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Santos Fofos*

* POR TAY LOPEZ

Terra de Santo, novo espetáculo dos Fofos Encenam, estreia hoje no Sesc Belenzinho. Foto: João Caldas

A querida Yolanda Pollyanna Diniz me deu uma tarefa: escrever algo sobre a estreia do espetáculo Terra de Santo aqui em São Paulo. A primeira resposta foi negativa, pois não sou jornalista, não sou crítico e tenho um afeto muito grande pelos integrantes do grupo Os Fofos Encenam. Portanto, não gostaria de ser leviano com artistas que tanto admiro. Resultado: assisti ao espetáculo, e cá estou eu escrevendo algumas singelas palavras a respeito das emoções que a peça me provocou.

“Nos teus olhos eu vi o mundo inteiro Jesuíno.” É através desta frase que noto estar completamente mergulhado nas palavras de Newton Moreno e percebo-me num local onde só a arte é capaz de nos colocar. Aquele espaço de encantamento e poesia onde nos encontramos com nós mesmos. Logo no começo do espetáculo, somos convidados a entrar no alojamento de um grupo de cortadores de cana e, aos poucos, vamos percebendo o entorno: um radinho sintonizado numa transmissora local, mesas, uma pequena cozinha, um telefone público, um beliche, um grande telhado sobre nossas cabeças e objetos pessoais dispostos como num set de cinema, onde os personagens vão surgindo e fazendo valer toda aquela cenografia detalhista.

O público continua apenas como observador e assim vamos acompanhando a história contada como se estivéssemos mortos num espaço cheio de vida pulsante. Sinto-me assim, pois não existe uma relação direta de interação. Apesar de estarmos muito próximos dos atores, somos invisíveis.

A personagem responsável por nos colocar em contato com um fio de história, que começa a fisgar o espectador através de um anzol bastante carismático é Mariene (Kátia Daher). Com um humor sutil de figuras populares que habitam o universo dos canaviais nos envolvemos no enredo.

Dramaturgia é de Newton Moreno

De acordo com a sinopse, um grupo de mulheres ocupa terras de uma usina canavieira, alegando que é uma propriedade dada em cartório a um santo, espaço sagrado, onde rituais são realizados. A essas terras destinadas à cana elas nomeiam como ‘terra de santo’. As máquinas aproximam-se, mas elas, guardiães do lugar, não deixam as terras. Esse é o eixo principal da peça, e a partir dele se dá uma viagem poética e uma conversa com ‘mortos da sociedade da cana’, outras famílias e etnias e suas histórias de resistência ou rompimentos com espaços sagrados, tradições e fé.

Atravessamos uma porta e vamos para um “quintal”, onde a partir de agora, não me sinto mais como um morto que passa desapercebido. Somos olhados diretamente nos olhos e nos sentimos cheios de bençãos pelas figuras que nos recebem na cena. São quatro Santeiras (Carol Brada, Cris Rocha, Erica Montanheiro e Simone Evaristo). Pegam em nossas mãos e nos conduzem para a acomodação em torno do tablado que se apresenta em nossa frente. A Terra de Santo. Fica para trás a ambiência de um espaço coloquial e agora nos encontramos num cenário com cheiros, cânticos místicos, penumbras e luz de velas, típicas de um templo sagrado. Nesse templo, as Santeiras vão, ora representando, ora incorporando, ora apenas nos apresentando a história de seus antepassados a partir dos mortos que fazem, solenemente, ressurgir no espaço. Um passeio, através dos séculos, pela brasilidade que hoje conhecemos, apresentadas como um panorama sacro/social das histórias contadas por índios, judeus, cristãos e negros. História que nos chega aos olhos pela bela proposição de encenação dos diretores Newton Moreno e Fernando Neves.

São essas mães, as Santeiras, responsáveis por nos nos colocar diretamente em contato com nossa própria ancestralidade, formação social, econômica e religiosa. Um espetacular retrato histórico e filosófico do Brasil muito bem alinhavado por um dramaturgo que dispensa elogios. Surgem então metáforas que nos obrigam a ver o mundo através de nossos próprios olhos e que também nos fazem percorrer os labirintos de nosso pensamento em forma de sinapses constantes que trazem à tona as nossas memórias pessoais e despertam um confronto direto com o que hoje chamamos de homem contemporâneo.

Se me percebo um morto invisível no primeiro movimento do espetáculo, me percebo um morto com voz no segundo e ao blackout final resta a pergunta: onde está a minha terra sagrada e o que fazer para que ela não seja destruída? Sim. As reflexões políticas propostas pelo poético espetáculo do grupo de teatro Os Fofos Encenam me põem em contato com algo mais amplo do que a contemplação de uma trajetória épica/trágica de um personagem em busca de sua completude. Terra de Santo nos provoca um dilatar da pupila.

Um elenco, sem dúvidas talentoso, nos presenteia com uma obra que transcende o ato teatral. A pesquisa e processo colaborativo deste grupo inquieto de artistas é bastante perceptível, dando extrema propriedade à toda equipe a respeito daquilo que está sendo dito no sagrado espaço do fazer teatral. Se em Assombrações do Recife Velho, me sinto como uma criança perante o medo das almas que nos assombram e em Memória da Cana, num diálogo bastante intenso com o Pai; em Terra de Santo, me vejo tendo uma sincera e silenciosa conversa com a grande Mãe que nos gerou. Colocando-me num embate direto com a maturidade e com o reconhecimento de uma fertilidade espiritual que nos habita e nos faz caminhar. Colocando-me frente aquilo que nos constrói ou nos destrói.

* texto do ator Tay Lopez. Ele viu ontem uma apresentação só para convidados da peça Terra de santo, do grupo Os fofos encenam. A montagem entra em cartaz hoje, no Sesc Belenzinho.

Serviço:
Terra de santo, da Cia Os Fofos Encenam
Quando: hoje, às 19h. Amanhã (14), às 16h30.
Temporada: terças e quartas-feiras, às 20h30. Sábados, às 21h. Domingos, às 17h. (Exceto dia 28/10 – Unidade fechada ) até 11/11.
Onde: Sesc Belenzinho, São Paulo
Quanto: R$ 24 e R$ 12

Montagem fica em cartaz no Sesc Belenzinho até novembro

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Retrato de cinco séculos de açúcar

Os fofos encenam bebem novamente na cultura pernambucana. Foto: Val Lima

Os integrantes da Cia. Os fofos encenam, de São Paulo, estão em Pernambuco desde o último domingo para realizar pesquisas e vivências para a próxima montagem adulta do grupo, intitulada Pentateuco. Ontem e hoje, eles participaram de uma oficina com Alessandra Leão e de amanhã até o dia 26 estarão em Vicência, visitando antigos engenhos da Zona da Mata.

Já nos dias 27 e 28, o grupo vai participar do curso Civilização do açúcar: história, tradição e costumes, aberto ao público, que será realizado na Fundação Gilberto Freyre, em Apipucos.
De acordo com o grupo, “a proposta é fotografar a continuidade de um processo civilizatório através de cinco séculos (1500-2000), realçando aspectos relevantes e rotineiros da vida social, tanto íntima, quanto pública”.

Histórias, costumes, lendas e expressões culturais, como forró pé de serra e coco de roda, devem permear essa nova montagem. Em Memória da cana, Os fofos já beberam na cultura patriarcal, na casa grande e no engenho, mas o texto era de Nelson Rodrigues, com um arcabouço de Gilberto Freyre. Agora, o desafio é ainda maior: criar uma dramaturgia. A direção deve ser novamente de Newton Moreno. O projeto Pentateuco recebeu patrocínio da Petrobras.

Civilização do açúcar: história, tradição e costumes
Dia 27 de junho
9h00 – A História do Brasil vista pelo açúcar – George Cabral (Historiador – UFPE)
14h00 – A Saga do Açúcar – Fátima Quintas (antropóloga – FGF)
16h00 – O Ethos Indígena – Renato Athias (antropólogo – UFPE)

Dia 28 de junho
9h00 – Judeus e açúcar em Pernambuco – Jacques Ribemboim (prof. da UFRPE)
14h00 – O Sagrado e o Profano no mundo da cana-de-açúcar – Suely Almeida (prof. da UFRPE)
16h00 – Histórias, lendas e folguedos da Zona da Mata – Aline Gomes Cavalcanti (prof. de Amaraji, interior de Pernambuco)

Serviço:
Onde: Fundação Gilberto Freyre (Rua Dois Irmãos, 320, Apipucos, Recife)
Quando: 27 e 28 de junho, das 9h às 12h e das 14h às 18h
Quanto: entrada franca
Informações: (81) 3441-2883

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Os fofos para pequenos

A companhia Os fofos encenam, que está completando uma década de atuação este ano, deve estrear no mês de julho o seu primeiro espetáculo infanto-juvenil. É baseado no livro A lenda do vale da lua, que teve sua primeira edição publicada em 1975 por João das Neves. É ele mesmo quem deve dirigir a montagem. Os pernambucanos Luciana Lyra, Viviane Madu e Paulo de Pontes, que estão no elenco de Memória da cana, devem fazer parte da equipe técnica.

Falar nisso, quem ainda não viu Memória da cana (baseada em texto de Nelson Rodrigues, mas a partir da perspectiva de Gilberto Freyre) e estiver pelo Rio, vale a pena conferir a peça, em cartaz no CCBB. A estreia foi hoje à noite e a montagem fica em cartaz até 05 de junho, de quarta a domingo, sempre às 19h30. Os ingressos custam R$ 10 e R$5. A direção é de Newton Moreno e no elenco estão Carlos Ataíde, Kátia Daher, Luciana Lyra, Marcelo Andrade, Paulo de Pontes e Viviane Madu. É pra sentir o cheiro da cana e o sabor amargo do patriarcalismo.

Memória da cana. Foto: Val Lima. Em cena, Luciana Lyra.

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E o vento uivando lá fora…

Foto: Val Lima/Divulgação

As fotos em preto em branco reportam ao passado, de outras explorações e segredos familiares que poderiam fazer ruir um império. Enquanto espera, o público ouve o diálogo entre duas adolescentes. A plateia logo era convidada a entrar no espaço erguido no Nascedouro de Peixinhos para alojar a temporada de Memória da cana, montagem do grupo Os fofos encenam. Todo o arcabouço da casa é feito de cana-de-açúcar, o que provoca uma viagem por cheiros doces e azedos.

Foto: Val Lima/Divulgação

Dividido em quartos, o espectador compartilha da intimidade dessa família. O texto é adaptado de Álbum de família, de Nelson Rodrigues, e as referências realçam as ideias de Gilberto Freyre. O pai Jonas (Marcelo Andrade), abusa das negrinhas, de preferência de 12, 13 anos, com a ajuda da cunhada solteirona, Tia Ruthe (Kátia Daher), e ambos humilham Senhorinha (Luciana Lyra). Dos seus cômodos, cada personagem revela um pouco de seus desejos, enquanto Nonô, o filho de Senhorinha e Jonas que enlouqueceu (Carlos Ataíde), ronda a casa. Glória (Viviane Madu)é vista pelo pai como santa e também é alvo de desejo do irmão Guilherme (Paulo de Pontes).

Daquela cana, das violências do homens contra jovenzinhas em flor, da ira da mulher branca, do máximo de exploração do humano está calcada essa sociedade orgulhosa de sua tradição. O dramaturgo e diretor pernambucano Newton Moreno e seu grupo provocam investigações estéticas em várias frentes. Uma delas é essa memória da formação brasileira e pernambucana em particular. O som dos brincantes do maracatu chega mais forte na segunda parte do espetáculo. O vento uivando lá fora e as mortes maculando o nome da família e fazendo ajustes com o destino.

A sensualidade transborda na movimentação dos personagens e ganha um relevo especial a atuação do elenco feminino. Luciana Lyra está estupenda como Senhorinha e ousa um caminho diferente das muitas representações dessa figura rodrigueana. Apesar de humilhada, é mais corajosa e carrega uma dança de vida, impregnada por baixo de tantos panos.

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