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Bia Lessa propõe transcriação de Grande Sertão: Veredas para os palcos

Antes de definir papeis, todos os atores do elenco ensaiaram todos os personagens. Foto: Roberto Pontes/Divulgação

Antes de definir papeis, atores do elenco ensaiaram todos os personagens. Foto: Roberto Pontes

Grande Sertão: Veredas é um livro que impressiona por sua magnitude. Nele, Guimarães Rosa (1908-1967) empregou o máximo de sua inventividade poética para contar a história de um dos personagens mais marcantes da literatura brasileira: Riobaldo, cuja vida é um pano de fundo para mostrar a eterna tensão entre o mundo e o homem. E como trazer para os palcos uma obra importante para a literatura brasileira justamente por inovar tanto na linguagem escrita? Essa é a pergunta que Bia Lessa tenta responder em seu penúltimo trabalho (o mais recente, Pi – Panorâmica Insana, está em cartaz em São Paulo até 29 de julho, e tem no elenco Claudia Abreu, Leandra Leal, Rodrigo Pandolfo e Luiz Henrique Nogueira) baseado diretamente no clássico de Guimarães. Grande Sertão: Veredas, a peça-instalação, tem única apresentação no dia 8 de julho, domingo, no Centro de Convenções, em Olinda.

Cancelada por conta da greve dos caminhoneiros, em maio passado, a peça finalmente se apresenta em Pernambuco após pouco mais de um mês de espera. A diretora e cenógrafa, que tem o Paço do Frevo em seu portfólio, optou por fazer mais uma transcriação da obra rosiana do que a adaptação do livro, embora toda a dramaturgia do espetáculo seja composta por passagens de Grande Sertão: Veredas, sem adições de fora desse universo. Para isso, ela e sua equipe imaginaram uma estrutura em U, parecida com uma gaiola, onde ficam sempre em cena os dez atores do elenco. Estão nele desde nomes bastante conhecidos do público, como Caio Blat e Luiza Arraes, até atores “verdes”, com pouca experiência no palco. Todos eles ensaiaram todos os personagens antes de definirem seus papeis. Cerca de 250 bonecos de feltro em tamanho natural também estarão no palco-instalação e poderão ser vistos por quem circular pelo Centro de Convenções no domingo, durante o dia.

A relação de Bia com a obra de Guimarães Rosa se estreitou em 2006, quando ela ficou encarregada da montagem da primeira exposição do Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo. Foi só ao aceitar essa tarefa que ela leu o livro pela primeira vez. “Por uma questão óbvia, pensei em Grande Sertão: Veredas, pois Guimarães é um inventor de linguagem, um grande estudioso da tradição oral. Na época, achei empobrecedor colocar imagens naquele trabalho. Não cabia naquele momento, então resolvi fazer uma mostra só com palavras. Dez anos depois, me vi com o desejo de voltar a fazer teatro e sempre achei que essa linguagem cobra da gente uma outra vida. Escolhi retornar a essa obra porque o processo em si já seria muito rico, mesmo se não conseguíssemos montar um espetáculo”.

Cerca de 250 bonecos de feltro em tamanho natural compõem o palco-instalação. Foto: Roberto Pontes/Divulgação

Cerca de 250 bonecos de feltro em tamanho natural compõem o palco-instalação. Foto: Roberto Pontes

O processo, segundo a criadora, se desenvolveu a partir de uma provocação. “Todo mundo me desaconselhava a montar esse livro. Chamei vários escritores e eles me diziam: ‘não mexe nisso’. O fato de as pessoas me desencorajarem, na verdade, me encorajava. Peguei trechos do livro e montei como foi escrito. A adaptação foi feita durante o jogo cênico. Era importante falar sobre a linguagem, pois o estilo dessa obra me atraía tanto quanto seu conteúdo”. Já o diálogo de Grande Sertão: Veredas com o Brasil atual, segundo Bia, é fácil de ver. A história de Riobaldo, ex-jagunço que vendeu a alma ao diabo e teve uma relação delicada com Diadorim, figura andrógina das mais fascinantes da literatura brasileira, tem desdobramentos diretos na atualidade. “Estamos em um retrocesso mundial gravíssimo. Ele apresenta uma questão importante de gênero, mostra a importância do indivíduo e coloca o homem onde ele de fato deve estar: em uma relação equivalente com os bichos, os minerais, em vez de superior à natureza”.

A passagem do tour de force cênico pelo Recife faz parte de uma turnê nacional – sem patrocínio, é bom que se diga. Sem subsídio, os ingressos ficaram com um preço acima da média mesmo em comparação a outros espetáculos nacionais de grande porte. O valor deles também está diretamente atrelado à experiência do público. Ao contrário das temporadas no Rio e em São Paulo, que foram encenadas em locais nos quais a plateia ficava muito próxima dos atores, respectivamente no Centro Cultural Banco do Brasil e no Sesc Consolação, a apresentação no Recife vai ocupar uma casa de espetáculos que pode ser tudo, menos intimista.

Os mais de 2 mil lugares do Teatro Guararapes devem alterar de forma radical a experiência proporcionada pela montagem. Apenas 200 pessoas que pagarem o valor mais elevado – R$ 200, sem direito a meia-entrada – poderão ficar no palco em uma estrutura similar à original. Elas terão direito a fones de ouvido com um desenho de som que mistura as falas dos atores, a trilha de Egberto Gismonti e os efeitos sonoros do sertão. Já o restante da plateia, que terá uma experiência menos imersiva, terá acesso a uma paisagem sonora diferente, com as vozes amplificadas dos atores preenchendo o espaço.

Serviço:
Grande Sertão: Veredas
Quando: 08 de julho (domingo), às 19h
Onde: Teatro Guararapes – Centro de Convenções, s/n, Salgadinho, Olinda
Ingressos: R$ 200 (assentos na plateia com fone de ouvido, sem meia-entrada); R$ 160 e R$ 80 (meia) para plateia AA até BB; R$ 140 e R$ 70 (meia) da plateia BC em diante e R$ 100 e R$ 50 (meia) para o balcão, com ingressos à venda pelo site Eventim e na bilheteria do teatro
Informações: (81) 3182-8020

Ficha Técnica
Concepção, Direção Geral, Adaptação e Desenho de Luz: Bia Lessa
Elenco: Balbino de Paula, Caio Blat, Daniel Passi, Elias de Castro, José Maria Rodrigues, Leonardo Miggiorin, Lucas Oranmian, Luisa Arraes, Luiza Lemmertz, Clara Lessa
Concepção espacial: Camila Toledo, com colaboração de Paulo Mendes da Rocha
Música: Egberto Gismonti
Colaboração: Dany Roland
Desenho de som: Fernando Henna e Daniel Turini
Adereços: Fernando Mello Da Costa
Figurino: Sylvie Leblanc
Desenho de luz: Binho Schaefer
Projeto de áudio: Marcio Pilot
Diretor assistente: Bruno Siniscalchi
Assistente de direção: Amália Lima
Direção executiva: Maria Duarte
Produtor executivo: Arlindo Hartz
Colaboração: Flora Sussekind, Marília Rothier, Silviano Santiago, Ana Luiza Martins Costa, Roberto Machado
Idealização e realização: 2+3 Produções Artísticas Ltda
Apoio institucional : Banco do Brasil | Globosat
Duração: 140 minutos
Classificação: 18 anos
Apoio: BMA Advogados | Instituto-E | Om Art
Agradecimento especial à viúva do autor, a quem a obra foi dedicada, Aracy Moebius de Carvalho Guimarães Rosa, à Nonada Cultural e a Tess Advogados

 

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