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Valdi Coutinho vai atuar em outros palcos

Valdi Coutinho, animador cultural no Recife, incentivador principalmente do teatro, morreu nesta terça-feira

Durante as filmagens do documentário Múltiplo Valdi, de Rafael Coelho

De espírito inquieto, Valdi Coutinho se pluralizou. Jornalista esportivo, crítico de teatro, dramaturgo, ator, escritor, professor, pintor, carnavalesco e religioso. No início deste ano foi lançado seu biodocumentário Múltiplo Valdir, dirigido, roteirizado e montado por Rafael Coelho, com produção de Cláudia Moraes, e de Amaro Filho, da Página 21, projeto aprovado pelo Funcultura.

Aos 77 anos, Valdi Coutinho morreu no começo da tarde desta terça-feira (14), no seu apartamento, no bairro de Santo Amaro, no Recife.

Vítima de três AVCs, Valdi se locomovia nos últimos tempos com dificuldade, mas mantinha sua conexão com o mundo através da redes sociais, onde deixava sua posição política mais conservadora ou treinava sua verve cômica.

Em 2015 foi o homenageado do 17º Festival Recife do Teatro Nacional e não perdeu a ironia para atestar que quase não acreditou, pois “as pessoas sempre lembram de quem está no poder (da mídia, do sucesso, da gestão pública, das finanças, etc) e eu estou tão apagadinho, há sete anos, depois que fiquei semiparaplégico em função das sequelas de dois AVCs que tive em 2009”, comentou na ocasião.

Valdi manteve uma coluna diária sobre artes cênicas no Diario de Pernambuco, Cena Aberta,  um espaço de prestígio que muito contribuiu para a difusão e o fortalecimento do teatro em Pernambuco. Sempre que falava dos 30 anos de labuta no Diario não deixava de agradecer às pessoas que lhe deram apoio: “quero dividir este mérito e reconhecimento com a jornalista Lêda Rivas, minha editora do Caderno Viver por duas décadas, os jornalistas Antônio Camelo, Adonias de Moura e José Maria, este último quem me entregou a missão de fazer a coluna de artes cênicas (substituindo Adeth Leite, quando ele faleceu), todos os três de saudosa memória”.

Por pouco, ele não foi padre. Duas tias investiram para que seguisse a carreira eclesiástica, mas faltou talento para o destino clerical, o que sobrava para as atividades artísticas e de comunicação. Começou a fazer teatro aos 10 anos no Seminário de Nazaré da Mata, depois, no Seminário de São Pedro, em Natal, e vários musicais na cidade de Gurupi, Goiás.

No Recife, estreou com o elenco dos aspirantes ao TAP, na peça A Falecida, de Nelson Rodrigues, com direção de Valter de Oliveira. Depois vieram Hoje É Dia de Rock, direção de Marcus Siqueira; Os Mistérios do Sexo, de Coelho Neto, com direções de Alex Gomes e Carlos Bartolomeu; Natal na Praça, direção de Clênio Wanderley; Jogos na Hora da Sesta, direção de Geninha Rosa Borges; As Tias, direção de Guilherme Coelho; O Beijo da Mulher Aranha, direção de José Francisco Filho; A Louca do Jardim, direção de Romildo Moreira; Cabaré Brazil¸ direção de Carlos Bartolomeu; O Buraco É Mais Embaixo, direção de Fábio Costa e Américo Barreto, entre outros.

Dirigiu dezenas de montagens entre elas, Pluft, o Fantasminha, de Maria Clara Machado, com George Meireles, Feliciano Felix; Os Mistérios do Sexo, de Coelho Neto, com Sharlene Esser. Também escreveu textos dramáticos tais como Os Coronéis Morrem Tarde; Paulete, Danação e Anjo Azul (inspirado num conto de Cícero Belmar)

Protagonizou dois curtas, um de Fernando Spencer, O Último Bolero no Recife, e outro de Ricardo Spencer, Força Brasil.

Como carnavalesco, assumiu o Baile dos Artistas depois de dois anos de assessoria de imprensa. No jornalismo esportivo, Valdi registra a façanha de cobrir quatro Copas do Mundo e uma Olimpíada. 

A jornalista Lêda Rivas, escreveu nas redes sociais: “Nosso companheiro estava, há muito tempo, afastado do dia a dia da redação. Acometido de problemas de saúde (sofreu três AVCs e tinha dificuldades de mobilidade) não foi esquecido pelos companheiros, os quais, eventualmente o cercavam de atenções e tentavam minimizar a crise financeira que enfrentava. Faz poucos anos, contei com a participação dele na confraternização em prol do Natal da APAE, que promovo junto com os coleguinhas. Ocasião em que partilhamos gratas e divertidas memórias e em que, ele, emocionado, agradeceu-nos o carinho demonstrado nas horas difíceis. Chorou: ‘Obrigado por se importarem.’ Não sei as circunstâncias da sua morte. E, nestes tempos cruéis de pandemia, lastimo que não possamos lhe prestar as últimas homenagens e dizer-lhe o quanto o seu espírito inquieto e os seus arrebatamentos nos ensinaram. Vai na paz de Deus, amigo. Qualquer dia, a gente vai se encontrar”.

Em novembro de 2015, postamos aqui no Satisfeita, Yolanda? essa entrevista com Valdi Coutinho, que reproduzimos aqui. 

ENTREVISTA // VALDI COUTINHO

Valdi, você trabalhou muito anos no Diario de Pernambuco. Você fez parte da editoria de Esportes também? Como eram divididas suas tarefas?
Passei quase 30 anos no DP e durante algum tempo me dividi entre Esportes, com o editor Adonias de Moura, e Viver – artes cênicas – com a editora Leda Rivas, o que não criava problema nenhum, pois os dois editores compreendiam minha simbiose entre o futebol e o teatro. Quando viajava, – e viajei muito, conheci toda a América do Sul, Estados Unidos, e fiz quatro Copas do Mundo (Argentina, Espanha, México e Itália), passando dois meses em cada um desses países,- era substituído na coluna diária de artes cênicas por jornalistas-colegas maravilhosos, tais como Sanelvo Cabral, Inês Cunha, Marilourdes Ferraz, entre outros, e nunca houve problemas. Grato, então a Leda Rivas e ao saudoso Adonias de Moura. José Maria, esse último foi quem me entregou  a missão de fazer a coluna de artes cênicas (substituindo Adeth Leite, quando ele faleceu), todos os dois de saudosa memória.

No período em que você atuou, o teatro pernambucano era mais vibrante? Tinha mais projeção?
Não, quando eu comecei a escrever sobre artes cênicas só havia o TAP, chamado de Jardim dos Oliveiras, o Tucap, Leandro Filho e seu teatro infantil. Aí eu fui incentivando, abrindo espaço, dando notícias sobre outras produções e começou o rebuliço, e passamos a ter um movimento teatral, chegando o Recife a ser o 3º polo de produção teatral. Enfim, sem falsa modéstia, o Recife começou a ter projeção nacional.

Como foi o seu encontro com o teatro? Como ator, diretor, crítico?
Naquela época não existia Internet nem redes sociais. O jornalista tinha que estar por dentro de tudo, bem informado sobre o que ia escrever, e eu estava até demais, só assim tinha informações, críticas e resenhas para escrever sobre teatro, diariamente. Aos 10 anos já fazia teatro interpretando Tarcísio, o mártir da Eucaristia, no Seminário de Nazaré da Mata, sob a direção do professor Higino. Depois, no Seminário de São Pedro, em Natal, comandava o show Xô Arara, Arara Show, aos domingos, para fugirmos da sala de estudos, à noite. Aos 16 anos, na cidade de Gurupi, Goiás, dirigi vários espetáculos musicais apresentados no Cine Boa Sorte, de sr. Moisés, com coreografias, esquetes dramáticos e cômicos, etc, que lotavam a casa. Quando jornalista, no Recife, fiz estreia na peça A Falecida, de Nelson Rodrigues, pelo elenco dos aspirantes ao TAP, direção de Valter de Oliveira. Depois fui presidente do Teatro Ambiente, do MAC, substituindo Petrúcio Nazareno, fundei o Teatro Experimental de Olinda, TEO, onde despontaram inúmeros talentos, como o hoje famoso José Manoel.E não parei mais, fazendo e escrevendo sobre teatro.

Uma crítica de teatro ainda tem alguma serventia?
Uma crítica de teatro ainda tem incomensurável valor não só para o público mas especialmente para os que fazem teatro.

Você ainda escreve críticas? O que você acha importante analisar?
Não escrevo mais críticas. Mas, acho tudo muito importante na crítica, desde a análise do texto até da contrarregragem.

Como se forma um bom crítico de teatro?
Um bom crítico, ao meu ver tem que compreender tudo, desde os bastidores até o produto final de uma encenação.

Uma das grandes polêmicas da produção pernambucana foi a estreia, e a curta temporada, da montagem Um Bonde chamado desejo, da qual você era assessor de imprensa. A crítica, num caso raríssimo, foi publicada duas vezes em página inteira no JC, porque trocaram a assinatura do autor da matéria. E não era uma crítica favorável ao espetáculo. O que diria sobre isso?
Naquela época existia uma guerra demolidora, amarga, azeda, de bastidores. Conheço produtores que ligavam para os teatros a fim de saber quantas pessoas tinham ido ver o outro espetáculo em cartaz para compará-lo com o seu. Um Bonde Chamado Desejo foi vítima dessa discórdia, sobrou até pra mim, foram pedir minha cabeça no jornal porque eu fiz assessoria de imprensa do espetáculo. Sofri muito na época. Foi uma baixaria. Saímos incólumes dessa violência, o espetáculo fez sucesso e eu permaneci escrevendo sobre artes cênicas. Não mexe comigo, eu não ando só…

O que acha da cena teatral brasileira contemporânea? Estamos mais ricos ou mais pobres artisticamente
Acho que estamos mais pobres. O valor comercial do espetáculo prevalece, o público adora ver pintas no palco. Mas isso está passando graças a uma nova geração que está chegando com excelentes espetáculos

Na sua carreira de crítico tem algum texto que você se arrependeu de ter escrito. Por quê? Ou alguma crítica que você lamentou não ter escrito. Por quê?
Não, não. Quando eu achava que o espetáculo era pobre demais eu simplesmente não fazia crítica para não prejudicá-lo.

Quais as melhores peças que você já conferiu?
As melhores que conferi são muitas, mas eu destacaria as dirigidas por Antonio Cadengue, Carlos Bartolomeu, José Pimentel, Guilherme Coelho, José Francisco Filho, Geninha Rosa Borges, entre outros, os citados são os melhores encenadores para mim.

Você tem alguma mágoa do teatro ou do jornalismo pernambucanos?
Não tenho. Mágoas e ressentimentos provocam câncer, infarto, depressão, já não sei o que são esses sentimentos. Se houve, passaram, hoje eu vivo o presente e cada dia como se fosse o último.

O que você faz do seu tempo?
Amo. A Deus, à vida, ao mundo, antenado e animado pelas redes socais, pela Internet.

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