Foto: Breno César
Uma rápida performance no início espetáculo de dança contemporânea Zoe provocou polêmica durante a curta temporada em junho deste ano. Um bailarino nu desenvolvia a ação de puxar uma corda na entrada do Teatro Apolo. A produção do espetáculo disse que a Secretaria de Cultura do Recife censurou a cena. A direção do Centro de Formação e Pesquisa das Artes Cênicas Apolo e Hermilo alegou uma lei que configura que se alguém aparece sem roupa em via pública é atentado ao pudor. Zoe faz uma apresentação hoje dentro da programação da Mostra de Dança e uma circular determinou que expressões artísticas com nudez só dentro da caixa cênica, ou seja no palco.
Essa discussão é séria, sobre os limites da arte e a capacidade de órgãos públicos de determinar até onde pode ir uma experiência, evento ou obra dessa categoria. E o que uma Secretaria de Cultura vem fazendo pelo setor para que mereça ser respeitada. São muitas questões, mas o brasileiro sente seus direitos serem retirados na cara dura, criminosos serem absorvidos e o judiciário aplaudir até os “assassinos” da natureza. Tempos sombrios.
A polêmica de Zoe desviou a atenção para a força estética da peça coreográfica. E a nudez está intrinsecamente ligada à criação, ao tema e aos propósitos do espetáculo. Investiga os limites de humanidade hoje e o contato com os instintos primitivos. A montagem é dirigida por Francini Barros e conta com os intérpretes-criadores Adelmo do Vale, Jorge Kildery, Maria Agrelli, Orun Santana, Rafael FX e Victor Lima.
A moldura da realidade, do mundo civilizatório com atos de barbárie naturalizados e o avanço dos espaços de setores mais conservadores, alimenta a reflexão da cena.
No palco, os bailarinos compõem um arco temporal de uma noite. A escuridão faz aflorar inseguranças. Vão se transformando em animais na selva, que tem códigos de instintos e afetos. O trabalho traz como inspiração teórica o livro Homo sacer, o poder soberano e a vida nua, do filósofo italiano Giorgio Agamben.
Mas o que desejo salientar, por ora, são as figuras que os bailarinos conseguem elaborar, formando quadros de potência e grandeza. É impactante o que os artistas compõem e decompõem com o corpo. Além dos jogos de poder, de medo, de suspense da espreita, dos processos de domesticação que os humanos fazem com os animais.
Os instintos transitam com algo cruel e / ou libertador (ressaltando contradições), materializados em gestos de articulação de sentidos. Os bailarinos desenvolvem imagens impressionantes, se metamorfoseando em animais. E a atuação do elenco, e a Jorge Kildery em especial, tem a capacidade de transportar para outro lugar, onde a arte tem um poder de surpreender e arrebatar.
Ficha Técnica
Concepção e direção: Francini Barros
Intérpretes criadores: Adelmo do Vale, Jorge Kildery, Maria Agrelli, Orun Santana, Rafael FX, Victor Lima
Produção: Igor Travassos
Iluminação: Eron Villar
Trilha sonora e operação de som: Johann Brehmer
Cenografia e vídeo mapping: André Calado e Petró
Programação visual: Bruno Amorim
Fotografia e vídeo: Breno César
SERVIÇO
14° Mostra Brasileira de Dança
Terça-feira, 8 de agosto de 2017
Cinzas ao Solo
Alexandre Américo – RN
Teatro Hermilo Borba Filho, 19h
Ingressos: R$20 e R$ 10
+
ZOE (PE)
Teatro Apolo, 20h
Ingressos: R$20 e R$10