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Ossos faz temporada no Teatro Barreto Júnior

 

Marcondes Lima, o diretor, interpreta Estrela no espetáculo. Foto: Divulgação

Marcondes Lima, o diretor, interpreta Estrela no espetáculo. Foto: Divulgação

Ossos é o quinto espetáculo do Angu de Teatro, Coletivo pernambucano com 13 anos de existência. O terceiro da letra de Marcelino Freire – Angu de Sangue e Rasif – Mar que arrebenta são os outros dois. Além de Ópera, de Newton Moreno e Essa febre que não passa, de Luce Pereira. Todos com direção de Marcondes Lima, sendo Essa febre em parceria com André Brasileiro. Ossos narra uma história de amor e suas perversidades. O amor que move para a mudança, que traz a estagnação e a infertilidade afetiva, que lança para a morte.

O dramaturgo Heleno de Gusmão é o protagonista dessa peleja que começa em Sertânia, Sertão pernambucano, passa por Recife e chega a São Paulo e faz o caminho de volta. A estrutura da peça não segue uma linha cronológica, mas traça círculos, dá saltos, inunda de lembranças e de uma atmosfera fantástica.

A montagem volta à cena para uma segunda temporada, desta vez no Teatro Barreto Júnior, neste 19 de Agosto e fica em cartaz até 25 de Setembro, às sextas e sábados, sempre às 20h e domingo às 19h30. A primeira temporada ocorreu no Teatro Apolo.

Coro de Urubus. Foto: Divulgação

Um coro de Urubus pontua a narrativa, Urubus, sabemos, são aves de rapina necrófogas. Existem sete espécies e cinco delas circulam no Brasil. É possível observar essas aves planando sob o céu das cidades, pousando no alto de prédios, ou esquadrinhando os lixões em busca de material orgânico, pois são capazes de eliminar desde carcaças até ossos. Eles têm olfato apurado, estômago privilegiado apto a processar até carne podre e um sistema imunológico invejável. Esses faxineiros da natureza são incompreendidos. Até Charles Darwin, quando visitou a América em 1832 teria comentado: “São aves nojentas, que se divertem na podridão”.

Os Urubus da ficção de Marcelino Freire e Marcondes Lima comentam os acontecimentos da peça, são experts em dar matacão uns nos outros. Às vezes se aproximam dos personagens do teatro infantil ou dos desenhos animados e as vezes cansam ao expor de forma tão crua os sentimentos humanos. E apesar do trabalho difícil que exercem  da fama, eles também amam.

O espetáculo se desenvolve em vários cenários; nos guetos paulistanos do negócio do sexo,  nas esquinas dos michês, nos bastidores de um teatro amador, no interior de Pernambuco onde os ossinhos de bois são material para nutrir a imaginação do futuro escritor, na estrada de volta para à terra natal.

A encenação explora os acontecimentos sob a ótica do protagonista, o dramaturgo Heleno de Gusmão. Seus fragmentos de memória que aparecem como sonho ou um estado hiper-real. Ele fala diretamente ao público ou atua nas suas recordações ou projeções, às vezes de forma distorcida.

A iluminação de Jathyles Miranda é fundamental para impor esse clima que vagueia entre traços expressionistas. Sombras produzem formas bizarras e deformidades visuais, colaborando para o rompimento de continuidade de cena e aproximando de um processo cinematográfico de sobreposições, fusões de cenas e cortes secos.

O universo LGBT é mostrado sem maquiagem, os sonhos, as carências, e o lado sentimental de figuras marginalizadas com o garoto de programa e a travesti. E ergue o caráter político da existência e posicionamento das minorias aflitas no mar do consumismo. A peça é carregada de humor, às um humor doído.

E não podemos esquecer da trilha sonora do músico pernambucano Juliano Holanda, uma obra que merece levar uma vida autônoma por sua qualidade intrínseca. E que no espetáculo transborda em meio a tantos signos.

A montagem de Ossos é patrocinada pelo prêmio Myriam Muniz da FUNARTE – Ministério da Cultura – Governo Federal.

André Brasileiro (C) faz o papel do dramaturgo Heleno Gusmão. Foto: Divulgação

André Brasileiro (C) faz o papel do dramaturgo Heleno de Gusmão. Foto: Divulgação

 

Ficha Técnica
Texto: Marcelino Freire
Direção: Marcondes Lima
Direção de arte, cenários e figurinos: Marcondes Lima
Assistência de direção: Ceronha Pontes
Elenco: André Brasileiro, Arilson Lopes, Daniel Barros, Ivo Barreto, Marcondes Lima, Ryan Leivas (Ator stand in) e Robério Lucado
Trilha sonora original – composição, arranjos e produção: Juliano Holanda
Criação de plano de luz: Jathyles Miranda
Operação de Som: Sávio Uchôa
Preparação corporal: Arilson Lopes
Preparação de elenco: Ceronha Pontes, Arilson Lopes
Coreografia: Lilli Rocha e Paulo Henrique Ferreira
Coordenação de produção: Tadeu Gondim
Produção executiva: André Brasileiro, Fausto Paiva, Arquimedes Amaro, Gheuza Sena e Nínive Caldas
Designer gráfico: Dani Borel
Fotos divulgação: Joanna Sultanum
Visagismo: Jades Sales
Assessoria de imprensa: Rabixco Assessoria
Técnico de som Muzak – André Oliveira
Confecção de figurinos: Maria Lima
Confecção de cenário e elementos de cena: Flávio Santos, Jorge Batista de Oliveira.
Operador de som e luz: Fausto Paiva / Tadeu Gondim
Camareira: Irani Galdino

SERVIÇO

OSSOS, de Marcelino Freire, pelo Coletivo Angu de Teatro
Quando: Temporada de De 19/08 a 25/09; Sextas e sábados, às 20h, Domingos, às 19h30
Onde: Teatro Barreto Júnior
Ingressos: R$30,00 inteira / R$15,00 meia-entrada
Classificação indicativa: 16 anos

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Amar é pathos de ampla dimensão

Amar é Crime Foto:- Geraldo Monteiro / Divulgação

Adaptação de quatro contos de Marcelino Freire marca estreia do AMARÉ. Fotos:- Geraldo Monteiro

Os personagens do espetáculo Amar é Crime não “andam sobre cadáveres sem nada sentir”, como os criminosos de Kurt Schneider, psiquiatra alemão. As figuras saídas das narrativas de Marcelino Freire e levadas ao palco por Isabelle Barros ardem e reagem às flechas envenenadas enviadas pelo mundo cruel ou por um objeto de amor (mesmo que imaginário). Desprezados ou feridos, eles chegam a um limite humano tolerável para dar o troco. São gritos desesperados de afirmação.

A encenação de Isabelle é despojada. Três atores, bancos, lanternas, e a doação desses intérpretes que materializam as palavras de Freire em expressividade e movimentos, em quatro cenas da peça. São personagens oprimidos. O amor (esse do desejo contemporâneo que é sinônimo de felicidade) aparece como objeto de luxo para os que vivem num universo que lhes nega direitos básicos de alimentação, saúde, transporte, educação. É uma bomba prestes a explodir.

Quatro contos do livro homônimo de Marcelino Freire, lançado pelo autor em 2011, são adaptados para o palco pelo coletivo AMARÉ Grupo de Teatro, criado em 2014 por ex-alunos do Curso de Interpretação para Teatro do Sesc Santo Amaro. Além de Isabelle Barros, a trupe é formada por Natali Assunção e Marcos Medeiros. A atriz Micheli Arantes participa como convidada neste trabalho.

O elenco atua como atores-narradores das cenas escolhidas pelo grupo: Acompanhante, Crime, Mariângela e Vestido longo.

São vultos invisíveis que sob o domínio de pathos ganham um protagonismo temporário. As situações dessa notoriedade são cercadas por elementos cruéis.

Uma saudade, uma fantasia que ficaram na memória afetiva do velho caquético escorrem como opressão em direção à cuidadora, que recebe as ordens humilhantes de uma parente do idoso no quadro Acompanhante. A dignidade cingida da funcionária já feriu o ancião na sua incapacidade de cuidar de si mesmo e precisar de uma estranha para resolver questões íntimas de limpeza e alimentação. Ele tem espasmos em que seca de vontade e a desconhecida escuta as determinações, da outra da família, que beiram o assédio.

“Hoje minha namorada vai me dar valor”, anuncia o protagonista do episódio Crime. Os atores se revezam no papel para criar nunces do desespero do personagem na voz e no corpo, na projeção de revolta contra o mundo. Ao ser golpeado na sua autoestima, um jovem (negro, pobre, periférico) planeja sequestrar e punir a namorada por uma suposta traição. E detalha os passos do ato transitando entre sua dor particular e as contingências da indiferença social para quem vive na base, com a negação do básico. Ele quer ferir o objeto do seu amor e se transformar numa celebridade instantânea sem importância; daquelas que alimentam os programas policialescos, as chamadas sensacionalistas na televisão, a curiosidade mórbida da sociedade. As consequências são imprevisíveis.

“Quem disse que uma gorda não pode voar?”, pergunta a garota obesa em Mariângela. Ela sofre humilhações impostas pela própria mãe, criatura convencionada pelo senso comum como fonte de amor irrestrito. A menina é sugada por um buraco e fica presa no meio da rua, entalada no solo. Os atores narram sua história antes do ocorrido ressaltando o comportamento desmedido como necessidade de sobreviver e se vingar de alguém que negou e interditou o amor.

Uma vida inteira de privação parece traçar o destino da mulher de Vestido Longo, que cresceu sem ter o que comer, muito menos o que vestir. Nos grotões da fome foi apartada da mãe pela morte e encurralada pelo desejo masculino em troca de um tostão ou de um cascudo. Encontra no consumo da peça de roupa cara a compensação para um passado de abusos e carências. É ela quem reflete: “A miséria no Brasil, puta que pariu, é pornográfica”.

Primeiro trabalho profissional da e estrea de Isabelle Barros como diretora

Espetáculo de estreia profissional de Isabelle Barros como diretora

Isabelle equaliza para baixo a escala da fúria desses seres. As palavras já são sangrentas, cortantes. As frases queimam, mas a encenadora não apela para o transe. As situações-limite expõem gestos desenfreados; explosões no próprio texto. E a encenadora não tenta se sobrepor ao verbo. Ao não exacerbar o gesto, Barros chama esses dramas profundos para a vizinhança, para a proximidade.

Esses quadros arranham a vida em sua perspectiva mais profunda, ou seja, pathetica. No limite, vulneráveis, sem segurança alguma, essas criaturas parecem dominados pelo pathos grego submetido à discursividade. Mas também afasta-se desse conceito originário de pathos ao se enredar na ideia de passividade, afecção, sofrimento. Mas é também louvável que a encenação não tenha se quedado totalmente ao sentido principal de pathos na atualidade como doença, mal-estar ou anormalidade.

A paixão amorosa em seu sentido mais corriqueiro, sensual se manifesta mais no conto Crime, ao mostrar como a exacerbação pode conduzir a uma fatalidade.

Mas o pathos de Amar é Crime se apresenta em sentido mais amplo, como essência das leis que movem o humano. A intensidade da paixão nos quadros do espetáculo carrega potências que regem a vida do espírito, com suas diferentes durações.

Os atores são jovens e expressam suas possibilidades de criar a partir da bagagem vivenciada. Eles têm um frescor dos que ainda não conhecem o fundo do poço. Mas têm brilho que tende a aumentar. Há uma sutileza na direção, que remete para outro lugar da violência.

Saúdo com alegria a chegada de Isabelle Barros, essa jovem diretora de teatro e o AMARÉ Grupo de Teatro, com seus novatos que transbordam de afeto pelo palco. Isabelle vem com um olhar sensível sobre as dores do mundo, que não se perde em estranhamentos e exageros de só aproximar o pathos da doença.  De alguém que trilha a complexidade a partir das frases e intenções roubadas do cotidiano de Marcelino Freire.

SERVIÇO
Amar é Crime
Adaptação teatral do livro homônimo de Marcelino Freire.
Quando: 23, 24, 30 e 31 de julho, às 19h (Ingressos a partir das 18h)
Onde: Espaço Cênicas – Rua Marquês de Olinda, 199. Bairro do Recife (Entrada pela Rua Vigário Tenório).
Quanto: R$ 20 (inteira)/ R$ 10 (meia)
Informações: 81 9 7914 4306
Classificação indicativa: 14 anos
Capacidade do espaço
: 60 lugares
Informações: 97914-4306
Promoçãohttps://www.eventick.com.br/amarecrime

FICHA TÉCNICA
Encenação: Isabelle Barros
Texto: Marcelino Freire com adaptação de Natali Assunção
Elenco: Marcos Medeiros, Micheli Arantes e Natali Assunção
Iluminação: Marcos Medeiros
Figurino e cenografia: Micheli Arantes
Direção musical: Kleber Santana e Isabelle Barros
Produção: AMARÉ Grupo de Teatro

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Despedida do espetáculo Ossos

Marcondes Lima e André Brasileiro na montagem Ossos. Foto: Ivana Moura

Marcondes Lima e André Brasileiro na montagem Ossos. Foto: Ivana Moura

Últimas sessões do espetáculo Ossos, do Coletivo Angu de Teatro. Hoje às 18h e 21h e amanhã (domingo), às 19h. A peça tem texto de Marcelino Freire e direção de Marcondes Lima, que também está no elenco. Ainda estão no palco os atores André Brasileiro, Arilson Lopes, Ivo Barreto, Daniel Barros e Roberio Lucado. A trilha sonora original é do talentoso Juliano Holanda.

A montagem eletriza os nervos em algumas questões, como o abandono amoroso que pode atingir qualquer um; a vida de zumbi depois do cadafalso afetivo; o envolvimento carnal com o comércio de sexo, o destino inexorável e o orgulho besta de alguns, que terminam em ossos e pó sem escapatória. As vaidades expostas em lente de aumento soam ridículas, mas profundamente humanas. Todos estão mortos, aponta um urubu para a plateia.

A encenação percorre a trilha do dramaturgo Heleno de Gusmão, que saiu de Sertânia rumo ao Recife, onde começou a fazer teatro e se mudou para São Paulo nas pisadas do namorado e na busca de êxito. A montagem de Marcondes Lima trabalha com o texto já fragmentado de Marcelino Freire. As cenas tecem um ziguezague da trajetória desse artista desiludido com a vida e o sucesso.

ossos. Coro de urubus. Foto Ivana Moura

Coro de urubus. Foto Ivana Moura

O amor fede e não tem bons sentimentos grita o coro de urubus no bailado insano e às vezes desconjuntado, exercendo a função de lembrar que essas existências tão orgulhosas de si mesmas valem muito pouco. Alimento deles. A morte está sempre à espreita.

Um homossexual de meia idade é o protagonista dessa peça triste com rasgos de irônicas gargalhadas. O intelectual nordestino que venceu na cidade grande, mas que busca nos becos sujos e nos garotos de programa a razão para continuar vivo.

Ossos disseca os traumas do desejo. Uma libido que foge ao controle do letrado. Muitas histórias parecidas nesse sentido. De muitos outros intelectuais.

A cena planejada pelo iluminador Jathyles Miranda é escura. São recônditos psíquicos, becos da paixão que não aceitam a plena luz. Os holofotes jogados do palco para a plateia é um traço propositalmente incômodo. Os sujeitos da peça se movimentam em suas ilusões de grandeza desfocados. Ambientes distorcidos vão se transformando em sala de ensaio, casa de Estrela, carro funerário, quarto, ruelas.

Ouvi gente reclamar da mimetização do coito dos dois amantes no palco. Algumas cenas exercem marco político. Além de muito interessante, traça um posicionamento. Numa época em que os direitos das chamadas minorias correm riscos, em que a intolerância recrudesce, a cena é defesa do gozo para todos, do jeito que se queira.

O espetáculo esbanja testosterona. Nos corpos dos personagens michês principalmente. E celebra o teatro poeticamente, mas lembrando que é duro chegar ao tutano.

ossos. Daniel Barros e Robério Lucado interpretam garotos de programa. Foto: Ivana Moura

Daniel Barros e Robério Lucado interpretam garotos de programa. Foto: Ivana Moura

SERVIÇO
Ossos, do Coletivo Angu de Teatro
Quando: Sextas, às 20h, sábados, às 18h e às 21h e aos domingos, às 19h
Onde: Teatro Apolo (Rua do Apolo, 121, Bairro do Recife)
Ingresso: R$ 20 e R$ 10 (meia)
Classificação indicativa: 16 anos
Informações: 3355-3321

FICHA TÉCNICA
Texto: Marcelino Freire
Direção: Marcondes Lima
Direção de arte, cenários e figurinos: Marcondes Lima
Assistência de direção: Ceronha Pontes
Elenco: André Brasileiro, Arilson Lopes, Daniel Barros, Ivo Barreto, Marcondes Lima, Robério Lucado
Trilha sonora original – composição, arranjos e produção: Juliano Holanda
Criação de plano de luz: Jathyles Miranda
Preparação corporal: Arilson Lopes
Preparação de elenco: Ceronha Pontes, Arilson Lopes
Coreografia: Lilli Rocha e Paulo Henrique Ferreira
Coordenação de produção: Tadeu Gondim
Produção executiva: André Brasileiro, Fausto Paiva, Arquimedes Amaro, Gheuza Sena e Nínive Caldas
Designer gráfico: Dani Borel
Fotos divulgação: Joanna Sultanum
Visagismo: Jades Sales
Assessoria de imprensa: Rabixco Assessoria
Técnico de som Muzak – André Oliveira
Confecção de figurinos: Maria Lima
Confecção de cenário e elementos de cena: Flávio Santos, Jorge Batista de Oliveira.
Operador de som e luz: Fausto Paiva / Tadeu Gondim
Camareira: Irani Galdino

 

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Palco é solo sagrado

Trilha sonora do espetáculo Ossos é assinada por Juliano Holanda. Foto: Ivana Moura

Trilha sonora do espetáculo Ossos é assinada por Juliano Holanda. Foto: Ivana Moura

Antígona desafia o decreto do rei Creonte, que proibia que fossem prestadas honras fúnebres a seu irmão Polinices. Para a jovem filha de Édipo e Jocasta esse era um dever sagrado. Por esse ato, ela foi condenada a ser encerrada viva no túmulo da família. A peça Antígona é uma das mais belas tragédias do dramaturgo grego Sófocles, que completa a Trilogia Tebana, com Édipo Rei e Édipo em Colono.

O dramaturgo e ator francês Jean-Baptiste Poquelin, o nosso Molière se sentiu mal no palco, quando encenava o Doente Imaginário. Seu texto atacava com sarcasmo os doutores da medicina.  Nenhum médico quis cuidar dele. Molière despertou a ira de outros: padres e devotos.

E negaram sepultura em cemitério ao autor de O Tartufo. O dramaturgo mais célebre da sua época, foi plantado em solo não-consagrado, como um proscrito.

O poeta Federico García Lorca foi fuzilado em 1936 na Guerra Civil Espanhola. Seu corpo permanece desaparecido. Seus restos mortais não tem endereço certo.  Crueldade e injustiça aos artistas que “não tiveram sequer o direito de ser enterrados” ou a uma sepultura digna.

Na última música da trilha sonora de Ossos, assinada por Juliano Holanda, o espetáculo do Coletivo Angu de Teatro homenageia seus artistas. Até porque “o palco é nosso solo sagrado”. E clamam pelos ossos de Luiz Mendonça, Pernalonga, Dona Dinah (de Oliveira), Hermilo Borba Filho.

Segue o vídeo.

 

SERVIÇO
Ossos, do Coletivo Angu de Teatro
Quando: Sextas, às 20h, sábados, às 18h e às 21h e aos domingos, às 19h
Onde: Teatro Apolo (Rua do Apolo, 121, Bairro do Recife)
Ingresso: R$ 20 e R$ 10 (meia)
Classificação indicativa: 16 anos
Informações: 3355-3321

FICHA TÉCNICA
Texto: Marcelino Freire
Direção: Marcondes Lima
Direção de arte, cenários e figurinos: Marcondes Lima
Assistência de direção: Ceronha Pontes
Elenco: André Brasileiro, Arilson Lopes, Daniel Barros, Ivo Barreto, Marcondes Lima, Robério Lucado
Trilha sonora original – composição, arranjos e produção: Juliano Holanda
Criação de plano de luz: Jathyles Miranda
Preparação corporal: Arilson Lopes
Preparação de elenco: Ceronha Pontes, Arilson Lopes
Coreografia: Lilli Rocha e Paulo Henrique Ferreira
Coordenação de produção: Tadeu Gondim
Produção executiva: André Brasileiro, Fausto Paiva, Arquimedes Amaro, Gheuza Sena e Nínive Caldas
Designer gráfico: Dani Borel
Fotos divulgação: Joanna Sultanum
Visagismo: Jades Sales
Assessoria de imprensa: Rabixco Assessoria
Técnico de som Muzak – André Oliveira
Confecção de figurinos: Maria Lima
Confecção de cenário e elementos de cena: Flávio Santos, Jorge Batista de Oliveira.
Operador de som e luz: Fausto Paiva / Tadeu Gondim
Camareira: Irani Galdino

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Fósseis do amor e da luxúria

Ossos, com o Coletivo Angu de Teatro, está em cartaz no Teatro Apolo

Ossos, com o Coletivo Angu de Teatro, está em cartaz no Teatro Apolo

Ossos, o espetáculo do Coletivo Angu de Teatro, já nasceu grande. É corajoso. E não vai gerar consenso. A prosa vigorosa do escritor Marcelino Freire chega ao palco potente, com as sujeiras do escândalo. A montagem está impregnada pelas marcas de trepadas pagas, cinismo como moeda de sobrevivência, pequenas ações traiçoeiras para se dar bem. Estão expostas alma, coração, pele, carne até o osso. Heleno de Gusmão é o protagonista que precisa resgatar e devolver o corpo morto de um michê aos pais do garoto, que moram no interior de Pernambuco. Heleno se mudou na juventude do Recife para São Paulo por causa de Carlos, seu primeiro amor, e para escrever peças. Alcançou notoriedade. E perdeu muitas coisas pelo caminho, da ingenuidade à fé na vida.

Enquanto encara a missão “o meu boy morreu” navega por sua própria história, do teatro feito no Recife à conturbada peregrinação de imigrante nordestino que vence em São Paulo.

A tensa, densa e intensa trajetória dramática de Heleno se manifesta enredada entre aventuras intelectual e sexual, com simpatizantes e michês. Ao expor sucessos e fracassos do protagonista como faces da mesma moeda da ilusão, Ossos faz uma ode ao teatro, um metateatro indireto celebrando suas funções.

Um desafio e tanto para o grupo. Materializar na cena os fósseis com a melancolia da infância, a paixão pelo boy, as figuras da noite, os nove irmãos, os outros michês, o IML, o carro fúnebre de Lourenço, os seios de Estrela, o assassinato no ir-e-vir de uma narrativa transbordando de malandragem paulistana.

O espetáculo flui. Os elementos bolem de forma verossímil. O ritmo da prosa de Marcelino – direta, seca, afiada – é amplificado. E ganha reforço na música de Juliano Holanda, que às vezes amacia as situações para provocar um corte ainda mais profundo. O elenco canta bonito. É uma comunhão. Juliano Holanda é aquele artista pernambucano que o Brasil inteiro precisa conhecer. Show de talento.

O discurso indireto livre – técnica que aproxima a voz do narrador com a voz dos personagens – do romance original assume alternadamente planos da memória, alucinação e do desencanto real, que se embaralham em ordem não cronológica. A linguagem do cinema é harmonizada nessa convivência de planos. O teor noir na cartela de cores escolhida para o protagonista e o coro de urubus sem vivacidade, enquanto as lembranças de Heleno são bem coloridas.

Os personagens secundários do romance formam o coro de urubus na peça, que expõe os episódios de forma alegórica. As cenas fortes no envolvimento sexual são ousadas e convincentes. Os corpos desnudos ou cobertos trafegam com desenvoltura pela cena.

Enquanto o público se acomoda, o ator André Brasileiro espia a movimentação dos espectadores da plateia. No palco os homens-urubus traçam suas coreografias. A sombra, o escuro iluminado em partes e um clima de noite gay decadente tomam conta do teatro.

Com temática LGBT, peça mostra o lado humano e sentimental de personagens ainda estigmatizados

Marcondes Lima interpreta Estrela, uma trans

Há o tratamento de uma humanidade sem maquiagem, no fundo machucada por alguma injustiça. A luz de Jathyles Miranda reforça a escuridão da alma, os abismos dos personagens. E dramatiza com vermelhos, monta luzes na beirada do palco num misto de boate e circo, distorce ambientes. O espetáculo tem um tom escuro, numa iluminação que traduz suas figuras atormentadas e febris.

As curvas sinuosas da narração são bem dirigidas por Marcondes Lima e sua assistente de direção Ceronha Pontes. O Coletivo Angu de Teatro mostra plena maturidade com a montagem.

Marcondes Lima mais uma vez assina direção de arte e o elegante figurino da peça, que compartilha com as opções da montagem. A peça apela para o pop, na iluminação, música, direção de arte e até atuação do elenco. A dramaturgia do texto e da cena traz essa combinação Marcelino Freire puro sangue com Marcondes Lima em voo inspirado.

O elenco está afinado. André Brasileiro se dedica a interpretação sóbria, que carrega o peso do tempo e das desilusões do protagonista. O versátil Arilson Lopes faz várias participações e a do Seu Lourenço, o motorista, é preciosa. Marcondes Lima é tão bom ator quanto diretor. Ele defende Estrela, a trans com pulso e graça e arrancou aplausos da plateia na estreia. Ivo Barreto é um ator que consegue fazer um cafuçu e um gay com a mesma propriedade, convicção e alegria de atuar. Tanto Daniel Barros quanto Robério Lucado interpretam os michês com dignidade, demonstrando a mistura de esperteza e graça dos personagens. Barros se sobressai no papel de Cícero e Lucado eleva o tom na dança de “moreno tropicano”.

Marcelino Freire, que tem um livro de contos chamado Amar é Crime erigiu seu Heleno, nesta peça dura e triste, dos fósseis do amor não cultivado, não compartilhado. O personagem não exercita relações amorosas, mas o contato sexual com michês, perfeitos em seus ofícios. Destituído de amor, o sexo de curiosidade, as metidas de rua e o foder gostoso são opções com gosto de morte.

Angu de Teatro - 3

Coro de urubus

A estreia do espetáculo no Teatro Apolo fez a festa na rua do mesmo nome. Uma fila imensa já dobrava a esquina uma hora antes do início marcado. Muitos artistas da cidade compareceram, inclusive o autor do romance e da peça Marcelino Freire.

O calor no Recife e a espera podem ter contribuído para que, psicologicamente, o espetáculo parecesse estendido no final.

E depois teve uma festa na área de convivência entre Apolo e Hermilo Borba Filho, animada pelo DJ Pepe Jordão. Foi de arrasar.

SERVIÇO
Ossos, do Coletivo Angu de Teatro
Quando: Sextas, às 20h, sábados, às 18h e às 21h e aos domingos, às 19h
Onde: Teatro Apolo (Rua do Apolo, 121, Bairro do Recife)
Ingresso: R$ 20 e R$ 10 (meia)
Classificação indicativa: 16 anos
Informações: 3355-3321

FICHA TÉCNICA
Texto: Marcelino Freire
Direção: Marcondes Lima
Direção de arte, cenários e figurinos: Marcondes Lima
Assistência de direção: Ceronha Pontes
Elenco: André Brasileiro, Arilson Lopes, Daniel Barros, Ivo Barreto, Marcondes Lima, Robério Lucado
Trilha sonora original – composição, arranjos e produção: Juliano Holanda
Criação de plano de luz: Jathyles Miranda
Preparação corporal: Arilson Lopes
Preparação de elenco: Ceronha Pontes, Arilson Lopes
Coreografia: Lilli Rocha e Paulo Henrique Ferreira
Coordenação de produção: Tadeu Gondim
Produção executiva: André Brasileiro, Fausto Paiva, Arquimedes Amaro, Gheuza Sena e Nínive Caldas
Designer gráfico: Dani Borel
Fotos divulgação: Joanna Sultanum
Visagismo: Jades Sales
Assessoria de imprensa: Rabixco Assessoria
Técnico de som Muzak – André Oliveira
Confecção de figurinos: Maria Lima
Confecção de cenário e elementos de cena: Flávio Santos, Jorge Batista de Oliveira.
Operador de som e luz: Fausto Paiva / Tadeu Gondim
Camareira: Irani Galdino

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