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Retrô 2011

Os artistas aguardaram: apoio, resultados dos editais atrasados, pagamento de fomentos. Como – ainda bem-diz a música de Marcelo Camelo (Casa pré-fabricada), “nessa espera, o mundo gira em linhas tortas”. Os caminhos não serem retos não é, definitivamente, ruim para a arte. Se o atraso no resultado do Fundo Pernambucano de Incentivo à Cultura (Funcultura) prejudicou a cena teatral pernambucana em 2011, serviu também ao propósito de mostrar que o teatro continua sendo uma arte de resistência; e que é possível sim levar ao palco produções de qualidade, a duras penas, mesmo sem incentivos oficiais. Para 2012, se as promessas e os prazos de editais forem realmente cumpridos, é bem provável que tenhamos um panorama de peças mais amplo, pelo menos em quantidade. Qualidade não foi o problema.

No Janeiro de Grandes Espetáculos, que começa na próxima quarta-feira, teremos pelo menos três estreias: Aquilo que meu olhar guardou para você, do grupo Magiluth, Caxuxa, da Duas Companhias, e O pássaro de papel, com direção de Moncho Rodriguez e produção de Pedro Portugal e Paulo de Castro. Para o Magiluth, que tem sete anos de atividades, 2011 foi um ano de aprimoramento e, mais ainda, de alargar as possibilidades criativas. Estrearam a peça O canto de Gregório, sem apoio estadual ou municipal, “o que não é um mérito, é porque fazer teatro é mais forte do que a gente, mas é muito difícil”, conta Pedro Wagner, que interpreta Gregório. Ainda participaram do projeto Rumos Itaú Cultural, que possibilitou, através de edital, intercâmbios entre grupos.

Magiluth vai estrear Aquilo que meu olhar guardou para você. Foto: Thaysa Zooby

O Magiluth trabalhou com o Teatro do Concreto, de Brasília. E daí surgiu o novo espetáculo, que tem direção de Luis Fernando Marques, do grupo paulista XIX de Teatro. O grupo passa por um momento limite. “Eles já não são um grupo ‘de novos’. E precisam se manter. Espero que eles consigam esse equilíbrio de produção. Além de ser artista, tem que ter estrutura de produção, gestão”, complementa o professor Luís Reis.
Caxuxa, outra estreia, é uma remontagem, uma adaptação do texto de João Falcão. “Foi uma ideia de Claudio Ferrario. Fizemos essa peça, um musical, há 20 anos”, conta Lívia Falcão, que fez parte do elenco de Divinas, ao lado de Fabiana Pirro e Odília Nunes, que estreou ano passado.

Luiza Fontes, Regina Medeiros e Sofia Abreu estão no elenco de O pássaro de papel. Foto: Pedro Portugal

Ao longo de 2012, outras produções estão previstas. Jorge de Paula, Thay Lopes e Kleber Lourenço devem trabalhar a partir de um texto de Luiz Felipe Botelho, com direção de Tiche Vianna, do Barracão Teatro, de Campinas. Rodrigo Dourado está na direção de Olivier e Lili – Uma história de amor em 900 frases, que tem no elenco Fátima Pontes e Leidson Ferraz. A Cênicas Companhia de Repertório, que fez o infantil Plutf – O fantasminha, está em fase de pré-produção do espetáculo baseado na formação de clowns, e deve montar outro infantil.

Cinema é uma coprodução entre a Cia Clara e o Espaço Muda. Foto: Nilton Leal

Jorge Féo, do Espaço Muda, está trabalhando em parceria com Anderson Aníbal, da Cia Clara, no projeto Cinema, com estreia prevista para abril. A Fiandeiros deve abrir o seu espaço, na Boa Vista, para a realização de temporadas, planeja fazer o infantil Vento forte para água e sabão, e ainda vai lançar o Núcleo de Teatro Novelo, com alunos saídos dos cursos ministrados pela companhia. Breno Fittipaldi e Ana Dulce Pacheco devem estrear, em maio, Encontro Tchekhov, também sem incentivos.

– Colaborou Tatiana Meira

Alguns registros:

Carla Denise fez documentário sobre Hermilo Borba Filho

Leda Alves, viúva de Hermilo Borba Filho, acalenta o projeto de lançar um livro sobre a obra de Hermilo e o Teatro Popular do Nordeste (TPN). “Seria uma obra envolvendo vários pesquisadores”, conta. No último mês de dezembro, a dramaturga e jornalista Carla Denise lançou o DVD Coleção Teatro – Volume 3 – Hermilo Borba Filho, que além de entrevistas com atores, diretores, pessoas que conviveram com Hermilo, traz ainda uma entrevista antiga com o próprio diretor.

O livro TAP – Sua cena & sua sombra: O Teatro de Amadores de Pernambuco (1941-1991), de Antonio Edson Cadengue, foi lançado em novembro. Esse regaste, fundamental para entender a trajetória do teatro em Pernambuco, está disponível em edição rica em detalhes e fotos. Outra publicação importante foi o livro Transgressão em 3 atos: Nos abismos do Vivencial, escrito por Alexandre Figueirôa, Stella Maris Saldanha e Cláudio Bezerra.

O Teatro Experimental de Arte de Caruaru comemora 50 anos em 2012 com muitos motivos para comemorar. Se neste ano o Festival de Teatro do Agreste (Feteag) não ocorreu por falta de apoio e recursos, a Câmara Municipal de Caruaru já aprovou, no mês de novembro, uma verba de R$ 100 mil para que a mostra seja realizada. O grupo deve ainda estrear O pagador de promessas e lançar um livro. Neste ano, pela primeira vez, o TEA participou do Festival de Curitiba.

A publicitária Lina Rosa Vieira está com a agenda lotada para 2012. Em junho, o Festival Internacional de Teatro de Objetos (Fito) será realizado em Belo Horizonte e deve passar por Florianópolis e Curitiba. Está quase certo que o Fito, que foi sucesso de público no Marco Zero, seja realizado aqui, em setembro, trazendo o espetáculo francês Transports Exceptionnels. Já está confirmado é que o Sesi Bonecos do Mundo virá a Pernambuco em novembro.

Lina Rosa Vieira deve trazer o Sesi Bonecos do Mundo e o Fito novamente ao Recife


Pé na estrada

O compromisso com o teatro de grupo está levando as produções pernambucanas para outras cercanias. Não são peças organizadas apenas para cumprir uma temporada, mas fruto da pesquisa, da investigação de uma linguagem e estéticas próprias de cada coletivo. O amor de Clotilde por um certo Leandro Dantas, que estreou em 2010, da Trupe Ensaia Aqui e Acolá, rodou vários festivais do país e deve circular em 2012.

O grupo já está em fase de pesquisa para o novo projeto, que encerra a trilogia em homenagem ao diretor e professor Marco Camarotti. “Crescemos esteticamente. Começamos como um coletivo, mas não tínhamos organização de grupo, gestão. E conseguimos perceber o quanto isso é importante. Nós nos mobilizamos e conseguimos levar o público ao teatro”, conta o diretor Jorge de Paula.

Já o grupo O Poste Soluções Luminosas está comemorando a aprovação nos editais do Myriam Muniz e Procultura, que vão possibilitar que o espetáculo Cordel do amor sem fim, que estreou também em 2010 e passou por vários festivais, faça circulação por lugares cortados pelo Rio São Francisco. Nessas cidades, o grupo também fará formação e já deve começar a pesquisar sobre os jogos e brincadeiras das crianças do Nordeste e as africanas.

Circuito

Valmir Santos, curador deste ano do Festival Recife do Teatro Nacional, fez uma mostra ousada. Em vez de trazer grupos renomados, que de alguma forma sempre fazem parte do festival, como o Galpão e a Armazém Companhia de Teatro, optou por trazer peças que dificilmente viriam ao Recife, por conta da falta de apoio e das distâncias, e que compõem o repertório de alguns grupos com propostas e trabalhos estéticos interessantes. Vimos por aqui, por exemplo, duas montagens que depois foram premiadas pela Associação Paulista de Críticos de Arte: Luis Antonio – Gabriela, da Cia Munguzá, e O jardim (Cia Hiato).

O Jardim, da Cia Hiato, de São Paulo, emocionou o público. Foto: Ivana Moura

Ainda assim, os grupos tradicionais não deixaram de vir ao Recife. A Armazém trouxe o novo trabalho Antes da coisa toda começar; bem antes disso, Marieta Severo e Andrea Beltrão apresentaram, finalmente, a peça de Newton Moreno, com direção de Aderbal Freire-Filho, As centenárias; Marco Nanini trouxe sua premiada Pterodátilos; e Júlia Lemmertz, Paulo Betti e Débora Evelyn vieram ao Recife com Deus da carnificina.

Para 2012, a produtora Denise Moraes já promete novas produções. Velha é a mãe, com Louise Cardoso e Ana Baird, e direção de João Fonseca, deve ser apresentada no Recife de 9 a 11 de março, no Teatro de Santa Isabel. Já de 11 a 13 de março, Denise Fraga encena Sem pensar, direção de Luiz Villaça.

Muitos planos, pouco tempo

Muitas promessas e projetos, mas um prazo apertado. Afinal, este ano é de eleição municipal. Só no último mês de agosto, o diretor de teatro Roberto Lúcio assumiu oficialmente a Gerência Operacional de Artes Cênicas da Fundação de Cultura da Cidade do Recife, e agora a correria é grande para que os projetos possam sair do plano das ideias. No fim de novembro, a gerência fez uma reunião com a classe (João da Costa nem de longe tem a aprovação dos artistas, como ficou claro nesse encontro). Maria Clara Camarotti, gerente de serviço de teatro, apresentou um plano que contempla, entre muitas ações, um seminário de políticas públicas para as artes cênicas, o lançamento de edital específico para ensaios dos grupos nos equipamentos da prefeitura, a elaboração de uma proposta de criação de uma escola técnica (que será apresentado ao governo do estado), a realização do Mascate: Mercado das Artes Cênicas, ações formativas em gestão, produção e elaboração de projetos, e a realização do Fórum dos Teatros.

Perdemos

José Renato Pécora
Faleceu em maio, aos 85 anos. Fundador do Teatro de Arena de São Paulo e responsável pela peça Eles não usam black-tie, que marcou os anos 1950. Morreu após sessão de 12 homens e uma sentença, dirigida por Eduardo Tolentino.

No mês de agosto, perdemos Ítalo Rossi


Ítalo Rossi

Mais de 400 montagens e 50 anos de carreira estão no legado de Ítalo Rossi, que morreu aos 80 anos, em agosto. Nascido em Botucatu, em São Paulo, seu último personagem foi no humorístico Toma lá dá cá, da Globo.

Enéas Alvarez
Jornalista, crítico de teatro, ator do Teatro de Amadores de Pernambuco (TAP), advogado, padre da Igreja Siriana Ortodoxa de Olinda, Enéas Alvarez morreu aos 64 anos, em 21 de novembro. Há 20 anos, sofria com problemas de saúde agravados pela obesidade.

Sérgio Britto
Considerado um mestre do teatro brasileiro, o ator e diretor Sérgio Britto faleceu no dia 17 de dezembro, de problemas cardiorrespiratórios. Tinha 88 anos e 60 anos de carreira. Atuou e dirigiu mais de 130 peças e apresentava na TV o programa Arte com Sérgio Britto.

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Festa de objetos pulsantes

É tanta coisa na programação que dá uma alegria no juízo.

São espetáculos do Brasil, da Argentina, da Holanda, da Espanha, de Israel, da Bélgica, da Itália e da França. Possivelmente coisas que você nunca viu, e que, como Pollyanna já pontuou no post, podem despertar memórias da infância. De um tempo/espaço de imaginação mais livre para enxergar paixão em dois palitos de fósforos acesos, tristeza ou nostalgia em pingo de torneira ou tesmunhar talheres virarem nobres.

Lina Rosa Vieira, idealizadora do Festival Internacional de Teatro de Objetos (Fito). Foto: Sergio Schnaider

O projeto é comandado pela publicitária Lina Rosa Vieira, uma apaixonada pelas artes e que desafiou o senso comum quando criou o Sesi Bonecos para uma multidão. Provou que é possivel levar delicadeza e excelência para o grande público. Ela aposta no lúdico, mais uma vez, com o Festival Internacional de Teatro de Objetos no Marco Zero.
Imperdível!

PROGRAMAÇÃO

SEXTA-FEIRA

15h30 – Sala 1 (Livre)
Toque Toque, com La Cie. du Petit Monde (França)

15h30 – Sala 2 (Livre)
Histórias de Meia Sola, com Fernán Cardama (Argentina)

15h30 – Sala 3 (Livre)
Guarda Zool, do Teatro das Coisas (Porto Alegre, RS)

16h30 – Entre o Público (Livre)
Performance do Grupo XPTO (São Paulo, SP)

16h50 – Sala 1 (Livre)
Toque Toque, de La Cie. du Petit Monde (França)

16h50 – Sala 2 (Livre)
Histórias de Meia Sola, do Fernán Cardama (Argentina)

16h50 – Sala 3 (Livre)
Guarda Zool, do Teatro das Coisas (São Paulo, SP)

Entre 17h e 21h – Entre o Público (Livre)

Corsários Inversos, do Mosaico Cultural (Porto Alegre, RS)

Entre 17h e 21h – Entre o Público (Livre)
Máquinas para o Teatro Inconsciente, de La Voce delle Cose (Itália)

17h – 17h30 -18h – 18h30 – Sala 4 (Livre)
Zebra, da Cia. Meital Raz (Israel)

17h – 18h – 19h – 20h – Sala 5 (Livre)
Louça Cinderella, da Gente Falante (Porto Alegre, RS)

17h40 – Palco e entre o Público (Livre)
Naná Vasconcelos e Grupo XPTO (Recife e São Paulo)

18h20 – Sala 1 – (Livre)
Ter ou não Ter, da TAMTAM-objecktentheater (Holanda)

18h20 – Sala 2 (Livre)
Histórias de Meia Sola, com Fernán Cardama (Argentina)

18h20 – Sala 3 (Livre)
Objeto de Fábula, com La Voce delle Cose (Itália)

19h10 – Entre o Público (Livre)
Performance do Grupo XPTO (São Paulo, SP)

19h30 Sala 1 – Livre
Ter ou não Ter, com TAMTAM-objecktentheater (Holanda)

19h30 Sala 2 (Adulto)
20 Minutos sob o Mar, com Théâtre de Cuisine (França)

19h30 – Sala 3 – (Livre)
O Pequeno Vulgar, com La Chana Teatro (Espanha)

19h30 – 20h – 20h30 – Sala 4 (12 anos)
Klikli, com Gare Centrale (Bélgica)

20h20 – Palco (Livre)
PINIPAN, com Naná Vasconcelos (Recife, PE)

20h40 – Sala 1 (livre)
Toque Toque, com La Cie. du Petit Monde (França)

20h40 – Sala 2 (Adulto)
20 Minutos sob o Mar, com Théâtre de Cuisine (França)

20h40 – Sala 3 (Adulto)
Teatro Entre Dilúvios, com La Chana (Espanha)

21h20 – Sala 2 (Adulto)
Pequenos Sucídios, com Rocamora (Espanha)

22h30 – Palco (Livre)
PINIPAN, com Naná Vasconcelos (Recife, PE)

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Objetos que ganham vida

A volta ao mundo em 80 dias

Aguarde memórias familiares. De uma infância em que caixas de fósforo viravam soldados, talheres poderiam ser reis, qualquer coisa que tivéssemos à mão era instantaneamente personagem de um roteiro original. Não é preciso saber o que é teatro de objetos. Na realidade, faz bem pouco tempo que o termo foi criado – década de 1970. “Estamos trazendo algo muito novo; é, geralmente, a primeira experiência que as pessoas têm com esse tipo de teatro. Mas nós nos reconhecemos de alguma forma. Todos, quando crianças, já tivemos a experiência de teatralizar objetos”, recorda Lina Rosa Vieira, idealizadora do Festival Internacional de Teatro de Objetos (Fito), que será realizado no Marco Zero de hoje a domingo.

A primeira edição do festival ocorreu em 2009, em Belo Horizonte. Já passou, desde então, por Porto Alegre, Brasília, Florianópolis, Campo Grande e Manaus e foi visto por 115 mil pessoas. Lina, responsável pelo festival Sesi Bonecos (o Sesi é também o promotor do Fito), evento que deu outra dimensão aos mamulengos, levou os bonecos para grandes plateias, passou três anos pesquisando o teatro de objetos, até que o festival saísse do papel. “Não temos respostas ainda sobre o que é esse teatro, mas estamos começando a perguntar”, aposta Lina, que faz a curadoria do festival ao lado de Sandra Vargas, do grupo Sobrevento, de São Paulo.

Histórias de meia sola

No festival, teremos 13 grupos – espetáculos não só do Brasil, mas da Argentina, Holanda, Espanha, Israel, Bélgica, Itália e França. Como geralmente as histórias pedem uma proximidade maior com o público, o Marco Zero estará transformado neste fim de semana. Serão construídas três salas para 200 pessoas, duas para 50 e ainda uma estrutura para shows (entre eles Naná Vasconcelos e Tom Zé), performances, mostras de três minutos e vários tipos de cenografia interativa – desde bailarinas-saca-rolhas gigantes até um aquário feito só com objetos de luz ou uma chapelaria.

Naná Vasconcelos

“Para os espetáculos das salas, apesar do grade número de apresentações, sabemos que as entradas serão mais disputadas, mas é importante dizer que quem vier não vai perder a viagem, porque serão muitas as experiências neste mundo do teatro de objetos”, garante Lina. A programação é gratuita. Mas, para as salas de espetáculos, será preciso pegar ingresso com meia-hora de antecedência. O festival funcionará das 16h30 às 22h, na sexta-feira, e a partir das 16h30, sábado e domingo.

Ter ou não ter

Cenografia Fito

Entrevista // Katy Deville

Foi Katy Deville quem cunhou o termo teatro de objetos. A francesa fazia teatro de marionetes até conhecer Cristhian Carrignon, que vinha do teatro tradicional. Com ele, começou a criar histórias para personagens inusitados: legumes. Uma noite, depois de assistir à peça Pequenos suicídios (que está no Fito 2011), a francesa teve o insight – o que faziam era teatro de objetos. Katy vai apresentar 20 minutos sob o mar, da cia Théâtre de Cuisine, criada em 1979.

Katy Deville

O que é teatro de objetos?
O Teatro de Objetos é o teatro no qual representamos com objetos sem transformar a sua natureza, isto é, sem fazer dele uma marionete, mas criando uma dramaturgia a partir da associação de ideias que esse objeto, que está em cena, desperta no espectador. Essa associação de ideias, vem primeiramente, pela utilização que damos a esse objeto no cotidiano de todos nós, criando uma metáfora com essa função. Por isso no Théâtre de Cuisine, nós falamos que os objetos usados nos espetáculos devem ser objetos manufaturados e reconhecíveis por todos. Claro que, depois, para criar uma dramaturgia mais potente, pedimos aos atores para trabalharem com objetos carregados de alguma memória e assim poder encenar uma história muito particular onde o ator também se torna dramaturgo.

Qual a diferença entre teatro de objetos e teatro de animação?
A diferença é que no teatro de objetos, a manipulação não é o mais importante, muito pelo contrário, é uma manipulação muito casual e nada formal. Os atores estão sempre à vista do público e são, na maioria das vezes, autores das suas próprias histórias. A dramaturgia nasce da metáfora usando o mesmo mecanismo que usamos na poesia. No teatro de objetos não há intenção de humanizar um objeto, diferente do teatro de animação.

Foi você quem cunhou o termo “teatro de objetos”. Em que circunstâncias?
Quando eu conheci Cristhian Carrignon, eu vinha do teatro de marionetes e me sentia muito à vontade. Então, conheci Cristhian Carrignon, que vinha do teatro de atores, mas não se sentia à vontade lá. Começamos a fazer alguma coisa juntos em cima de uma mesa, no início com legumes, mas depois com objetos. Isso foi nos anos 1980. Nesse ano então conhecemos outras companhias como o Velo Theatre, Gare Central, Bricciolle, Theatre Manarf, que faziam um tipo de teatro muito parecido com o que fazíamos e com o qual nos identificávamos e que não era considerado, pelos marionetistas, como teatro de marionetes, nem pelos atores como teatro. Um dia, depois de assistir ao espetáculo Pequenos suicídios (que faz parte da programação deste FITO), saímos todos juntos vibrando com o que tínhamos visto, a genialidade daquele espetáculo onde um Sal de Frutas, se sentindo excluído, por um conjunto de balas (doces), se suicida ao se jogar num copo de água. No meio de risadas, eu disse que o que fazíamos era teatro de objetos, e essa terminologia ficou e foi se difundido com aquelas companhias e outras que surgiram depois.

Pequenos suicídios, Rocamora

Queria saber um pouco da sua história. Quando você começou no teatro? Era tradicional? E a partir de que ponto você começou a trabalhar com objetos?
Eu trabalhava com teatro de marionetes. Durante muitos anos, trabalhei na companhia de Philippe Genty, que é considerado um dos maiores nomes do teatro de animação, mas que trabalha numa linha mais híbrida, com formas, não necessariamente com bonecos. Hoje ele trabalha com atores que tenham uma formação de dança. Quando ainda estávamos na Companhia de Philippe Genty comecei o teatro de objetos com Cristhian Carrignon. Philippe Genty viu os nossos espetáculos do Théâtre de Cuisine e apontou que se tratava de algo diferente dentro do teatro de animação. Depois, mais adiante, nas suas oficinas, ministradas em muitos países, ele apresentava um módulo de teatro de objetos, como uma vertente do teatro de animação.

Li que “todo objeto animado, quando bem manipulado, neutraliza a presença do ator”. Você concorda com essa afirmação? Como o ator lida com isso?
Uma das técnicas que nós utilizamos no teatro de Objetos e de animação para conduzir o olhar do espectador para o boneco ou objeto que manipulamos, é justamente trabalhar uma postura mais neutra do ator-manipulador. Mas no teatro de objetos, às vezes precisamos não ser neutros, às vezes passamos o foco do objeto propositalmente para o manipulador, como se fosse um extensão do objeto, ou como se fosse um recurso cinematógrafico, como se fosse um zoom, como se saíssemos de um plano aberto para um fechado. Às vezes trabalhamos uma postura mais exagerada. O teatro de objetos, muitas vezes tem uma dose de crueldade e o ator joga com isso.

Que tipo de treinamento, de habilidade, o teatro de objetos requer do ator?
No teatro de objetos o ator deve ser um poeta, antes de mais nada. A forma é tão simples, que o que se diz deve ser potente, deve ser forte e provocador. O ator deve ser capaz de perder o medo de se expor e colocar o que há de mais íntimo, na memória que os objetos lhe remetem.

Numa vida tão racional, tão corrida, o que significa conseguir enxergar, em objetos comuns, personagens?
O teatro de objetos é de nosso tempo e de nossa sociedade. Qualquer que seja a história contada, o teatro de objetos fala sobre nós, através dos seus objetos manufaturados reconhecíveis por todos. O teatro de objetos fala das pequenas coisas cotidianas. Cada espectador tem a lembrança pessoal ligada a tal objeto. A qualidade de ver outras coisas através dos objetos é a de tocar nossa intimidade, de interrogar o enigma que nós somos aos olhos dos outros. Num tempo de pressa e tão racional parece que o nosso interior pede isso cada vez mais.

Apesar de inicialmente pensarmos que o teatro de objetos teria uma relação muito forte com o teatro infantil (não que isso não possa acontecer), nos surpreendemos ao encarar as possibilidades de crítica social que o teatro de objetos apresenta.
O teatro de objetos sempre foi para adultos, justamente por essa proposta de um jogo mental que o espectador deve fazer de associação de ideias, metáforas e figuras de linguagens, ferramentas que um adulto domina mais do que uma criança. Hoje temos espetáculos de teatro infantil de teatro de objetos, mas esse jogo de associação se dá pela forma: como o martelo que é um bode, na chamada do FITO. Mas não pela associação de ideias da sua função com outro significado, como por exemplo, no espetáculo Pequenos Suicídios, em que o Sal de Fruta se joga num copo de água e se suicida. Esse jogo mental uma criança muito pequena não é capaz de fazer e nem vai ver o humor e ironia nisso.

Queria que você falasse um pouco sobre as relações entre política e teatro de objetos.
O objeto a partir de sua criação, seja ela artesanal ou industrial, tem uma história, mais ele pode mudar sua imagem primeiro a partir da relação com o ator. Tudo pode ser sublimado ou rejeitado. Nesse sentido, o objeto tem um caráter político, na concepção mais pura desta palavra. Ele é atuante, é crítico, tem personalidade. Nós não temos relações típicas com os objetos. As relações se modificam a partir de cada processo criativo, até quase desaparecer dentro das últimas criações. Mas isso não quer dizer que somos fetichistas. É verdade que nossos temas prediletos giram em torno da infância, da nossa infância, nós que envelhecemos todos os dias…

No teatro de objetos, o texto tem uma importância menor?
O texto no teatro de objetos é muito importante, tem um papel fortíssimo, mas porque são texto muitas vezes autobiográficos. Nascem da relação que o objeto desperta nesse ator que está disposto a expor o que há de mais íntimo nele. O texto não tem um papel secundário. Na verdade, o teatro de objetos faz criar textos muitos profundos e provocadores que não seriam criados de outra forma a não ser com essa linguagem.

Normalmente, os espetáculos de teatro de objetos são para poucas pessoas. Isso é diferente para o ator? Muda a relação com a plateia?
O bonito do teatro de objetos é isso, é um teatro onde a forma como são encenadas as histórias faz parecer que estamos todos no mesmo barco, num momento mágico e delicado, um encontro íntimo entre atores e manipuladores. A diferença para o ator é que essa proximidade e intimidade o obriga a tomar posturas, a revelar o seu ponto de vista em relação ao que se está falando em cena.

Você já escreveu que “o objeto do teatro de objetos tem uma identidade cultural e é experimentado-o em diferentes culturas que ele se torna universal”. Qual a diferença do teatro de objetos feito aqui no Brasil e na Europa? Como você já esteve em edições do Fito, de quais grupos brasileiros você destacaria o trabalho?
O que mais me chamou a atenção no teatro de objetos no Brasil é a quantidade de espetáculos voltados para o público infantil. Na Europa, temos poucos trabalhos direcionados para as crianças.

Você também disse que o teatro de objetos na Europa continua confidencial. Porque isso?
O teatro de objetos é confidencial e íntimo. Mas hoje em dia temos companhias muito jovens que trabalham histórias menos intimistas, mais cinematográficas e que brincam com todos os códigos que esta linguagem permite. Já vi encenado uma espécie de espetáculo policial, com perseguições de carros, escaladas de prédios, etc, que tomam um ar muito engraçado.

20 minutos sob o mar

Queria saber um pouco do espetáculo 20 minutos sob o mar. Quando foi criado? De quem foi a ideia? Onde já foi apresentado? Quais são as especificidades?
O espetáculo foi criado a partir de um sentimento meu de uma raiva de mulher, de fêmea, de feminista, mas isso naquela época, em que o modelo de mulher era ou a bela e fatal como Brigitte Bardot, ou aquelas esposas cheias de filhos que não trabalhavam. Por isso, o nome mar que em francês tem uma semelhança com a palavra mãe. Era a oportunidade que eu encontrei de mostrar os dois lados da mulher, da mãe. Aqui no Brasil já o apresentei em todas as edições do Fito.

Quantas pessoas formam o Théâtre de Cuisine? Vocês só trabalham com objetos?
Nós trabalhamos somente com teatro de objetos. O Théâtre de Cuisine é uma companhia estável que recebe uma subvenção do governo. Temos um quadro estável na área de administração e trabalhamos com 3 artistas fixos e 4 a 5 atores convidados dependendo do espetáculo.

Confira a programação completa do Fito no http://www.fitofestival.com.br/2011/programacao.

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