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Hoje a tristeza não é passageira

Essa febre que não passa estreia hoje, no Hermilo. Foto: Ivana Moura

As dores do corpo geralmente podem ser curadas ou, senão, ao menos minimizadas, com medicamentos. Mas e aquelas que te surpreendem ao tomarem proporções maiores? Que afetam corpo, coração, alma? Que podem ser silenciosas ou fazerem estardalhaço? Pode parecer brega. Dramático. Incompreensível. Será mesmo? Perdas, saudades, paixões, família, descobertas, relacionamentos. Nada disso soa estranho a ninguém. Por isso mesmo, talvez seja fácil se identificar com o espetáculo Essa febre que não passa, quarta montagem do coletivo Angu de Teatro, que estreia hoje, no Hermilo Borba Filho, dentro do festival Palco Giratório. A pré-estreia foi ontem, só para convidados. (Aguardem crítica e muitas fotos!)

Pela primeira vez na trajetória do grupo, a cena é ocupada só por mulheres. Ceronha Pontes, Hermila Guedes, Hilda Torres, Márcia Cruz, Mayra Waquim e Nínive Caldas dão vida a personagens criadas pela jornalista e escritora Luce Pereira. O espetáculo carrega ainda a importância de outra primeira vez: André Brasileiro, ator e produtor, assumiu a direção da montagem sob a “supervisão” de Marcondes Lima (que também assina a direção), diretor das três peças anteriores – Angu de sangue, Ópera e Rasif – Mar que arrebenta. “Sempre houve abertura para os atores criarem, pensarem, discutirem luz, figurino, texto. Sempre foi muito democrático e isso me encorajou a dirigir Essa febre… com o Marcondes, porque eu precisava dele nisso também, filha!”, contou André Brasileiro numa conversa com jornalistas que reuniu atores, diretores e a escritora do livro que tem o mesmo nome da peça, usado como matéria-prima para a encenação.

O processo de Essa febre…, explica Marcondes Lima, foi colaborativo e autoral. As atrizes participaram da adaptação do texto, da construção das cenas, das escolhas levadas ao palco. “A gente já tem sete anos de convivência. Então nos conhecemos, a cara feia, o limite do abuso, a forma de trabalhar. Isso facilita”, diz. Apesar de que, três atrizes se agregaram ao coletivo para a montagem: Hilda, Mayra e Nínive. Essa última substitui Maeve Jinkings, que participou de grande parte do processo de produção, mas não pôde integrar o elenco. “Antes de o coletivo nascer, já havia a proposição de trabalharmos com o ator-narrador, de termos outra relação com o encenador. Isso se consolidou e elas entraram no meio disso”, atesta Lima.

“E funciona desse jeito? O que vai surgir, meu Deus?”. A primeira pergunta Luce Pereira conta ter feito a André Brasileiro quando soube como se dava a elaboração de um espetáculo no grupo. A segunda foi respondida quando ela participou de um encontro com o grupo no Hermilo Borba Filho, em fevereiro. “Você nunca imagina, como autora, o que vai encontrar. E principalmente porque eu sabia que tinha a interferência das experiências das atrizes. O que eu vi, gostei muito. A coisa que me deixa mais feliz é o envolvimento das atrizes com o texto. É muito comovente. Elas falam com uma euforia, um carinho. Só essa identificação, já valeria”, diz Luce Pereira.

O grupo escolheu cinco contos dos 17 que compõem o livro da jornalista para encenar: Clóvis, Nomes, Talvez já fosse tarde, Um tango com Frida Kahlo e Dora descompassada. “Marcelino (Freire, autor de Angu de sangue e Rasif…) escreveu monólogos. Luce também tem monólogos, mas são solilóquios, muito poéticos e, sobretudo, cinematográficos. Com Newton (Moreno, autor do texto de Ópera), nós também adaptamos, era um texto com narrador, uma narrativa épica”, explica Marcondes Lima. “As pessoas me dizem que é poesia em prosa. Não sei. Acho que é um universo tecido com uma delicadeza diferente”, explica Luce Pereira.

Doras descompassadas

O marido de uma delas perguntou por que aquele novo espetáculo estava “mexendo” tanto com ela. Não entendia o choro, a sensibilidade aguçada, a cumplicidade estabelecida entre o elenco. “Nós estamos lidando com coisas muito profundas”, tentava justificar. Para se ter uma ideia de como essas protagonistas estão, durante a entrevista, foi só uma delas se emocionar para que o grupo todo começasse a chorar também (incluindo os diretores).

“O coletivo Angu tem me dado uma insegurança muito positiva. Eu sempre gostei de me distanciar dos personagens. De dizer eu manipulo, sou eu quem conduz, vou para lá, vou para cá, pode ser que com essa frase, a pessoa da terceira fila chore. Ensaiava até a exaustão e tinha essa ilusão do controle”, depõe Ceronha Pontes. “Mas agora, a cada dia eu fico mais insegura. Teu texto me traz muito de nós mesmas. Claro que tem que haver um distanciamento, é teatro, é uma “verdade artificial”. Mas aquelas criaturas que são suas, a gente conhece também. Isso me fragiliza, apesar de estar tudo bem ensaiado”, disse Ceronha à escritora Luce Pereira.

Sobre a escolha de quem iria interpretar qual personagem, Márcia Cruz jura que não houve briga. “Nós escolhemos os contos e improvisamos todas. Mas existia aquela mais envolvida, o que não quer dizer que foi ela quem ficou com o papel. A Bernarda (do conto Talvez já fosse tarde) foi Ceronha quem me trouxe. Não tinha dado atenção ao texto. Quando ela leu, eu enlouqueci, foi uma paixão”, relembra.

No processo de montagem, as atrizes tiveram um treinamento no chamado método Viewpoints, ministrado pela paulista Amanda Lira. “É um método que te dá mais consciência do seu corpo e do espaço que ele ocupa, a consciência de saber o que você faz, de se relacionar com os outros em cena, o rito, o jogo de fala. Isso nos ajudou a trazer o que cada uma tinha para dar a essa montagem”, explicou Hermila Guedes.

As improvisações surgidas a partir das experiências com o Viewpoints não necessariamente estão em cena. “Mas nos deram a consciência de que podemos recriar o movimento de alguém para aquele personagem, não é plágio”, complementou Mayra Waquim. “Não era nada que nós não fizéssemos antes, mas não tínhamos consciência. Por isso foi tão importante”, atesta Nínive Caldas. O Viewpoints “casa” então com o texto de Luce Pereira. “Foi com você (Luce) que aprendi que não tem mais nada genial do que a simplicidade”, finalizou Ceronha.

Curiosidades dessa febre!:
– O projeto da montagem inicialmente contava apenas com três atrizes

– André Brasileiro conheceu o texto de Luce Pereira quando fez uma leitura dramática com Gheuza Sena, a pedido da autora, dos contos Clóvis e Nomes, durante um festival de literatura

– Parte da música do espetáculo é feita ao vivo pela violoncelista Josi Guimarães. A trilha sonora e direção musical são de Henrique Macedo

– No processo de composição das personagens, além do método americano Viewpoints, as atrizes entraram em contato com o universo do tango, presente não só em forma de dança no espetáculo

– Para a encenação de um dos contos, André Brasileiro sonhava com uma banheira transparente. Marcondes Lima, que também assina cenários e figurino, bem que tentou…mas a banheira custava muitos dólares. Depois de tanto procurar, encontraram a banheira (que não é transparente, mas serviu bem!) que ganhou o apelido carinhoso de Paola

– A montagem recebeu incentivos do edital da Eletrobrás (R$ 398 mil) e do Prêmio Myrian Muniz (R$ 120 mil)

Serviço:
Essa febre que não passa, do Coletivo Angu de Teatro
Quando: hoje, às 20h, dentro do festival Palco Giratório. A partir de amanhã, começa a temporada aos domingos, às 20h; e aos sábados, às 21h
Onde: Teatro Hermilo Borba Filho (Rua do Apolo, 121, Bairro do Recife)
Ingressos: R$ 10 e R$ 5 (meia-entrada) para a apresentação de hoje; durante a temporada, os ingressos custam R$ 20 e R$ 10 (meia)

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Angu de sangue, de graça, no Arraial

Fábio Caio em Angu de sangue. Foto: Divulgação

Já faz tempo que estreou Angu de sangue, o espetáculo que marcou o lançamento do Coletivo Angu de Teatro. Sete anos, acho. De lá pra cá, foram montadas mais duas peças (Ópera, com texto de Newton Moreno e Rassif- mar que arrebenta, texto do mesmo Marcelino Freire de Angu). As três com direção do encenador, figurinista e cenógrafo Marcondes Lima. Atualmente, o grupo ensaia a quarta encenação, Essa febre que não passa, com texto da jornalista Luce Pereira e direção do ator e produtor André Brasileiro, que faz sua estreia na função de encenador.

Marcelino avisou… “nem arroz, nem feijão, nem bife. em meu jantar de ontem foi servido angu. puro e seco. quer dizer, com um pouco de sangue. é, sangue. esse que corre nas veias, sabe?”

E dessas coisas que correm nas veias a trupe denunciou, explorou, projetou que a miséria está em qualquer parte. A solidão, a violência, a exclusão, a dor estão soltas por aí. As pessoas não conversam ou não se entendem.

Angu de sangue é baseada em contos do livro homônimo e de Balé ralé, ambos de Marcelino Freire.

É dividido em quadros. Da história de um menino de rua assassinado em faz de conta que não foi. nada. De Socorrinho, que narra o estupro de uma garota, cantado por Hermila Guedes e com uma boneca manipulada por Fábio Caio. Ou de novo Fábio Caio no papel da catadora de lixo, que defende o lixão que vai ser desativado, no quadro Muribeca. Mas há outros quadros mais engraçados, críticos, mas com humor.

Angu de sangue faz uma apresentação neste sábado, às 20h, no Teatro Arraial. É o encerramento do projeto de circulação da peça por Pernambuco. O espetáculo passou por Fernando de Noronha, Garanhuns, Caruaru e Triunfo, além do Recife. O projeto teve incentivo do Funcultura.


SERVIÇO

Angu de sangue
Quando: Sábado,(09/04), às 20h – única apresentação
Onde: Teatro Arraial
Quanto: Entrada gratuita

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Antes que a folia reine

Sei que o carnaval já se instalou…mas ainda tem programação de teatro em cartaz na cidade (ainda bem)! Então, não poderíamos deixar de indicar duas peças que estão encerrando temporada neste fim de semana.
A primeira delas é Rasif – Mar que arrebenta, do Coletivo Angu de Teatro. Eles estão no Teatro Hermilo Borba Filho, até o domingo, sempre às 20h, e os ingressos custam R$ 10 e R$ 5. O texto é de Marcelino Freire, direção de Marcondes Filho e o elenco é muito bom! Quer saber mais? Leia aqui a crítica.

Foto: Tadeu Gondim

Outra montagem que também se despede é A morte do artista popular, com direção de Antonio Edson Cadengue, e texto de Luís Reis. Essa não é, definitivamente, uma peça fácil. Mas leva à cena uma discussão e uma abordagem interessantes sobre como a nossa cultura se sustenta hoje, através dos editais e concursos. É uma encenação elegante, cheia de referências, e mistura de genêros. Os atores são concluintes da Escola Sesc de Teatro – entre eles os meninos dos Embromation, que arrasam enveredando por esse outro caminho. Também já rolou a crítica aqui no Yolanda. A peça está em cartaz no Teatro Marco Camarotti, no Sesc Santo Amaro, sábados e domingos, às 19h. Ingressos: R$ 5.

Foto: Ivana Moura

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Prêmio de fomento ainda sem pagamento

Antes pouco do que nada. Mesmo que os artistas recifenses sempre tenham brigado por um aumento no valor do Prêmio de Fomento às Artes Cênicas da Prefeitura do Recife, era assim que a categoria encarava a verba de R$ 100 mil concedida anualmente pelo órgão a cinco propostas de montagem de espetáculo. O valor é dividido por cinco projetos, ou seja, R$ 20 mil para cada projeto. O problema é que nem o compromisso do ‘pouco’, a PCR tem honrado.

O resultado do prêmio foi divulgado no mês de março do ano passado e, até agora, nenhum dos contemplados recebeu o seu prêmio. O ator Tatto Medinni, por exemplo, é um dos que teve o projeto, intitulado Jr., aprovado. ´Nós já tínhamos até data para estrear. Seria no dia 15 de outubro. Tinha agendado pauta no Espaço Muda, mas tive que desmarcar`, explica. O espetáculo seria uma parceria entre Medinni e Jorge de Paula. Os dois estariam em cena e assinariam a direção. O texto foi escrito por Marcelino Freire para Tatto Medinni.´O projeto trata sobre o conceito de fronteira. Nas funções mais técnicas, como cenário, figurino, luz, iríamos trabalhar com pessoas que não são do teatro, mas sem dinheiro não deu para prosseguir`, lamenta.

Ana Elizabeth Japiá ainda está pagando o empréstimo que fez para saldar dívidas adquiridas durante o processo de montagem e temporada do espetáculo infantil Minha cidade. ´Nós estreamos, mas fica o constrangimento de adiar pagamentos. É muita burocracia, desorganização e desinformação. Depois eles cobram qualidade, como foi na programação dos 160 anos do Santa Isabel, que não agregou nenhuma montagem daqui`. A peça deveria entrar em cartaz novamente, mas a incerteza com relação à liberação do fomento adiou os planos. ´É um desrespeito, desde o próprio secretário de Cultura, Renato L, que é desconectado do fazer teatral`, critica.

A peça Um rito de mães, rosas e sangue, que tem dez pessoas no elenco, também já estreou. ´Acabei pagando muitas coisas do meu próprio bolso, principalmente da parte técnica`, explica o diretor Claudio Lira. ´Acho lamentável. Cultura não é só carnaval, maracatu. Teatro tem que ser contemplado. Sentimos o desprezo nas políticas públicas`, finaliza Lira.

Promessa – Ao ser procurada pela reportagem do Diario, a Secretaria de Cultura deu um prazo para a liberação do pagamento. ´É a primeira vez que o prêmio de Fomento às Artes Cênicas será pago pelo Fundo Municipal de Cultura (antes era pago pela própria Secretaria) e isso gerou alguns entraves burocráticos que já estão sendo solucionados. Dentro de, no máximo, dez dias o pagamento da premiação será efetuado`, diz a nota. (Matéria minha publicada na edição desta quinta-feira (10), no Diario de Pernambuco)

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Nova temporada de Rasif

Cena com Arilson Lopes e Fábio Caio

Foto: Tuca Siqueira

O espetáculo Rasif – Mar que arrebenta, do Coletivo Angu de Teatro, é formado por doze contos do autor pernambucano Marcelino Freire transpostos diretamente para cena. O procedimento já havia sido feito nas duas peças anteriores do grupo: Angu de Sangue, também de Freire, e Ópera, de Newton Moreno. As três montagens com direção de Marcondes Lima. Do livro Rasif, termo que remete à origem árabe do nome Recife, foram extraídos os contos Tentando entender, Tupi-Guarani, We speak English, Sinal fechado, Para Iemanjá, Da paz, Inocente, Maracabul, Meu último Natal e Amor Cristão. Os outros dois, Totonha e Linha do Tiro, vieram de Contos Negreiros, do mesmo escritor.

O conjunto da peça traz forte tom de desabafo e critica as fissuras do tecido social. No quadro Para Iemanjá, um canto de louvação para a Mãe do Mar, a montagem mira o processo triturador da sociedade de massa, recriminando a transformação do rito em produto de consumo.

Potencialidades físicas e vocais do elenco são valorizadas na montagem tanto quanto a música tocada ao vivo, as projeções e a poesia corrosiva de Marcelino Freire.

Rasif – Mar que arrebenta estreia amanhã uma temporada de 20 apresentações, de quinta a domingo no Teatro Hermilo Borba Filho. Com incentivo do Funcultura.

Márcia Cruz em ação

Foto: Rubem Donato

Ficha técnica
Texto: Marcelino Freire.
Encenação e direção de arte: Marcondes Lima.
Direção musical e trilha sonora original: Henrique Macedo.
Elenco: André Brasileiro, Arilson Lopes, Ceronha Pontes, Fábio Caio, Ivo Barreto, Márcia Cruz, Tatto Medinni e Vavá Schön Paulino.
Músicos: Tarcísio Resende, Luziano André e Eugênio Gomes.
Direção de Produção: Tadeu Gondin.

SERVIÇO
Rasif – Mar que arrebenta
Onde:Teatro Hermilo Borba Filho
Quando: Quinta, às 19h;quinta, sexta, sábado e domingo, às 20h, a partir do dia 3 de fevereiro
Duração: 55 minutos.
Ingressos: R$10 e R$5 (meia-entrada)
Incentivo: Funcultura

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