Trazer o próprio ofício ao palco não é uma tarefa fácil. Porque há o risco, gigantesco por sinal, de ficarmos rodando em círculos, falando do próprio umbigo. E muitas vezes os autores esquecem que não estão escrevendo para os seus pares. Não conhecia o texto A Filha do Teatro, de Luís Augusto Reis, até ver a montagem da Cênicas Cia de Repertório, que estreou no Janeiro de Grandes Espetáculos, no Teatro Arraial. E em meio a tantas montagens do Janeiro – algumas nem tão boas assim -, A Filha do Teatro foi um achado. Um respiro. Bom texto e boas atrizes, ufa! Que combinação difícil de encontrar!
O texto é intrigante, interessante, nos envolve logo de cara e faz com que a gente permaneça assim até o fim. E olhe que (nada mais óbvio de dizer), neste caso, é importante ressaltar sim: é um texto que depende em muito das atrizes que vão encená-lo. A primeira personagem mesmo diz: “Como diretora de teatro, eu já devia ter aprendido isto: não adianta querer consertar tudo. Por mais que você mostre os melhores caminhos, os atores terminam fazendo o que eles querem – ou podem.”
A Cênicas Companhia de Repertório fez uma escolha muito consciente e feliz. Mostra o amadurecimento do grupo, a vontade de continuar crescendo e apostando no trabalho continuado. É o décimo espetáculo do grupo em onze anos de atividade; e, para esta montagem, eles não tiveram nenhum apoio financeiro.
A opção pela narração na dramaturgia se sustenta pela qualidade das atrizes e pelo jogo que se estabelece entre elas – Bruna Castiel, Sônia Carvalho e Manuela Costa. Quatro mulheres são citadas no texto e apenas três delas são representadas, com as atrizes trocando os mesmos papeis com o desenrolar da história.
A atuação de Manuela logo na abertura da montagem já nos captura de pronto. Bruna Castiel causa impacto com corpo e, principalmente, voz. É uma jovem atriz que ainda pode nos surpreender muito. Pelo papel em A Filha do Teatro, aliás, ela levou o prêmio Apacepe de melhor atriz no Janeiro de Grandes Espetáculos 2013.
Claro que foi uma estreia – e aí há sempre os percalços. Sônia Carvalho, por exemplo, tropeçou no texto. Aqueles instantes de angústia para ator e público.
A direção de Antônio Rodrigues é correta, mas o ritmo da montagem ainda soava um pouco arrastado, lento. E talvez esse texto, essas atrizes, mereçam uma experimentação mais ousada; seja nos cenários, na movimentação em cena, na iluminação. A cena pode trazer mais tensão, pode capitalizar o texto.
O espetáculo, que deve entrar em temporada no fim de março, merece tempo em cartaz para amadurecer, para ter o ritmo ajustado e para que o público tenha a oportunidade de ajudar a construir essa obra.
Volto ao texto de Luís. “Todo mundo de teatro tem essa pretensão de querer mostrar “as verdades” para o público. Mas é o público que nos mostra a verdade! Ficamos meses, às vezes anos, concebendo um espetáculo, e aí vem a plateia, paga o ingresso, e só quer uma boa diversãozinha. Quer esquecer as verdades, por uma ou duas horas, de preferência dando muitas gargalhadas. Nos meus espetáculos, eu odiava quando a plateia ria por qualquer coisa”.