbedos, os criminosos de todos os matizes, os epilépticos, os santos, os futuros suicidas. A loucura daria imagens plásticas e inesquecíveis, visões sombrias e deslumbrantes para uma transposição teatral”. Parece que os atores do Magiluth compreenderam muito bem o que queriam dizer as palavras de Nelson Rodrigues.

No último domingo, na abertura do festival A letra e a voz, eles apresentaram uma versão digna da “falsa irresponsável” que Nelson dizia ser a peça Viúva, porém honesta. Vale dizer que o teatro estava lindo (e foi a primeira vez que o grupo se apresentou no Santa Isabel). Lotadíssimo. Há muito eu não via tanta fila para entrar no teatro mais nobre da cidade; e para conferir a peça de um grupo subversivo, habituado a um teatro que não se deixa prender a convenções, que acompanha o seu tempo – melhor ainda.

O Magiluth fez uma verdadeira zona de Viúva, porém honesta. Foi um mergulho vertical no jogo teatral e também na estética defendida pelo grupo para a montagem. Poderiam dizer que foi demais. Mas nunca agradariam Nelson se ficassem no meio termo – e realmente não ficaram. Na encenação, na cenografia, no sexual, na brincadeira, na picardia.

Os cinco atores – Pedro Wagner, Giordano Castro, Erivaldo Oliveira, Pedro Torres e o estreante na trupe Mário Sérgio (que é irmão de Pedro Wagner) – passeiam por todos os personagens. No início até parece que haverá alguma ordem, quando Pedro Wagner assume por um bom tempo o papel de Dr. J.B. Mera ilusão. Daí para a frente é uma loucura desenfreada totalmente coerente com a proposta do “jogo” que o Magiluth tanto gosta de fazer entre os próprios atores e com a plateia.

Espetáculo é um jogo. Cada ator representa todos os personagens

Giordano Castro e, principalmente, Pedro Wagner, mostraram maturidade em cena. Eles sempre estiveram muito bem nas peças do Magiluth e aqui não seria diferente. Daria destaque, no entanto, a Erivaldo Oliveira e a Pedro Torres – que nessa temporada de imersão em que o grupo passou morando juntos em São Paulo, no Rio, dedicados exclusivamente ao teatro – cresceram bastante como atores. Acho que quem acompanha o grupo, percebe isso rapidamente.

Giordano Castro brincano de boneca como Ivonete

Deve ser bem difícil conseguir o tom de uma montagem dessas – sim, porque por si mesma ela já é uma profusão de imagens, música, gritos, “sujeira” cênica – e Pedro Vilela, que assina a direção e está no palco comandando a mesa de som e luz e fazendo algumas intervenções em momentos estratégicos, conseguiu. Só ficou exagerada porque era para ficar exagerada mesmo.

É teatro. E os atores fazem questão de mostrar que é teatro o tempo inteiro. Riem, se divertem, entram e saem do personagem, brigam (mesmo que seja fake, tudo bem – aqui não soa falso) porque um deles levou uma puxada no cabelo de verdade. Sobram batatas voando por todos os lados. É uma cena kitsch, carregada, de tons que podem ser bastante vermelhos como o inferno, de flashbacks que são dados apenas com um pulo no palco. Para quem vai ao teatro sem saber do que se trata, querendo a “cena sóbria e quadrada” da década de 1980 (aquela em que insistem permanecer alguns encenadores e parte do público), quebra a cara. Mas a porrada pode fazer tão bem…

Grupo deve fazer duas apresentações no Teatro Arraial dias 30 e 31

Festival A letra e a voz – O festival, que homenageia Nelson Rodrigues, continua sendo realizado na Livraria Cultura, no Bairro do Recife. Hoje, sexta-feira, a Yolanda Ivana Moura vai participar de uma mesa, das 18h30 às 19h45. E tem também Newton Moreno. Confira a programação do festival:

Sexta, 24
17h às 18h15 – A letra e a voz de Newton Moreno (PE) com mediação de Thiago Soares (PE)
18h30 às 19h45 – Nelson Rodrigues: modos de pensar, com Luís Reis (PE), Luís Augusto Fischer (RS) e Ivana Moura (PE)
19h45h às 21h – A letra e a voz de Paulo Henriques Britto (RJ) com mediação de Fábio Andrade (PE)

Sábado, 25
17h às 18h15 – Literatura brasileira contemporânea, como entendê-la? Com Manuel da Costa Pinto (SP) e Lourival Holanda (PE)
18h30 às 19h45 – Como traduzir o presente?, com Rubens Figueiredo (SP) e Diogo Guedes
19h45h às 21h – A letra e a voz de Zé Miguel Wisnik com mediação de Talles Colatino (PE)

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Pernambucanismo de Nelson

Obra de Nelson está impregnada de valores pernambucanos

Não é possível entender o jornalista, cronista e dramaturgo Nelson Rodrigues sem o Recife. Do mesmo modo que não dá para considerar o teatro brasileiro sem o dramaturgo ou o bailado dos dribles no futebol sem o cronista apaixonante. Ele dizia que a mais reles pelada de ponta de esquina tinha a complexidade de uma tragédia shakespeareana. Esse gênio, praticamente uma unanimidade atualmente, termo que ele combatia dizendo que toda unanimidade é burra, já foi chamado de pornográfico e coisas do gênero.

Esse Nelson nasceu no Recife, em 1912. Chegaria aos 100 anos hoje, dia 23. As sensações inaugurais que experimentou na capital pernambucana e em Olinda ficaram gravadas em suas memórias. Gostos e cheiros, de pitangas e cajus. “O mar significava Olinda, a minha infância profunda. Portanto o mar significava a minha pátria, a minha paisagem”.

O pai, Mário Leite Rodrigues, foi um jornalista combativo formado pela Escola de Direito do Recife que havia trabalhado em 13 veículos na capital pernambucana. Ficou na miséria depois que seu jornal foi empastelado por questões políticas e foi tentar a sorte no Rio de Janeiro. Viajou sozinho. Mas a mulher e os filhos chegaram pouco depois. Nelson tinha quatro anos de idade e o sentimento do mundo impregnado nor corpo e na sua alma.

Sua filha, a jornalista e pedagoga Maria Lúcia Rodrigues tem uma tese. Para ela, ter nascido em Pernambuco e ser da família Rodrigues forjou o gênio Nelson. “A minha hipótese é que ele tem duas bases: o Recife e a família Rodrigues. De 1700 até agora, os Rodrigues sempre foram urbanos, médicos, jornalistas, profissionais da classe média. Não tinham cabedais, mas era mais livre para exercer a crítica. Essa família pernambucana o cercou durante a vida inteira. Só sobreviveram a tantas tragédias porque eram muito unidos”, avalia.

E as tragédias não foram poucas. Ele passou fome, viu seu irmão ser assassinado na redação, sofreu com tuberculose. As idiossincrasias do escritor o levaram a ser chamado de reacionário.  Seu filho Nelsinho entrou para a guerrilha contra a ditadura militar e isso agravou mais suas contradições internas.

“Um intelectual pernambucano disse que Nelson pegou os dramas do Recife e colocou uma roupagem carioca. Esse ímpeto de dar murro em ponta de faca, de dizer com todas as letras que o rei está nu, é muito mais pernambucano do que carioca”, argumenta ela. Essa ideia estruturou a exposição Ocupação Nelson Rodrigues, que esteve em cartaz no Instituto Itaú de São Paulo e chega ao Recife para se instalar na Torre Malakoff hoje.

“A firmeza com que meu pai defendia o seu ponto de vista, sem ataques pessoais, me fez ter muito orgulho dele, considerando que vivemos num país em que é comum o insulto, a difamação contra os que não comungam do mesmo ponto de vista”, atesta outra filha, Sonia Rodrigues, no livro Nelson por ele mesmo (Editora Nova Fronteira, 2012).

Já Maria Lucia lembra que o Recife foi o centro de grandes e pequenas insurreições. Teve a primeira escola destinada a escravos quando isso era proibido. O que seria o Brasil começou a ser discutido em Recife e em Olinda: “Pernambuco é o Leão do Norte, tem um orgulho de ter sido um centro cosmopolita muito aguerrido. Não podemos nos esquecer que, apesar de ter se mudado muito pequeno para o Rio de Janeiro, a família do meu pai era muito pernambucana. Com certeza, ele captou todos os valores e inclusive o sotaque. Nelson era completamente pernambucano”.

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Pense em Nelson!

O implacável Nelson Rodrigues. Foto Carlos/Cedoc/ Funarte

Desde o início de 2012 e com mais furor durante este mês de agosto, iniciativas de várias frentes, mídia e editoras de livros celebram o centenário do dramaturgo, jornalista e escritor Nelson Rodrigues, com exposições multimídia, remontagens de suas peças e matérias, relançamento de obras e especiais nos jornais, revistas, rádio e televisão.  O autor de frases intrigantes, inclusive de que “Toda unanimidade é burra. Quem pensa com a unanimidade não precisa pensar” é alçado a posto de intelectual imprescindível para o entendimento do povo brasileiro, seja a partir de suas peças, crônicas, contos e outros textos.

Nelson Rodrigues nasceu no Recife há 100 anos, no dia 23 de agosto.

Ele morreu há 32 anos e nos deixou histórias ousadas, que são ressiginificadas neste século 21.  Sua vida foi marcada por tragédias pessoais, desde a morte do seu irmão Roberto, assassinado em sua frente, na redação de jornal do seu pai. Até sofrer com o empobrecimento da família, passando fome e adquirindo doenças (como a tuberculose). E a incompreensão de muitos, a pecha de reacionário, a tortura de seu filho Nelson Rodrigues Filho.

A morte de seu irmão Roberto causou-lhe um profundo horror ao assassinato. “Este horror é tanto que entre ser vítima ou assassino, prefiro ser vítima. A assassina foi absolvida e as pessoas aplaudiram como se estivessem em um programa de auditório. A partir deste instante, formei a convicção de que a opinião pública é uma débil mental”.

Quando à história de ser reaça, Nelson bradou que devotava à direita o mesmo horror que tinha pela esquerda. “O meu filho Nelson Rodrigues Filho foi torturado. Tive relações pessoais com o presidente Médici. Perguntei ao presidente se permitiria a meu filho, que vivia na clandestinidade, deixar o país. Mas o Nelsinho disse que só aceitaria o benefício se atingisse os seus companheiros”.

Tachado de pornográfico, Nelson também não aceitou o rótulo. “Não sou pornográfico. Pelo contrário, me chame de moralista. O único lugar onde o homem sofre e paga pelos pecados é em minhas peças. Numa época em que a maioria se comporta sexualmente como vira-latas, eu transformo um simples beijo numa abjeção eterna. Se há um brasileiro maníaco pela pureza, esse brasileiro sou eu”, comentou certa vez.

O gênio de Nelson ocupou as páginas da imprensa carioca durante várias décadas. Seu ritmo de produção era intenso. Além da seção diária de A vida como ela é…, ele escreveu as peças, crônicas de futebol e colunas esportivas para Última Hora, Jornal dos Sports e Manchete Esportiva… confissões, crônicas de costumes, contos e até seções de consultório sentimental, sob pseudônimos. Costumava dizer que trabalhava mais que um remador de Ben-Hur (filme clássico com Charlton Heston). Sonia Rodrigues, filha de Nelson, destaca que “A redação era o seu laboratório; as manchetes, um estímulo para a sua imaginação. A obrigação de escrever todos os dias o cansava, mas também dava terreno para que ele não parasse”.

Mas uma das facetas mais brilhantes desse provocador, polemista, inconformista, audacioso, contundente e inconveniente Nelson era que ele pensava por si mesmo. Um franco-atirador. Sonia acredita que na imprensa atual não há espaço para uma individualidade tão forte. “As pessoas estão certinhas, não tenho conhecimento de ninguém, no atual panorama brasileiro, que tenha coragem de esticar a corda como ele. Porque, para esticar a corda, é preciso assumir o risco da completa solidão”.

Um gênio chamado Nelson Rodrigues. Foto Carlos/Cedoc/ Funarte

100 Frases de Nelson para refletir. Concordar. Discordar. Testar a atualidade de cada uma delas…

Ou invente você mesmo o que fazer com essas palavras que chocaram, exaltaram, denegriram, provocaram…

“Deus está nas coincidências”.

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“Se há um brasileiro maníaco pela pureza,esse brasileiro sou eu”

“Só o inimigo não trai nunca”.

“Se todos conhecessem a intimidade sexual uns dos outros, ninguém cumprimentaria ninguém”

“Nem todas mulheres gostam de apanhar, só as normais”.

“Não se apresse em perdoar. A misericórdia também corrompe”.

“Três anos em uma editoria de polícia de um jornal pode formar um Balzac”.

“O pudor é a mais afrodisíaca das virtudes”.

“Só o cinismo redime um casamento. É preciso muito cinismo para que um casal chegue às bodas de prata”.

“A prostituta só enlouquece excepcionalmente. A mulher honesta, sim, é que, devorada pelos próprios escrúpulos, está sempre no limite, na implacável fronteira”.

“O dinheiro compra até o amor verdadeiro”.


“Muitas vezes é a falta de caráter que decide uma partida. Não se faz literatura, política e futebol com bons sentimentos…”

“O jovem tem todos os defeitos do adulto e mais um: o da inexperiência”.

“O brasileiro, quando não é canalha na véspera, é canalha no dia seguinte”.

“As grandes convivências estão a um milímetro do tédio”.

“O brasileiro não está preparado para ser o maior do mundo em coisa nenhuma. Ser o maior do mundo em qualquer coisa, mesmo em cuspe à distância, implica uma grave, pesada e sufocante responsabilidade”.


“Toda autocrítica tem a imodéstia de um necrológio redigido pelo próprio defunto”.


“A liberdade é mais importante do que o pão”.


“O artista tem que ser gênio para alguns e imbecil para outros. Se puder ser imbecil para todos, melhor ainda”.

“Só o rosto é indecente. Do pescoço para baixo, podia-se andar nu”.

“A plateia só é respeitosa quando não está a entender nada”.

“Qualquer indivíduo é mais importante do que a Via Láctea”.

“A grande vaia é mil vezes mais forte, mais poderosa, mais nobre do que a grande apoteose. Os admiradores corrompem”.

“O amor entre marido e mulher é uma grossa bandalheira. É abjeto que um homem deseje a mãe de seus próprios filhos”.

“Todo ginecologista devia ser casto. O ginecologista devia andar com batina, sandálias e coroinha na cabeça. Como um São Francisco de Assis, com luva de borracha e um passarinho em cada ombro”.


“Os homens mentiriam menos se as mulheres fizessem menos perguntas”.


“Na mulher interessante a beleza é secundária, irrelevante e até mesmo desnecessária. A beleza morre nos primeiros quinze dias, num insuportável tédio visual. Era preciso que alguém fosse de mulher em mulher anunciando: ser bonita não interessa, seja interessante!”

“Todo amor é eterno. Se não é eterno, não era amor”.


“Qualquer menino parece, hoje, um experimentado e perverso anão de 47 anos”.

“Sem paixão não dá nem pra chupar um picolé”

“Amar é dar razão a quem não tem”.

“Se os fatos são contra mim, pior para os fatos”.


“Deus escreve certo por pernas tortas”.

“Amar é ser fiel a quem nos trai”.


“Convém não facilitar com os bons, convém não provocar os puros. Há no ser humano, e ainda nos melhores, uma série de ferocidades adormecidas. O importante é não acordá-las”.

“A beleza interessa nos primeiros quinze dias; e morre, em seguida, num insuportável tédio visual”.

“A companhia de um paulista é a pior forma de solidão”.

“Sexta-feira é o dia em que a virtude prevarica”.


“Qualquer amor há de sofrer uma perseguição assassina. Somos impotentes do sentimento e não perdoamos o amor alheio. Por isso, não deixe ninguém saber que você ama”.

“Qualquer um de nós já amou errado, já odiou errado”.


“O homem começa a morrer na sua primeira experiência sexual”

“Com sorte você atravessa o mundo, sem sorte você não atravessa a rua”.


“Nada mais cretino e mais cretinizante do que a paixão política. É a única paixão sem grandeza, a única que é capaz de imbecilizar o homem”.

“Só acredito nas pessoas que ainda se ruborizam”.

“Só os profetas enxergam o óbvio”.

“Toda unanimidade é burra. Quem pensa com a unanimidade não precisa pensar”.


“Tudo passa, menos a adúltera. Nos botecos e nos velórios, na esquina e nas farmácias, há sempre alguém falando nas senhoras que traem. O amor bem-sucedido não interessa a ninguém”.

“Não reparem que eu misture os tratamentos de “tu” e “você”. Não acredito em brasileiro sem erro de concordância”.


“A televisão matou a janela”.

“Sou reacionário. Minha reação é contra tudo que não presta”.

“A cama é um móvel metafísico”.

“As vaias são os aplausos dos desanimados”.

“O ser humano é cego para os próprios defeitos. Jamais um vilão do cinema mudo proclamou-se vilão. Nem o idiota se diz idiota”.

“O brasileiro chamado de doutor treme em cima dos sapatos. Seja ele rei ou arquiteto, pau-de-arara, comerciário ou ministro, fica de lábio trêmulo e olho rútilo”.

“O amoroso é sincero até quando mente”.

“Toda mulher bonita é namorada lésbica de si mesma”.

“O homem só é feliz pelo supérfluo. No comunismo, só se tem o essencial. Que coisa abominável e ridícula!”


“Os defeitos existem dentro de nós, ativos e militantes, mas inconfessos…”

“O ‘homem de bem’ é um cadáver mal informado. Não sabe que morreu”.

“Até os canalhas envelhecem”.

“Se Euclides da Cunha fosse vivo teria preferido o Flamengo a Canudos para contar a história do povo brasileiro”.

“A adúltera é a mais pura porque está salva do desejo que apodrecia nela”.

“Começava a ter medo dos outros. Aprendia que a nossa solidão nasce da convivência humana”.


“Não há nada mais relapso do que a memória. Atrevo-me mesmo a dizer que a memória é uma vigarista, uma emérita falsificadora de fatos e de figuras”.

“O boteco é ressoante como uma concha marinha. Todas as vozes brasileiras passam por ele”.

“Existem situações em que até os idiotas perdem a modéstia”.

“Se o Fluminense jogasse no céu, eu morreria para vê-lo jogar”.


“A dúvida é autora das insônias mais cruéis. Ao passo que, inversamente, uma boa e sólida certeza vale como um barbitúrico irresistível”.

“Pode-se identificar um Tricolor entre milhares, entre milhões. Ele se distingue dos demais por uma irradiação específica e deslumbradora.”

“Tarado é toda pessoa normal pega em flagrante”.

“Criou-se uma situação realmente trágica: — ou o sujeito se submete ao idiota ou o idiota o extermina”.

“Via de regra, cada um de nós morre uma única e escassa vez. Só o ator e reincidente. O ator ou a atriz pode morrer todas as noites e duas vezes aos sábados e domingos”.

“Nada nos humilha mais do que a coragem alheia”.

“Eu me nego a acreditar que um político, mesmo o mais doce político, tenha senso moral”.

” …O homem deseja sem amar, a mulher deseja sem amor”.

“Todo tímido é candidato a um crime sexual”.

“Quem nunca desejou morrer com o ser amado nunca amou, nem sabe o que é amar”.

“O que atrapalha o brasileiro é o próprio brasileiro. Que Brasil formidável seria o Brasil se o brasileiro gostasse do brasileiro”.

“O amigo é um momento de eternidade”.


“Não me venham falar em Di Stéfano, em Puskas, em Sivori, em Suárez. Eis a singela e casta verdade: não chegam aos pés de Pelé. Quando muito, podem engraxar-lhe os sapatos, escovar-lhe o manto”.

“O Natal já foi festa, já foi um profundo gesto de amor. Hoje, o Natal é um orçamento”.

“Nossa ficção é cega para o cio nacional. Por exemplo: não há, na obra do Guimarães Rosa, uma só curra”.


“Um Garrincha transcende todos os padrões de julgamento. Estou certo de que o próprio Juízo Final há de sentir-se incompetente para opinar sobre o nosso Mané”.


“Toda coerência é, no mínimo, suspeita”.

“A maioria das pessoas imagina que o importante, no diálogo, é a palavra. Engano, e repito: – o importante é a pausa. É na pausa que duas pessoas se entendem e entram em comunhão”.

“Se Cristo, em vez de morrer na cruz, tivesse morrido de coqueluche aos quatro anos, não teria sido Cristo!”

“Só não estamos de quatro, urrando no bosque, porque o sentimento de culpa nos salva”.

“A morte de um velho amigo é uma catástrofe na memória. Todas nossas relações com o passado ficam alteradas”.


“Em 1911 ninguém bebia um copo d´água sem paixão”.

“A fome é mansa e casta. Quem não come não ama, nem odeia”.

“Em nosso século, o “grande homem” pode ser ao mesmo tempo, uma besta!”

“Não ama seu marido? Pois ame alguém, e já. Não perca tempo, minha senhora!”


“Ah, os nossos libertários! Bem os conheço, bem os conheço. Querem a própria liberdade! A dos outros, não. Que se dane a liberdade alheia. Berram contra todos os regimes de força, mas cada qual tem no bolso a sua ditadura”.


“Os heróis morrem em combate. Não dá tempo ao destino de flagrá-los na cama ou na cadeira de balanço!”

“Se eu tivesse que dar um conselho, diria aos mais jovens: – não façam literatice. O brasileiro é fascinado pelo chocalho da palavra”.

“Quero crer que certas épocas são doentes mentais. Por exemplo: – a nossa”.

“No Brasil, quem não é canalha na véspera é canalha no dia seguinte”.


“Minhas peças são obras morais. Deveriam ser encenadas na escola primária e nos seminários”.

“Não admito censura nem de Jesus Cristo”.

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Avante, Magiluth!

Magiluth estreou Viúva, porém honesta no Rio de Janeiro. Foto: Zé Britto

No último fim de semana, o Magiluth estreou mais um espetáculo: a sua versão para o texto Viúva, porém honesta, de Nelson Rodrigues. Como não conseguimos acompanhar as duas apresentações, que foram no Rio, no festival que está levando à cena todos os textos teatrais de Nelson, pedimos que o ator e dramaturgo do grupo, Giordano Castro, nos contasse como foi. Um relato especial para o Satisfeita, Yolanda?

Por Giordano Castro

Em todos os momentos da vida do Magiluth temos sempre uma música que marca alguns períodos. Às vezes é no processo de montagem que ela chega, às vezes é por acaso numa viagem, ou é simplesmente uma música que é usada como aquecimento e que acaba ficando… Nesse caso, a nossa música do momento é Bravura e brilho, de Siba, que está no CD novo dele, o Avante.

Esse ano esta sendo bem recheado de coisas boas pra gente e uma delas foi o prêmio para montagem de Viúva, porém honesta. A proposta dessa peça foi lançada por Pedro Vilela – ele conhecia o texto e acreditava que era a peça de Nelson que mais tinha a nossa cara. E também o prêmio vinha como uma oportunidade de sair do vermelho que ameaçava o grupo. Sempre tínhamos muito cautela ao pensar em montar um “textão” sabe? Às vezes questionavam a gente perguntando: “e aí quando vão montar um clássico?” ou “queria ver vocês fazendo o Shakespeare…” mas talvez isso não tenha sido um tesão nosso ainda… quem sabe um dia a gente faça, quem sabe não… mas a vez do Nelson chegou!

Quando ficamos sabendo da noticia de que passamos no edital estávamos em Santos montando O Canto de Gregório e ficamos muitos felizes, pulamos, rimos e etc… mas minutos depois olhamos um para cara do outro e dissemos: “Agora Fu…!”.  Não sabíamos o que fazer com esse Nelson, não tínhamos pensando anteriormente ou passado por um processo de estudo, coisa que sempre fazemos antes das nossas montagens. Em resumo, tínhamos apenas três meses pra colocar essa peça de pé. Na outra semana, já estávamos com os textos nas mãos, fazendo leitura para nos familiarizar com o Viúva. Aproveitamos também e demos umas lidas em outras obras e nas crônicas para entender as suas construções e não tem como negar, Nelson é Fo… Se você pega um texto e lê duas linhas que seja, você já olha e diz: isso é de Nelson! E não tem como negar quando você ouve um texto sendo dito, você já sabe, esse texto é de Nelson! Então concluímos, no texto dele a gente não vai mexer, mas como ele vai pra cena? Ah, aí é outra história.
Estando em São Paulo ocupando o espaço da Funarte por dois meses com os nossos outros trabalhos, tivemos que organizar e dividir o nosso tempo entre as ações que estávamos executando (temporada, oficinas, leitura, debates) e os ensaios para Viúva, identificamos também que era necessário um preparo para os atores, especialmente na voz. Para isso chamamos Mônica Montenegro, uma profissional que trabalhou com grandes nomes do teatro Paulista.  Já tínhamos ouvido falar dela por diversas pessoas e já que estávamos lá, não íamos perder essa oportunidade. Aproveitamos também a passagem do nosso amigo Ricardo Martins, ator da Cia. Armazém de Teatro, e pedimos a ele que trabalhasse conosco algo voltado para a construção de personagens, um trabalho fundamental para a modelagem das figuras que fazemos na peça.

Trabalhávamos em dois turnos e a noite todos os nossos papos eram: “ei… vamos fazer isso naquela cena?”, “olha, tive uma ideia…”, “Pedro, eu vi isso aqui, olha, será que serve pra gente?”. Foi um período de imersão total para a montagem, não tínhamos tempo para muitos questionamentos, tínhamos que fazer e, por isso, de certa forma, o tempo corrido foi um aliado para os resultados.

Com um mês de ensaio já tínhamos a metade da peça resolvida. Pra gente era tudo muito divertido, mas o x da questão era: e público será que eles vão se divertir também? Aproveitamos a passagem de amigos por São Paulo e convidamos eles para assistirem a alguns ensaios abertos. O Francis Wilker, do Teatro do Concreto (DF),  foi um dos convidados; as meninas da Cia. Brasileira (PR) – Nadja Naira e Giovana Soar, e também amigos que fizemos por lá… Biagio Picorelli performer e amigo nosso que mora hoje em São Paulo… Todos os que podiam contribuir de alguma forma eram muito bem vindos. Depois desses ensaios, percebemos que precisaríamos de alguém pra dá uma ordem ao caos (caos que adoramos) e pra isso, chamamos Simone Mina.

Simone Mina é uma artista que há muito tempo acompanhávamos. Ela trabalha com a Cia. Livre e também fez outros trabalhos da Cibele Forjaz. Muitos trabalhos que a gente admira tem a mão dela envolvida. Queríamos que a peça não perdesse muito da cara que tinha nos ensaios. Gostávamos do tom de precariedade e de ressignificação que dávamos aos elementos e ela soube respeitar isso e potencializar outros aspectos.

Partimos para o último mês e a corda começava a apertar o pescoço… correndo contra o tempo e ainda tendo que dar conta das outras atividades dos grupos. Mas era tão bom ensaiar o Viúva que esse resto de tempo que parecia ser desesperador, na verdade, foi ainda mais  divertido. Agora era só esperar a estreia no Rio…

No Rio, continuávamos ensaiando e em todas as pausas que tínhamos e saíamos do teatro para dar uma respirada, víamos a movimentação na bilheteria. Logo mais a produtora do teatro avisa a gente que os ingressos de sábado já estavam esgotados – frio na barriga – é bom lembrar que os ingressos estavam a preço super populares e todas as apresentações do festival A gosto de Nelson estão tendo a casa lotada.

Chegou a hora da estreia. E apresentação foi para nós muito boa. Apesar de ser um estreia (geralmente há pontos que ainda precisam ser ajustados na estreia), a apresentação foi no tom. E, o que é melhor, o público mostrou ter gostado bastante. No domingo conseguimos ajustar os últimos detalhes e novamente ficamos felizes com o resultado final. Ah… é importante agradecer ao grupo Armazém 88, que quebrou um galho pra gente emprestando 20 cadeiras que usamos na peça.

E agora voltamos para o Recife… extremamente ansiosos para a nossa estreia aqui e para saber como o público vai receber essa Viúva!

Ah… e o que a música tem a ver com essa história? Nada! Mas ela é tão bonitinha! hehehehehehehehe
O dia acaba de amanhecer
O meu herói vem me despertar…

A peça Viúva, porém honesta, abre o Festival A Letra e A Voz. A coletiva de imprensa foi hoje pela manhã. A apresentação será no dia 19 de agosto, às 17h. É a primeira vez que o Magiluth se apresenta no Santa Isabel.

Grupo abre o Festival A letra e a voz, no Teatro de Santa Isabel, dia 19 de agosto

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Frescor de Nelson Rodrigues

Montagem mineira de A mulher sem pecado. Fotos Ivana Moura

A montagem do texto de Nelson Rodrigues (1912-1980), A mulher sem pecado, da Cia Arlecchino de Belo Horizonte (MG) explora com maestria os dois lados da situação de um ciumento compulsivo, que exercita tortura psicológica para saber se sua mulher é fiel ou não. Olegário é extremamente possessivo e morre de ciúmes de Lídia. Ele coloca seus empregados para vigiar Lídia, e exige que ela cuide da sogra doente. Ele tem ciúmes até do irmão da mulher. Mas isso é todo o dia, o dia todo. Tem quem aguente?

A imaginação doentia do protagonista rende alucinações e imagens interessantes na encenação. Sua desconfiança de que está sendo traído piora quando ele fica paralítico.

Performance admirável do protagonista Paulo Rezende

Dirigido por Kalluh Araujo, A mulher sem pecado apresenta um clima enevoado e sinistro, que destaca as desgraças psicológicas dos personagens, mas por trás disso também investe no tom novelesco e folhetinesco do texto, o que rende algumas gargalhadas com as frases de efeitos de Nelson Rodrigues. Coisas que parecem tão distantes e tão próximas. O machismo exarcebado, que gera a cegueira, a temida traição e a morte.

A mulher sem pecado marcou a estreia de Nelson nos palcos, em meio à consagrada carreira de romancista e cronista. Ainda não existe a sofisticação do dramaturgo maduro, mas sua essência já está lá. O diretor já é um conhecido do universo rogrigueano: encenou antes A serpente e Perdoa-me por me traíres.

O ator Paulo Rezende, que interpreta o maníaco Olegário com tiques e sutilezas, é para se aplaudir. O cínico e dissimulado Umberto é vivido por Alexandre Vasconcelos em boa atuação assim como Ana Luiza Amparado no papel de Lídia,que também faz movimentos de dança para revelar o tumulto interior.

Magadale Alves no papel da criada

A atriz Magdale Alves está bem e faz dois papeis opostos, a criada Inézia e D. Márcia, ex-lavadeira e mãe de Lídia. Lógico que gostaríamos de ver nossa querida Magdale em papel maior, mas reparem nos detalhes desses pequenas performances para perceber a grandeza do talento da intérprete.

Eliana Esteves faz D. Aninha (doida pacífica, mãe de Olegário) e passa a peça inteira no alto torcendo seus paninhos, ignorada ou sendo maltratada pela nora. Marcos Eurélio Pereira faz o empregado de Olegário. Dirlean Loyola faz primeira esposa de Olegário, já falecida e dá suporte em algumas cenas. A atuação de Diego Krisp como o irmão de criação virgem de Lídia é pouco convincente. As aparições da menina Ludmilla Cristine me pareceram dispensáveis.

Além de dirigir, Kalluh Araújo assina iluminação, sonoplastia, figurinos e cenários. Os cenários são um grande trunfo da montagem, com várias escadas que não vão a lugar nenhum. Esse cenário foi inspirado na obra do artista holandês Maurits Cornelis Escher (1898-1972), que criou imagens com grande poder de ilusão de ótica, representando construções impossíveis, explorações do infinito e metamorfoses.

Na peça, além das escadas, Kalluh criou calabouços de onde surgem personagens e outras entradas e saídas surpreendentes.

Cenários, figurinos e iluminação também são assinados por Kalluh Araujo

A iluminação sombreada como num folhetim policial, e com seus focos de luzes nos personagens atravessado o palco, faz o jogo de revelações em doses homeopáticas. Já a sonoplastia é rasgada e entrega quando toca.

Os figurinos apontam para a década de 1940, com suas peças sóbrias. Um detalhe importante e revelador são os forros das roupas das personagens (assim como sapatos) de tecido vemelho, que indicam que por trás da do cotidiano sem grandes emoções, e até maçante, existe um vulcão sensual disposto a explodir.

É um bom Nelson.

A filha do dramaturgo, Maria Lúcia Rodrigues, estava aqui e recebeu flores do grupo.

Serviço:
A mulher sem pecado
Quando: hoje, 19h
Onde: Teatro de Santa Isabel
Duração: 1h50

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