Quem gosta de Cida Moreira, adora. Não há meio termo. E foi para esses fãs calorosos que a diva fez duas apresentações do espetáculo A Música e a Cena, no Gairão, dentro do Festival de Curitiba. Com direção de Gilberto Gawronski, a montagem passeia por canções que fazem parte da história do teatro musical no Brasil.
O diretor compôs um ambiente que liga palco e camarim. Ela começa no fundo do palco, nos bastidores, com uma música à capela: Bastidores, de Chico Buarque, que por sinal é muito bem citado no espetáculo. Nessa encenação, Cida está um tom a menos, com arranjos de Alexandre Brasolim e sem os descomedimentos de outras montagens. O espetáculo oscila entre a delicadeza e a lembrança das canções de combate da época da ditadura.
Cida Moreira foi atriz de espetáculos emblemáticos do teatro nacional, e atuou nas montagens originais de Ópera do malandro, de Chico Buarque, Teatro do Ornitorrinco canta Brecht e Weill, com Cacá Rosset, e Saltimbancos, substituindo Miúcha. Com o espetáculo Summertime (1980), dirigido por José Possi Neto, ela investe na carreira de cantora e lança seu primeiro disco.
Em A Música e a Cena, a artista, acompanhada por uma mini orquestra, desliza com desenvoltura por canções desse tipo de teatro. Vai de O Ébrio, de Vicente Celestino, que teve peça homônima na década de 1930 até Deus lhe pague, música de Chico, gravada na década de 1970 e que pegou emprestado o título de Joracy Camargo, texto que foi montado em 1933.
As projeções no fundo do palco, mesmo que não sejam novidades, funcionam como homenagens às figuras de Gianfrancesco Guarnieri, Paulo Autran, Paulo Gracindo, Walmor Chagas. Ouvimos um trecho de Paulo Gracindo recitando Cântico negro, do poeta português José Régio, muito conhecido na voz de Maria Bethânia.
Também são executadas canções de um viés mais político, como das montagens Morte e vida Severina, Calabar e Arena conta Zumbi. E há também umas surpresas: interpreta Je ne t’aime pas, de 1934 , de Kurt Weill, parceiro de Brecht; e Back to Black, de Amy Winehouse, ao piano.
As músicas de Chico Buarque (sozinho ou com seus parceiros) marcaram presença. Como Beatriz, Suburbano Coração e Minha Canção.
Cida também lê alguns textos. Repleto de humor ácido, um trecho de Liberdade, Liberdade de Flávio Rangel e Millôr Fernandes parecia ainda hoje uma vingança. Como se sabe a estátua da Liberdade foi um presente dos franceses aos norte-americanos. “Quando Bernard Shaw esteve nos Estados Unidos foi convidado a visitar a Liberdade, mas recusou-se afirmando que seu gosto pela ironia não ia tão longe”.
E prossegue: “A confecção da monumental efígie custou à França trezentos mil dólares. Quando a Liberdade chegou aos Estados Unidos, foi-lhe feito um pedestal que, sendo americano, custou muito mais do que o principal: quatrocentos e cinquenta mil dólares. Assim, a liberdade põe em cheque a afirmativa de alguns amigos nossos, que dizem de boca cheia a frase importada, que o “Preço da Liberdade é a Eterna Vigilância”. Não é. Como acabamos de demonstrar, o preço da liberdade é de setecentos e cinquenta mil dólares”.
E deixa a marca de sua interpretação em Geni e o Zepelim . A execução dessa música já valia a noite. Imagine com todo esse repertório. Muito mais de emoção.
*A jornalista Ivana Moura viajou a convite do Festival de Curitiba