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Beleza e tenacidade de Orlando

Marina Brito e Murillo Ramos em encenação de Herê Aquino. Fotos: Diego Souza

Marina Brito e Murillo Ramos em encenação de Herê Aquino. Fotos: Diego Souza

X Festival de Teatro de Fortaleza

A cena é potente, o elenco afinado e a música um elemento essencial em Orlando, montagem do Grupo Expressões Humanas (Fortaleza, Ceará), adaptada do romance de Virginia Woolf (1882-1941). O livro, publicado em 1928, já inspirou versões para teatro e cinema em todo mundo.

Guardo na lembrança com mais nitidez as duas produções da encenadora Bia Lessa (1989, com Fernanda Torres no papel-título; e em 2004, com Betty Gofman, que circularam pelo Brasil na sequência). E o filme de Sally Potter, Orlando – A Mulher Imortal, com Tilda Swinton a atravessar séculos sempre jovem (com direito a mudanças de sexo), por condenação da Rainha Elizabeth I.

As questões de gênero pontuam praticamente todas as encenações de Orlando. O fluxo de consciência da narrativa literária é absorvido nas montagens. E lógico que a diferença está no tratamento que cada encenador dá às demandas apresentadas pela prosa vigorosa de Woolf.

A encenação de Herê Aquino investe nas abstrações de que as fronteiras de gênero são construtos históricos. Essa posição já marca um bom combate contra dogmatismos e preconceitos que ainda povoam a sociedade contemporânea. O lugar do criador faz a diferença da obra de arte. Os indivíduos podem ser senhores de seus destinos, gritam as ações no interior da cena. Coisas inventadas podem ser libertadoras.

Desejos, escolhas e experimentações estão mais para gêneros e ampliam conceitos de sexo. Herê está a brindar o espectador com esses debates. A poesia da cena é ampliada por metáforas nas resoluções de passagens de tempo e mudanças de lugares; e traduzida nas paixões de Orlando por pessoas e pela arte a partir da literatura.

A diretora orquestra isso no palco com o mínimo de elementos para gerar o máximo de articulação. O universo interior das personagens ganha movimento. A diluição da lógica é traduzida em ações simples, do gestual inspirado na esgrima e nas várias modalidades de dança. A narrativa fantasiosa, da viagem do protagonista por quatro séculos, é pontuada pela força dos atores, as alterações nos seus registro vocais e corporais e nas trocas do criativo figurino.

A música, composta para o espetáculo, conduz esse percurso, estabelecendo as condições de projetar a complexidade da mente de Orlando.

As soluções cênicas para acentuar a resiliência (qualidade de quem sai fortalecido de uma situação adversa) do personagem central são exploradas lindamente em vários momentos. Um dos destaque é quando Orlando se vê diante de um impasse em sua luta por escrever. Numa comunidade de ciganos, sem papel nem tinta – ele transforma cerejas e vinho em tinta e arranja espaço nas sobras em branco do manuscrito O Carvalho.

Personagem da sociedade elisabetana do século 17, Orlando é sensível e passional. Forte e determinado. Quixotesco. Orlando é um desafio.

Orlando foi apresentado no 10º Festival de Teatro de Fortaleza em duas sessões. A primeira no Cuca Chico Anysio (Cuca Mondubim) e a segunda no Teatro Carlos Câmara. Assisti no TCC, numa noite em que o ar-condicionado com defeito deixou a sala incomodamente gelada. O público foi acomodado nas laterais do palco e na plateia. Ao fundo do palco foi instalado um tablado, ocupado pelo músico Moisés Filipe e onde os atores sobem em alguns momentos.

O figurino que fica pendurado nas araras que delimitam a cena, tão minimalista quanto o cenário, cumpre bem o papel de destacar a passagem do tempo e as mudanças que ocorrem com o protagonista.

O elenco é formado por Juliana Veras, Marina Brito e Murillo Ramos. Os três interpretam Orlando em alguma fase dos 400 anos de vida do personagem. Marina propõe belas imagens com as coreografias corporais precisas e a jovialidade de sua atuação. Murilo dá mais peso imprimindo utopia e sofreguidão no corpo do personagem. Juliana Veras transpira sedução e vitalidade. Cada um dos três defende brilhantes facetas dessa figura exemplar.

Três facetas de Orlando com elenco do Ceará

Três facetas de Orlando com elenco do Ceará

O rapaz que ao longo dos séculos é transformado em mulher persegue o amor e seus ideais na arte. Um nobre binômio. Orlando cria novas redes de sentidos para prosseguir após cada queda. É o caráter resiliente que permite que o sujeito prossiga para ter voz e dar viabilidade a sua literatura.

Exergo essa tenacidade no trabalho de Herê Aquino e seu grupo, a enfrentar obstáculos no teatro e não perder a alegria. Capacidade e perseverança para assegurar o seu lugar no mundo.

Pessoalmente tenho muito a aprender com o personagem de Virgínia Woolf, com Herê Aquino e sua trupe. E acreditar, como dizem os cearenses: “Vai dar certo!”

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Eles querem falar sobre liberdade

A flor é um símbolo de resistência e esperança na encenação

A flor é um símbolo de resistência e esperança na encenação

X Festival de Teatro de Fortaleza

Defende o filósofo Gerd Bornheim que compete à crítica teatral produzir reflexão sobre os sentidos da cena. Tarefa árdua, levando em consideração o contexto de inumeráveis tentativas de reinvenção da linguagem teatral.

A montagem A Era das Rosas, do Curso Princípios Básicos de Teatro (CPBT), do Theatro José de Alencar (Fortaleza, Ceará), turma 2014 manhã, chega ao palco com uma carga de fúria juvenil, vontade de se expressar de forma autoral, e um pouco de desconcatenação das ideias por querer tratar de muitas e complexas questões ao mesmo tempo.

A enxurrada traz facetas do que eles consideram lutas por liberdades. Dos litígios privados do âmbito familiar, até as lutas por direitos coletivos, contra a repressão e outras bandeiras.

As manifestações de junho de 2013 (e seus desdobramentos, que ecoaram por todo o país), foram fatos contemporâneos que inspiraram o grupo. E também entraram na pauta a ditadura militar e várias naturezas de repressão.

Essas inquietações palpitam e pululam no palco, mas em excesso. A Era das Rosas fez duas sessões no 10º Festival de Teatro de Fortaleza. A primeira no Cuca Che Guevara (Cuca Barra), no dia 23/11; e a segunda no dia 25/11, no Teatro Antonieta Noronha.

A dramaturgia colaborativa, com frações das histórias de vida dos integrantes da trupe, foi algo dificultador da unidade do espetáculo. Alguns quadros têm grande apelo visual, mas falta liga ao conjunto da encenação. Os acontecimentos apresentados oscilam entre atos de tirana e a busca por libertação. A mordaça e a flor são dois elementos utilizados com efeito.

A diretora Juliana Veras cuida da orquestração com esse elenco formado por pessoas entre 15 e 70 anos. E em alguns momentos consegue imprimir ritmo e criar imagens pujantes. Eles falam em gromelô (uma língua inventada). O que pode indicar mais uma poética da cena e também cria obstáculos.

As passagens de ação militarizada são fortes e ganham reforço da sonoplastia e do tratamento do corpo dos atores, que assumem posturas belicosas. Em outros momentos, do núcleo aparentemente monolítico – aquela massa de gente – aparece um com pensamento diferente, com uma flor, a tentar convencer os demais.

Manifestações de junho de 2013 e seus desdobramentos e ditadura militar inspiraram peça

Manifestações de junho de 2013 e seus desdobramentos e ditadura militar inspiraram peça

A submissão e a violência ganham proporções políticas na moldura estereotipada de uma família. Um longo rosário delimita no chão o espaço de uma casa. Duas mulheres trocam receitas amistosas até a chegada do homem-autoridade. E aí eles investem ainda mais nos clichês.

O lance expõe passagem da refeição com o pai, a mãe e a filha a executar uma coreografa repetitiva. Até a visita de um garoto que tenta chamar a menina para o ensaio do teatro. Até a rebeldia da garota. Até a agressão do macho da casa, que serve um copo d’água à mulher obediente, até transbordar.

Essa parte da peça reforça que a montagem se apresenta mais como um painel com lapsos na sua coerência interna. É uma colcha de retalhos que requer uma melhor costura.

A parte final da apresentação traz um show de rock com seus corpos rebeldes e ousados. E depois expõe a juventude ocupando ruas como metáfora de conquista do espaço público, lugar da democratização. Lá, na representação das ruas eles picham e gritam palavras de ordem. A Era das Rosas quer da conta de um arco muito extenso, do povo brasileiro que enfrentou a barbárie na ditadura militar e recentemente veio dar outras provas do exercício da cidadania. Um pouco menos seria mais.

Elenco do Curso Princípios Básicos de Teatro (CPBT). Foto Kekel Abreu

Elenco do Curso Princípios Básicos de Teatro (CPBT). Foto Kekel Abreu

Ficha técnica
A Era das Rosas
Curso Princípios Básicos de Teatro (CPBT), do Theatro José de Alencar
Direção: Juliana Veras
Texto: Criação Coletiva
Preparador Corporal: Bio Falcão
Preparação vocal: Érica Albernaz, Juliana Veras
Iluminação: Danieli Flores, José Brígido e Luis Albuquerque
Figurino: Breno Gillespie, Érica Albernaz e Wendel Veneroso
Design Gráfico: Marina Brito e Lucas Timbó
Elenco: Beth Mitchel, Breno Gillespie, Carla Mendes, Isaías Vasconcelos, Jéssy Viana, Karolina Silva, Lucas Timbó, Lóis Jerônimo, Manuela Crisóstomo, Ozana Nunes e Wendel Veneroso

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