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Nelson Rodrigues e as propostas para este milênio na Fliporto

Geneton Moraes Neto conversa com Heloísa Seixas e Ruy Castro. Foto: Beto Figueiroa

A homenagem a Nelson Rodrigues rendeu mesas muito interessantes na 8ª edição da Festa Literária Internacional de Pernambuco – Fliporto, que terminou no último domingo em Olinda. Perdi duas das mais esperadas – com o filho do dramaturgo, Nelson Rodrigues Filho, na sexta-feira; e com as filhas Sônia e Maria Lúcia, no domingo pela manhã. (Quem viu essas??? Compartilha as impressões nos comentários!)

No sábado, a tenda do Congresso Literário ficou bem cheia pra mesa com Ruy Castro e Heloísa Seixas, mediada pelo jornalista Geneton Moraes Neto. E aí, numa feira literária, as palavras fazem toda diferença. Muita gente (inclusive a pessoa que vos escreve) saiu meio frustrada. Não é que a mesa não tenha sido interessante; mas as perguntas da plateia geralmente apimentam o debate. Só que na programação dizia: “Ruy Castro e Heloísa Seixas ‘conversam’ com Geneton Moraes Neto”. A plateia até fez perguntas…mas elas não rolaram. (E Geneton nem entra na série #mediadoressemnoção. Alguns deixavam a plateia boaquiaberta com algumas pérolas! Uma arte essa a da mediação!)

Ruy Castro falou sobre a feitura da biografia de Nelson. Uma obra que tanto nos aproxima do pernambucano. Que faz com que a gente (mais uma vez, euzinha mesmo) quase não se perdoe por não ter nascido um pouquinho antes…pra ter tido a chance de conhecer, entrevistar, conversar, encontrar no bar esse gênio que era Nelson – mesmo diante da banalização dessa palavra.

Ruy começou contando que aprendeu a ler com Nelson Rodrigues. “Foi aos quatro anos, com minha mãe lendo para mim A vida como ela é, publicada no Última hora. Quando ela viu, eu estava juntando as letras”, contou. Disse ainda o quanto Nelson andava esquecido antes da publicação do livro. Foram a admiração e a curiosidade que impulsionaram o biógrafo. Ruy chegava às livrarias e os atendentes nem sabiam quem era Nelson. Nos sebos, os senhorzinhos diziam logo que não tinham os livros; quando o escritor insistiu, foi pra uma lista enorme de espera, num caderno de páginas amareladas.

Heloísa lembrou que certo dia Ruy a levou para uma conversa com as irmãs de Nelson. A bem da verdade, queria que ela ficasse lá entretendo as irmãs enquanto ele mergulhava nos documentos, fotos, papeis que elas tinham e não emprestavam de jeito nenhum. “Eu me vi transportada para uma peça do Nelson. Aqueles móveis de madeira escura, as cortinas de veludo”. As irmãs lembrariam as tias da peça Doroteia. E falariam dos irmãos e especificamente de Nelson com os olhinhos brilhando; até com certa sensualidade. (No dia seguinte encontrei com duas senhorinhas que tinham visto essa mesa e a das filhas de Nelson. O comentário era: ‘que absurdo! Ele falou de sensualidade das irmãs. Mas Nelson ficou doente várias vezes! E eram as irmãs que cuidavam dele!’).

Tantos as irmãs quanto Dona Elza, a primeira esposa, teriam ficado chateadas com alguns trechos da biografia, conta o próprio Ruy. Dona Elza teria voltado atrás, mas as irmãs morreram ainda arretadas com Ruy.

Geneton contou sobre a entrevista que fez com Nelson. O dramaturgo marcou na mesma hora de um jogo da seleção brasileira. E lá pelas tantas perguntou com quem o Brasil tinha jogado!

Luiz Reis, José Castello e Antonio Cadengue. Foto: Pollyanna Diniz

Nelson em cena – Outra mesa muito interessante, embora com pouco público, foi realizada no início da tarde do domingo: com o jornalista e escritor José Castello, o diretor e professor Antonio Cadengue e mediação do professor e dramaturgo Luis Reis. Castello fez logo a confissão. É Fluminense por causa de Nelson. “Eu sou um torcedor literário”, brincou. E trouxe uma ótima sacada. A partir do livro Seis propostas para o próximo milênio, de Ítalo Calvino, Castello elencou as ‘Seis propostas para este milênio’, tomando as crônicas de Nelson como guia. Seriam elas: imaginação, modéstia, obsessão, amizade, serenidade e transcendência.

Já Cadengue fez uma homenagem a Sábato Magaldi, que foi o seu orientador no mestrado e no doutorado, talvez o maior especialista em Nelson. Falou desde a classificação das peças teatrais até os avanços que Nelson propôs em cena, a relação com os diretores, as montagens de Antunes Filho; e peças dirigidas pelo próprio Cadengue, como Viúva, porém honesta, com o grupo Vivencial; e Senhora dos Afogados, com a companhia Teatro de Seraphim.

Ruy Castro – biógrafo e vilão?! Foto: Beto Figueirôa

Polêmica – Voltando à mesa que perdi, com as filhas de Nelson Rodrigues, o que ouvi de algumas pessoas é que elas negaram a versão de Ruy Castro na biografia O anjo pornográfico. Sônia, Maria Lúcia e Paulo César são filhos de Yolanda, que era secretária de um radialista da então rádio Mayrink Veiga, e se envolveu com Nelson na década de 1950.

Um trecho do livro diz: “Em 1967, Nelson foi procurado no Jornal dos Sports por uma menina que se dizia sua filha: Maria Lúcia, filha de Yolanda, a ‘ardente canarina’ com quem ele tivera um longo ‘caso’ nos anos 50. Maria Lúcia tinha agora 14 anos. (Quando Nelson a vira pela última vez, ela tinha quatro anos). A menina falou-lhe de seus dois irmãos. Sônia, de doze anos, e Paulo César, de dez. Durante todo aquele tempo tinham se mantido afastados porque sua mãe os proibira de vê-lo. Mas agora estavam em dificuldades: a mãe se ‘ausentara’, precisavam que lhe desse uma pensão.

Nelson não gostou do que ouviu. Admitia que o garoto fosse seu, mas nunca tivera certeza quanto às meninas. Maria Lúcia alegou que tinham certidões de nascimento, que Nelson os reconhera como filhos. Nelson negou que tivesse feito tal coisa”.

Mais lá na frente ainda diz: “Nelson disse várias vezes a Augustinho (irmão de Nelson): ‘Não me incomodaria de ajudar se elas não fossem tão desagradáveis e hostis. Desse jeito, é uma chantagem’.

Segundo o pessoal da Dupla Comunicação, as mesas gravadas depois serão disponibilizadas na internet. Vou ficar ligada para assim que essa estiver no ar, colocar o link por aqui!

As filhas de Nelson Rodrigues e Yolanda. Foto: Leandro Lima

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Centenário que rende

“O teatro foi muito importante para mim. E nós (Mia Couto e José Eduardo Agualusa) escrevemos duas ou três peças juntos. Lembro que quando assistimos, foi engraçado. Não sabíamos mais o que tinha sido feito por um ou outro”, disse Mia Couto na Fliporto na manhã de hoje. A mesa, na tenda principal, estava lotada.

Homenageando Nelson Rodrigues, nesses dois últimos dias, a Fliporto ainda tem uma programação que permeia muito as artes cênicas.

Hoje à tarde, às 16h30, Ruy Castro e Heloísa Seixas conversam com Geneton Moraes Neto. O tema é “Segredos e Inconfidências d’O Anjo pornográfico.

Às 20h, Edney Silvestre conversa com Claudiney Ferreira sobre o tema “Romance e drama” e depois haverá a leitura dramática da peça inédita Boa noite a todos, de Edney Silvestre, com Christiane Torloni.

Amanhã, às 10h, a primeira mesa é com Sonia Rodrigues e Maria Lucia Rodrigues (filhas de Nelson) e Adriana Armony, com mediação de Rogério Pereira sobre o tema As mulheres (d)e Nelson Rodrigues.

Ao meio-dia, José Castello e Antonio Cadengue, tratam do tema “Nelson Rodrigues em cena”, com mediação de Luis Augusto Reis.

Os ingressos para cada mesa custam R$ 20 e R$ 10 (meia-entrada).

Christiane Torloni vai ler Boa noite a todos, de Edney Silvestre. Foto: Leandro Lima/Divulgação

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Ocupação Nelson Rodrigues na Torre Malakoff

Exposição multimídia é inaugurada hoje. Foto Ivson/Divulgação

As múltiplas personas de Nelson Rodrigues podem ser conferidas a partir de hoje, na Ocupação Nelson Rodrigues, exposição multimídia, instalada a partir de hoje na Torre Malakoff, no Bairro do Recife. O acervo é composto por jornais, pôsteres, revistas, entrevistas sonoras, audiovisuais e impressas.

A curadoria do evento é compartilhada entre a filha e a neta do autor, Maria Lucia Rodrigues e Sônia Muller, o que reforça a abordagem afetiva, sob uma perspectiva familiar. “A Torre Malakoff é um lugar carregado de significado. Além de belíssimo, o prédio fica de frente para o mar do Recife, tão apreciado pelo meu pai”, destaca Maria Lúcia.

Depois de temporada no Itaú Cultural em São Paulo, a Ocupação Nelson Rodrigues ganha alguns ajustes ao espaço no Recife, que é bem maior e vai contar com mais elementos. As águas marítimas, inclusive, dão boas-vindas aos visitantes por meio de um espelho d’água com imagens do Recife. “É uma ilustração da origem pernambucana, do encontro das águas, a mesma de João Cabral de Melo Neto, do Cão sem plumas”, explica o cenógrafo Valdy Lopes Jr.

Há uma área que representa o núcleo familiar, com referência às casas em que o Nelson morou, tanto no Recife quanto no Rio de Janeiro, além de seus vizinhos (cariocas e recifenses). Um espaço dedicado ao Nelson jornalista. Uma parede roxa marca o trágico na trajetória de Nelson. Tem o a porção dramaturgo, com material audiovisual.

A mostra fica em cartaz até 21 de outubro.

Ocupação Nelson Rodrigues
Quando:
Hoje, 23 de agosto (aberto para convidados); sexta-feira, 24 de agosto, a domingo, 21 de outubro (aberto ao público)
Onde: Torre Malakoff, Bairro do Recife
Visitação: terça a sexta-feira, das 10h às 19h; sábado, domingo e feriados, das 15h às 19h
Informações: (81) 3184-3180
Entrada gratuita

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Pernambucanismo de Nelson

Obra de Nelson está impregnada de valores pernambucanos

Não é possível entender o jornalista, cronista e dramaturgo Nelson Rodrigues sem o Recife. Do mesmo modo que não dá para considerar o teatro brasileiro sem o dramaturgo ou o bailado dos dribles no futebol sem o cronista apaixonante. Ele dizia que a mais reles pelada de ponta de esquina tinha a complexidade de uma tragédia shakespeareana. Esse gênio, praticamente uma unanimidade atualmente, termo que ele combatia dizendo que toda unanimidade é burra, já foi chamado de pornográfico e coisas do gênero.

Esse Nelson nasceu no Recife, em 1912. Chegaria aos 100 anos hoje, dia 23. As sensações inaugurais que experimentou na capital pernambucana e em Olinda ficaram gravadas em suas memórias. Gostos e cheiros, de pitangas e cajus. “O mar significava Olinda, a minha infância profunda. Portanto o mar significava a minha pátria, a minha paisagem”.

O pai, Mário Leite Rodrigues, foi um jornalista combativo formado pela Escola de Direito do Recife que havia trabalhado em 13 veículos na capital pernambucana. Ficou na miséria depois que seu jornal foi empastelado por questões políticas e foi tentar a sorte no Rio de Janeiro. Viajou sozinho. Mas a mulher e os filhos chegaram pouco depois. Nelson tinha quatro anos de idade e o sentimento do mundo impregnado nor corpo e na sua alma.

Sua filha, a jornalista e pedagoga Maria Lúcia Rodrigues tem uma tese. Para ela, ter nascido em Pernambuco e ser da família Rodrigues forjou o gênio Nelson. “A minha hipótese é que ele tem duas bases: o Recife e a família Rodrigues. De 1700 até agora, os Rodrigues sempre foram urbanos, médicos, jornalistas, profissionais da classe média. Não tinham cabedais, mas era mais livre para exercer a crítica. Essa família pernambucana o cercou durante a vida inteira. Só sobreviveram a tantas tragédias porque eram muito unidos”, avalia.

E as tragédias não foram poucas. Ele passou fome, viu seu irmão ser assassinado na redação, sofreu com tuberculose. As idiossincrasias do escritor o levaram a ser chamado de reacionário.  Seu filho Nelsinho entrou para a guerrilha contra a ditadura militar e isso agravou mais suas contradições internas.

“Um intelectual pernambucano disse que Nelson pegou os dramas do Recife e colocou uma roupagem carioca. Esse ímpeto de dar murro em ponta de faca, de dizer com todas as letras que o rei está nu, é muito mais pernambucano do que carioca”, argumenta ela. Essa ideia estruturou a exposição Ocupação Nelson Rodrigues, que esteve em cartaz no Instituto Itaú de São Paulo e chega ao Recife para se instalar na Torre Malakoff hoje.

“A firmeza com que meu pai defendia o seu ponto de vista, sem ataques pessoais, me fez ter muito orgulho dele, considerando que vivemos num país em que é comum o insulto, a difamação contra os que não comungam do mesmo ponto de vista”, atesta outra filha, Sonia Rodrigues, no livro Nelson por ele mesmo (Editora Nova Fronteira, 2012).

Já Maria Lucia lembra que o Recife foi o centro de grandes e pequenas insurreições. Teve a primeira escola destinada a escravos quando isso era proibido. O que seria o Brasil começou a ser discutido em Recife e em Olinda: “Pernambuco é o Leão do Norte, tem um orgulho de ter sido um centro cosmopolita muito aguerrido. Não podemos nos esquecer que, apesar de ter se mudado muito pequeno para o Rio de Janeiro, a família do meu pai era muito pernambucana. Com certeza, ele captou todos os valores e inclusive o sotaque. Nelson era completamente pernambucano”.

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