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Coletivo Angu de Teatro reestreia Essa febre no Rio

Hermila Guedes em Essa febre que não passa. Foto: Ivana Moura

“(…) Hoje fico pensando se não foi um atraso de vida, essa minha vocação para gostar do longe. Tudo, quanto mais distante daquela nossa realidade pobrezinha, mais eu gostava. Imagina, numa ponta de rua do mundo, uma criatura crescendo completamente em desacordo! Tânia, Fátima, Goreti, todas elas sonhavam com altares, maridos, filhos, um emprego no Banco do Brasil, talvez. Você lembra? E eu não tinha com quem falar sobre como foi bonito o começo, o meio e o fim de Dolores Duran.”

Cinco contos embebidos em sensibilidade, amor, perda, força, ternura. Essa febre que não passa, montagem do Coletivo Angu de Teatro a partir do livro homônimo da jornalista Luce Pereira, transpira tudo isso. Com algumas especificidades e primeiras vezes: o elenco é todo feminino e André Brasileiro estreia na direção, sob o olhar sempre atento de Marcondes Lima, diretor das três montagens anteriores do grupo: Angu de sangue, Ópera e Rasif – Mar que arrebenta.

No palco, Ceronha Pontes, Hilda Torres, Márcia Cruz, Mayra Waquim, Nínive Caldas e também Hermila Guedes ou Lili Rocha. Desde o ano passado, quando Hermila precisou gravar novela que Lili divide o papel com ela; e agora como o filme Era ma vez eu, Verônica terá pré-estreia em alguns lugares, Lili entra em cena novamente.

Ceronha Pontes e Nínive Caldas

A peça é formada por vários quadros; esses personagens são ligados de forma muito sutil; existem de forma independente. Uma mulher que perdeu o grande amor e ouve My way no último dia do ano; outra que fez concessões e achou que um gato poderia restaurar laços rompidos; uma tia que nunca viu o mar. É uma peça entrecortada por sensibilidade, em que o voal do cenário mostra e esconde; vai sendo aberto aos pouquinhos; as memórias vão aparecendo, seja em fotos, palavras, gestos. A música é feita ao vivo, com direito até a tango.

Essa febre que não passa reestreia hoje no Rio de Janeiro dentro do projeto Visões Coletivas, no Teatro Glauce Rocha.

Serviço:
Essa febre que não passa
Quando: De quinta a domingo, até 16 de dezembro, às 19h
Onde: Teatro Glauce Rocha (Avenida Rio Branco, 179, Centro, Rio de Janeiro)
Quanto: R$ 20 e R$ 10 (meia-entrada)
Informações: (21) 2220-0259

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Vou aproveitar para postar um texto que escrevi para a revista Continente de novembro sobre o projeto Visões Coletivas, que está levando Essa febre ao Rio:

Seis meses em cena carioca
Grupos nordestinos mostrarão produção recente dentro do projeto Visões coletivas

Texto // Pollyanna Diniz

Há três anos, o Teatro Glauce Rocha, no Centro do Rio de Janeiro, reabria as portas. A programação que dava as boas vindas ao público tinha sotaque pernambucano: eram montagens do Recife, do Cabo de Santo Agostinho, de Caruaru e de Arcoverde. O Coletivo Angu de Teatro estava nessa seara apresentando Angu de sangue, texto de Marcelino Freire.

A companhia pernambucana que completa dez anos em 2013 voltou ao Glauce Rocha no último mês de março para uma curta temporada que provocou muita fila na porta do teatro – a apresentação de Essa febre que não passa, texto da jornalista Luce Pereira. Depois dessas duas experiências, o Angu agora ocupa a casa de espetáculos carioca por um tempo mais prolongado. Serão seis meses de peças de grupos nordestinos dentro de um projeto proposto pela companhia, intitulado Visões coletivas – Nordeste contemporâneo.

“Já pensávamos em fazer um projeto semelhante desde 2008. Mas não tinha ainda um formato ideal. Isso só veio com o edital de ocupação do teatro, lançado pela Funarte”, explica Tadeu Gondim, idealizador do projeto e produtor do Coletivo Angu de Teatro. Na grade de espetáculos, montagens do Recife, de Fortaleza, de Natal, de João Pessoa e ainda de Salvador. “Assim como no resto do país, o teatro de grupo também está fervilhando no Nordeste. E claro que existe a curiosidade do público do Sudeste sobre o que é feito no Nordeste. Ainda há uma visão, para quem não conhece, de que teatro nordestino é cordel e fala de seca”, avalia Gondim.

Do Recife, a programação inclui três montagens do Angu – Angu de sangue (novembro), Essa febre que não passa (dezembro) e Ópera (janeiro) – e o espetáculo O amor de Clotilde por um certo Leandro Dantas (novembro), da Trupe Ensaia Aqui e Acolá. Já se apresentaram, na abertura do projeto mês passado, os grupos Mão Molenga Teatro de Bonecos, com O fio mágico, e a Cia. Enlassos, com Assim me contaram, assim vou contando…

Grupo Bagaceira de Teatro apresenta repertório em fevereiro. Na foto, A mão na face, que estreou no Recife. Foto: Pollyanna Diniz

No caso de algumas companhias, o público poderá ter uma visão mais ampla da produção, com a apresentação de mais de um espetáculo do repertório. O grupo Bagaceira de Teatro, por exemplo, do Ceará, participa do projeto com quatro montagens: Tá namorando! Tá namorando!, Meire Love, A mão na face e Lesados. Da Paraíba, está na programação Deus da fortuna, do Coletivo Alfenin de teatro; do Rio Grande do Norte, A mar aberto, do Coletivo Atores a Deriva. E ainda Ricardo Guilherme (CE), com Bravíssimo e A comédia de Dante e Moacir; Fábio Vidal (BA) com o espetáculo Sebastião; Felícia de Castro (BA) com Rosário; e Ceronha Pontes (CE) com Camille Claudel. A única exceção na programação é o francês Maurice Durozier, ator do Théâtre du Soleil que mantém uma relação próxima com o Nordeste brasileiro.

“O nosso mote é discutir o teatro contemporâneo feito no Nordeste. E talvez a gente perceba que as questões contemporâneas são muito parecidas, sejam elas tratadas por espetáculos do Nordeste ou do Sudeste. Nos nossos espetáculos, por exemplo, as referências nordestinas estão sempre muito presentes. Mas se dão de outra forma – não necessariamente no tema, na estética. O discurso é contemporâneo”, finaliza Tadeu Gondim.

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Produção teatral pernambucana em Curitiba

O Canto de Gregório. Foto : Bruno Tetto / Divulgação

Hoje pela manhã, as equipes de dois espetáculos pernambucanos dão entrevistas aos jornalistas no Festival de Teatro de Curitiba. A montagem do Coletivo Angu de Teatro Esse febre que não passa, com texto da jornalista Luce Pereira e direção de André Brasileiro e Marcondes Lima, e Aquilo que meu olhar guardou para você, do grupo Magiluth, com dramaturgia coletiva e direção de Luis Fernando Marques, estão na mostra principal do FCT. Isso é muito bom para os grupos e para a produção pernambucana. Ambas as peças tem qualidades para estarem nessa vitrine.

O Magiluth também levou para o Fringe, a mostra paralela, as peças O canto de Gregório, e 1 Torto.

O fato pode encher de orgulho os que acreditam que as artes cênicas da terrinha possam ter um valor de referência semelhante à música e ao cinema produzidos por artistas pernambucanos.

Mas não custa lembrar que essa participação dos grupos vem em parte de uma política adotada pelo Janeiro de Grandes Espetáculos (coordenado por Paula de Renor, Carla Valença e Paulo de Castro) de trazer curadores e diretores de festivais para acompanhar uma parte da produção teatral feita em Pernambuco. O que já rendeu a ida de várias montagens para alguns festivais brasileiros.

Mas nesse momento em que se discute a saída do secretário de cultura, já num clima de campanha política para o próximo prefeito, seria bom que os artistas de teatro ficassem atentos. É preciso criar compromissos com os candidatos não apenas para a escolha de seus assessores como também para uma política que deve ser executada nos próximos anos.

Os investimentos na área de artes cênicas devem ser feitos para estruturar o segmento e dar a grandeza que os pernambucanos gostam tanto. É possível melhorar capacidades. E isso também passa pela seriedade de seus governantes.

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Essa febre no Rio

Essa febre que não passa é a quarta montagem do Coletivo Angu de Teatro. Fotos: Ivana Moura

“Eu pensava que gato servia apenas para a gente se sentir dona de alguma coisa, para reclamar a cada espirro de pelos espalhados pela casa inteira ou para destoar das amigas que preferem cachorros. Até o dia em que Dolores apareceu em minha vida, como se tivesse nascido e crescido ali, diante dos meus olhos. Eu que nunca acreditei nessa história de cara-metade estava na frente de uma, e disposta a esquecer de vez o significado da palavra separação. Não sei bem como tudo aconteceu – porque paixão faz a gente perder as medidas – mas entramos naquele mundo de algodão-doce na boca e algodão branco sob os pés, que leva os casais a buscar formas e formas de por cimento na relação. Cimento que eu digo são coisas capazes de deixar as duas pessoas mais presas uma a outra. Então Dolores sugeriu um gato”. (Conto Clóvis, do livro Essa febre que não passa, de Luce Pereira)

A montagem de alma e elenco femininos do Coletivo Angu de Teatro estreia hoje no Rio de Janeiro no Teatro Glauce Rocha, no Centro. Já falamos muito por aqui da peça, mas para os amigos que estejam no Rio, trata-se de um espetáculo que reúne cinco contos da jornalista Luce Pereira. Falam de amor, dor, perda, velhice, amizade. Pelo menos em alguma dessas mulheres – ou em muitas delas – você vai ver um pedacinho de você, da sua mãe, da sua avó, amiga. É a quarta peça desse coletivo pernambucano e a estreia na direção de André Brasileiro, ator e produtor, amparado de perto por Marcondes Lima – criador inventivo que vai do mundo infantil dos bonecos à crítica social, faz cenário, figurino, se arrisca e ama o que faz. Tenho ressalvas sim à peça – ou melhor, comentários -, mas enxergo verdade, amor, paixão. Uma ótima oportunidade para que os cariocas conheçam um pouquinho do teatro pernambucano feito hoje. E é só um exemplo!

Bom, depois do Rio, Essa febre que não passa também se apresenta na mostra oficial do Festival de Curitiba. No elenco, Ceronha Pontes, Hermila Guedes (de O céu de Suely, lembram?!), Mayra Waquim, Nínive Caldas e Hilda Torres. Como Hermila está no elenco da novela das seis, em algumas apresentações Helijane Rocha está assumindo os papeis dela; mas ao menos no Rio, ao que tudo indica, Hermila estará em cena. Depois contem por aqui o que acharam! 😉 Ah…as apresentações no Rio fazem parte da Mostra Nacional Funarte de Dança e Teatro/Mambembão 2012.

Essa febre que não passa
Quando: de hoje a domingo, às 19h
Onde: Teatro Glauce Rocha (Avenida Rio Branco, 179, Centro, Rio de Janeiro)
Quanto: R$ 5 e R$ 2,50 (meia-entrada)

Depois do Rio, Essa febre que não passa participa da mostra oficial do Festival de Curitiba

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Pré-estreia febril

As fotos são de Ivana Moura!

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Essa febre contagia

Ceronha Pontes e Hermila Guedes. Fotos: Ivana Moura

À primeira vista, o que liga os quadros de Essa febre que não passa são as tensões de mulheres em acertos de contas com o passado, com o presente e com o futuro. Criaturas em situações-limite, transbordando de afetos.

É a quarta montagem do Coletivo Angu de Teatro, depois de Angu de sangue, texto de Marcelino Freire; Ópera, texto de Newton Moreno e Rasif – Mar que arrebenta, também texto de Freire. Desta vez cena é ocupada só por mulheres.

As atrizes Ceronha Pontes, Hermila Guedes, Hilda Torres, Márcia Cruz, Mayra Waquim e Nínive Caldas se desdobram em criaturas inventadas pela jornalista e escritora Luce Pereira.

O resultado é tocante, ora suave, ora irônico, ora cortante. Sempre belo.

Dos 17 contos que compõem o livro homônimo, o Coletivo escolheu cinco para encenar: Clóvis, Nomes, Talvez já fosse tarde, Um tango com Frida Kahlo e Dora descompassada. Entre eles como uma liga orgânica, as passagens com breves depoimentos criados pelas próprias atrizes, sobre suas vidas pessoais: a relação com a irmã, com a velhice, com o mundo.

Essa febre que não passa tem uma comunicação fácil e contagiante. Tira o prosaico do cotidiano e nos fala de coisas muito caras que podem atingir a qualquer um, como dores de amores e separações. Os recalques voltam furiosos ou apaziguados com o tempo, mas não com o esquecimento. As feridas reabertas fazem tremer o corpo visível e o invisível também.

A montagem do Angu insiste em algumas características investigativas do coletivo, com o ator-narrador. Mas traz algumas variações, tem uma tonalidade mais feminina, às vezes mais frágil noutras de uma fortaleza insondável.

Os contos de Luce Pereira já expõem os nervos das personagens. E cativam na sua aparente simplicidade para falar do fim de relacionamento entre duas mulheres (e que poderiam ser quaisquer dois), com sua curva que vai da empolgação pelo desejo do duradouro no início à desatenção com as pequenas coisas, tempos depois. Clóvis como promessa de felicidade salienta na chegada sinais de desgaste da relação.

Noutro, a personagem se debate contra seu próprio nome, como se fosse um ferro de marcar gado, condenatório. Nomes para ela definem tudo. E essa figura com manias de grandeza adora os bonitos. Com criativas frases de efeito, um humor irônico e uma pontinha de crítica social, a autora vai alinhavando a vida dos vizinhos, do prédio, do bairro.

Mayra Waquim na cena Nomes

Dívidas de afeto com uma tia pouco afeita a carinhos são contabilizadas no conto Talvez já fosse tarde. É o mais duro, mais triste, mais cortante dos textos escolhidos para a montagem. E vai crescendo numa onda em que autocondenação é confessada pelo bem que deixamos de fazer aos nossos queridos. Como a negação de um beijo, abraço ou coisa parecida.

Marcia Cruz e Hilda Torres no quadro Talvez já fosse tarde

Um café com a irmã e a explosão de memórias, do desejo de crescer que não passou quando acabou a adolescência. As reminiscências compartilhadas com a mana que nunca a entendeu perfeitamente. E entre incompreensões de uma e as revelações da outra a vontade de partir. “Queria ter a alma de Frida Khalo, expulsar cores, escancarar porões, viver todas as minhas heresias sem culpa, não fazer maldades com rapazes e misses”. Elas riem por um momento cúmplices com histórias de crueldade. A ironia fina se instala.

Ceronha Pontes e Mayra Waquim em Um tango com Frida Kahlo

No conto que fecha o espetáculo, Dora descompassada, o desespero, a dor, o desânimo, são maiores que a vontade de prosseguir o caminho sozinha. Quando descobriu que eles -enquanto casal – já não se pertenciam, ela faz um balanço da relação e não suporta a perspectiva de futuro. Desistir de tudo no fim de ano traz uma carga dramática para abrir as feridas não cicatrizadas do público.

Enfim, um punhado de contos que percorrem estados de espírito. Pode predominar uma melancolia, mas todos inquietam e fazem pulsar vida em suas múltiplas possibilidades. De que é possível seguir em frente, de superação, de renúncia.

Esse material textual foi respeitado e valorizado na cena dirigida por André Brasileiro e Marcondes Lima. Os outros três espetáculos do grupo, dirigidos por Marcondes, são mais masculinos. Essa febre tem um tônus mais feminino.

Além das atrizes Ceronha Pontes, Hermila Guedes, Hilda Torres, Márcia Cruz, Mayra Waquim e Nínive Caldas, está em cena a violoncelista Josi Guimarães, que integra a cena e faz de seu instrumento, seu amado.

Cortinas compõem o cenário, representando camadas, ora revelando, ora escondendo, ora abrindo em fendas para essas mulheres contarem suas histórias.

Feito ninfas elas aparecem despindo-se ou recompondo-se para anunciar as personagens que estão por vir.

Ceronha Pontes, Hermila Guedes protagonizam o casal de Clóvis, o gato. Duas fortes atrizes explorando a cumplicidade de amor, seus recônditos insondáveis, num arco que vai da alegria, da euforia do encontro ao à tristeza da separação. Feito um bailado esse percurso é desenhado com beleza, num jogo lúdico de amorosidades que vão se diluindo. O treinamento no chamado método Viewpoints, ministrado pela paulista Amanda Lira como certeza deu sustentação para o trabalho físico.

Quadro Clovis questiona como manter acesa a chama da paixão

Nesse quadro, a promessa de felicidade já desmoronou quando o bichano é convidado a entrar. A representação do gato é bem resolvida. Hilda Torres faz o primeiro gato, o do pesadelo. E Nínive Caldas faz Clóvis lindamente, dengoso, esperto, cúmplice, mas acima de tudo felino.

Mayra Waquim faz a artista plástica que errou no nome desde o nascimento e prossegue nas suas escolhas erradas e na inveja por nomes bonitos. Na frente da televisão fazendo ginástica, ou pintando seus quadros que não vendem mais nem na feirinha, ela desfia suas mágoas, pela imensa falta de sorte desde o batismo. E sua ojeriza por coisa de gente pobre, ela mesma instalada no prédio decadente. Ela mostra domínio dessa personagem com sutilezas de detalhes. Como fazem todas as atrizes em algum momento do espetáculo.

Mayra Waquim no papel da artista plástica

Marcia Cruz incorpora não apenas uma velha, mas toda a velhice do mundo, de quem foi perdendo tudo e agora vive agregada na família da irmã. Hilda Torres faz a sobrinha que narra a história de Bernarda e de sua inabilidade com os afagos. Ela só consegue traduzir os gestos amorosos nas lembranças de datas e em qualquer mimo para os sobrinhos e sobrinhos-netos e quem mais vier. Talvez já fosse tarde dá um nó na garganta em sua poesia delicada para expor caminhos de negações, de economias de afeto, de interdições de amor.

Márcia Cruz, como Bernarda, ao fundo, e Hilda Torres

Em Um tango com Frida Kahlo Ceronha Pontes volta à cena para se digladiar com Mayra Waquim, esta no papel de Sofia. “Mas como é que pode, dois pares de olhos nascidos do mesmo pai e da mesma mãe, olhar na mesma direção e ver coisas tão diferentes?”, pergunta a atriz-narradora. Nas reminiscências, quase uma vida inteira, entre crueldades com rapazes e misses e a incompreensão da irmã.

O encontro pulsa de vida, transbordante desde o primeiro cigarro aos 14 anos, do conselho do professor Otaviano Cruz para que partisse quando a asa botasse a última pena. A narradora fala. Sofia ouve sem dizer palavras. O tom muda de acordo com as lembranças. E elas dançam belamente um tango.

Acerto de contas entre irmãs

Uma dor de amor pode ser fatal. Dora descompassada anuncia isso tristemente. Hermila Guedes faz essa mulher desesperada que ainda brinca de aparências de fortaleza e dignidade. O homem que se foi é representado por um par de sapatos. As outras atrizes compõem a cena. Uma banheira branca é instalada no meio do palco e define um quadro belíssimo de Dora na banheira tentando afogar as dores.

Hermila Guedes, em primeiro plano, interpreta Dora descompassada

A direção foi muito feliz ao criar pequenos monólogos de passagem com depoimentos das atrizes sobre algo que tenha a ver com um dos contos. A montagem também forjou uma ligação entre personagens, mudando nomes, e fazendo referências a outras histórias.

A trilha sonora e direção musical são de Henrique Macedo que ajudar a expandir ou comprimir os tempos e dar as atmosferas dos contos.

Como nos espetáculos anteriores, as projeções são grandes aliadas da montagem, estabelecendo fortes ligações com o cinema e a memória. Essa memória é salientada por fotos “reais” das atrizes e de outras pessoas da equipe de momentos importantes de suas vidas. Esse trabalho está associado a luz que salienta as camadas dessas histórias e dessas mulheres.
Os figurinos trazem uma tonalidade pastel que às vezes incomoda nesse apagamento que dá as personagens.

No fundo Essa febre que não passa é um espetáculo sobre o amor, o amor idealizado que não tem correspondência na vida e precisa da morte, desse perigoso, frágil e obscuro sentimento que nos move ou imobiliza.

A encenação é toda feita de cuidados e detalhes que o espectador vai descobrindo aos poucos. E encantando-se cada vez mais.

Parabéns a todos os envolvidos com essa febre. Muito boa a estreia na direção de André Brasileiro, com seu olhar que capta as belezas e num transbordamento ou numa repetição desesperadora como faz Dora ao ouvir ad infinitum My way como Frank Sinatra.

O elenco afinado, talentoso e competente fertiliza a cena com emoção.

Espetáculo fica em cartaz aos sábados e domingos


Serviço:
Essa febre que não passa, do Coletivo Angu de Teatro
Quando: temporada aos sábados, às 21h e domingos, às 20h
Onde: Teatro Hermilo Borba Filho (Rua do Apolo, 121, Bairro do Recife)
Ingressos: R$ 20 e R$ 10 (meia)

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