Defende o filósofo Gerd Bornheim que compete à crítica teatral produzir reflexão sobre os sentidos da cena. Tarefa árdua, levando em consideração o contexto de inumeráveis tentativas de reinvenção da linguagem teatral.
A montagem A Era das Rosas, do Curso Princípios Básicos de Teatro (CPBT), do Theatro José de Alencar (Fortaleza, Ceará), turma 2014 manhã, chega ao palco com uma carga de fúria juvenil, vontade de se expressar de forma autoral, e um pouco de desconcatenação das ideias por querer tratar de muitas e complexas questões ao mesmo tempo.
A enxurrada traz facetas do que eles consideram lutas por liberdades. Dos litígios privados do âmbito familiar, até as lutas por direitos coletivos, contra a repressão e outras bandeiras.
As manifestações de junho de 2013 (e seus desdobramentos, que ecoaram por todo o país), foram fatos contemporâneos que inspiraram o grupo. E também entraram na pauta a ditadura militar e várias naturezas de repressão.
Essas inquietações palpitam e pululam no palco, mas em excesso. A Era das Rosas fez duas sessões no 10º Festival de Teatro de Fortaleza. A primeira no Cuca Che Guevara (Cuca Barra), no dia 23/11; e a segunda no dia 25/11, no Teatro Antonieta Noronha.
A dramaturgia colaborativa, com frações das histórias de vida dos integrantes da trupe, foi algo dificultador da unidade do espetáculo. Alguns quadros têm grande apelo visual, mas falta liga ao conjunto da encenação. Os acontecimentos apresentados oscilam entre atos de tirana e a busca por libertação. A mordaça e a flor são dois elementos utilizados com efeito.
A diretora Juliana Veras cuida da orquestração com esse elenco formado por pessoas entre 15 e 70 anos. E em alguns momentos consegue imprimir ritmo e criar imagens pujantes. Eles falam em gromelô (uma língua inventada). O que pode indicar mais uma poética da cena e também cria obstáculos.
As passagens de ação militarizada são fortes e ganham reforço da sonoplastia e do tratamento do corpo dos atores, que assumem posturas belicosas. Em outros momentos, do núcleo aparentemente monolítico – aquela massa de gente – aparece um com pensamento diferente, com uma flor, a tentar convencer os demais.
A submissão e a violência ganham proporções políticas na moldura estereotipada de uma família. Um longo rosário delimita no chão o espaço de uma casa. Duas mulheres trocam receitas amistosas até a chegada do homem-autoridade. E aí eles investem ainda mais nos clichês.
O lance expõe passagem da refeição com o pai, a mãe e a filha a executar uma coreografa repetitiva. Até a visita de um garoto que tenta chamar a menina para o ensaio do teatro. Até a rebeldia da garota. Até a agressão do macho da casa, que serve um copo d’água à mulher obediente, até transbordar.
Essa parte da peça reforça que a montagem se apresenta mais como um painel com lapsos na sua coerência interna. É uma colcha de retalhos que requer uma melhor costura.
A parte final da apresentação traz um show de rock com seus corpos rebeldes e ousados. E depois expõe a juventude ocupando ruas como metáfora de conquista do espaço público, lugar da democratização. Lá, na representação das ruas eles picham e gritam palavras de ordem. A Era das Rosas quer da conta de um arco muito extenso, do povo brasileiro que enfrentou a barbárie na ditadura militar e recentemente veio dar outras provas do exercício da cidadania. Um pouco menos seria mais.
Ficha técnica
A Era das Rosas
Curso Princípios Básicos de Teatro (CPBT), do Theatro José de Alencar
Direção: Juliana Veras
Texto: Criação Coletiva
Preparador Corporal: Bio Falcão
Preparação vocal: Érica Albernaz, Juliana Veras
Iluminação: Danieli Flores, José Brígido e Luis Albuquerque
Figurino: Breno Gillespie, Érica Albernaz e Wendel Veneroso
Design Gráfico: Marina Brito e Lucas Timbó
Elenco: Beth Mitchel, Breno Gillespie, Carla Mendes, Isaías Vasconcelos, Jéssy Viana, Karolina Silva, Lucas Timbó, Lóis Jerônimo, Manuela Crisóstomo, Ozana Nunes e Wendel Veneroso