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A labuta do Galpão

Grupo Galpão estreia Tio Vânia. Fotos: Pollyanna Diniz

“Tudo tem o seu tempo determinado. E há tempo para todo propósito debaixo do céu. Há tempo de nascer e tempo de morrer; tempo de plantar e tempo de arrancar o que se plantou. Tempo de matar e tempo de curar; tempo de derribar e tempo de edificar”. Os integrantes da família russa tema do espetáculo Tio Vânia (aos que vierem depois de nós), nova montagem do grupo Galpão que estreou na última sexta-feira, no Festival de Curitiba, parecem ter absorvido essas palavras “emprestadas” do livro bíblico de Eclesiastes. Embora o tempo que se sobressaia nesse caso seja o da labuta e, mais ainda, o da resignação advinda das possibilidades e escolhas feitas ao longo da vida.

O grupo Galpão, de Minas Gerais, completa 30 anos em 2012, mas nunca havia levado aos palcos um texto de Anton Tchékhov. Antes de Tio Vânia…, só tinham tido a experiência de mergulhar na obra do dramaturgo russo quando foram dirigidos por Enrique Diaz no processo de criação de As três irmãs, em 2008, que foi registrado pelo cineasta Eduardo Coutinho, e virou o documentário Moscou. Para uma companhia tão afeita às montagens de teatro de rua, às comédias, a fazer música nos próprios espetáculos, o soturno Tio Vânia… é um desafio.

Galpão se desafia ao montar texto psicológico

O enredo traz uma família que vive numa propriedade rural. Todos ali passaram anos trabalhando sem descanso, principalmente Vânia (Antonio Edson) e a sua sobrinha Sônia (Mariana Lima Muniz, atriz convidada pelo grupo para participar da montagem). Com a chegada do seu cunhado, o professor Serebriákov (Arildo de Barros), metido a intelectual, e da sua jovem esposa Helena (Fernanda Vianna), Vânia percebe que levou uma vida medíocre. Que os anos passaram. Sente-se frustrado e impotente. Helena desperta paixão tanto em Vânia quanto no médico Ástrov (Eduardo Moreira), esse último desejo do amor de Sônia. Ainda estão no elenco Teuda Bara e Paulo André.

Mariana Lima Muniz interpreta Sônia

Os próprios atores já tinham dito, durante entrevista, que montar a peça foi uma forma de revisitar as suas próprias vidas e carreiras. O papel do ator, a trajetória do grupo. A direção da montagem ficou sob a responsabilidade da também mineira Yara de Novaes, que tem mesmo um perfil de realizar um teatro mais psicológico (fez, por exemplo, Noites brancas, de Dostoiévski; e, durante um período em que morou no Recife e deu aulas na UFPE, montou A história do zoológico, de Edward Albee, em 2001). “Esses atores são todos operários do teatro, trabalhadores dedicados. E a peça é sobre trabalho”, dizia a diretora.

O tom de antiguidade e conflito foi alavancado pela cenografia da peça, um dos seus méritos. A concepção foi de Márcio Medina (que também é responsável pelo figurino), que trabalha com o grupo pela quarta vez. São imagens muito bonitas. Como que fotografias amareladas, em tom sépia. Logo no início, a família está reunida numa mesa de madeira, tendo ao fundo uma árvore seca e cinco grandes colunas. Elas são movimentadas pelos próprios atores nas transições de cena e podem tanto reprimir quanto aconchegar. A luz, pensada por Pedro Pederneiras, do grupo Corpo, e o figurino que não é datado, mas entende-se que é antigo, complementam a concepção do que é montar Tchékhov para o Galpão.

Protagonista ficou sob a responsabilidade de Antonio Edson

As atuações são, como pede o texto, mais contidas do que as habituais montagens do grupo, mas não perdem o vigor, a força. Sustentam um texto que fala de sonhos, ilusão, frustração, trabalho, desejo. Em cena, os atores mostram um ritmo que leva o espectador a digerir aos pouquinhos aquela dramaturgia. Claro que pode melhorar ainda mais no decorrer das apresentações, com o trato cotidiano no palco com a história e a encenação. Desafio pequeno para tantos talentos, lapidados em 29 anos de companhia. Menor ao menos do que foi fazer essa viagem ao passado, ao inconsciente do grupo, às “colunas” de sustentação (como aquelas que seguram a casa da família) desses atores, para enfrentar Tchékhov pela primeira vez.

Grupo disse que gostaria de participar do Festival Recife do Teatro Nacional

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Sua Incelença Ricardo III em três momentos

Sua Incelença Ricardo III, apresentação no Museu Oscar Niemeyer. Foto: Daniel Sorrentino/Divulgação

PRIMEIRA APRESENTAÇÃO

O cenário foi erguido no Museu Oscar Niemayer (conhecido como o museu do olho). Os últimos ventos de março sopravam amenos. Abertura da vigésima edição do Festival de Curitiba para autoridades e convidados. Isto é, patrocinadores, políticos, empresários, artistas, jornalistas e os organizadores do evento, dirigido por Leandro Knolpfolz. A arquibancada lotada. Expectativa lá no alto para conferir a versão de Ricardo III, sobre o vilão mais sanguinolento de Shakespeare pela trupe potiguar Clowns de Shakespeare e o encenador Gabriel Vilella.

Vilella transportou a história para o universo lúdico do circo, dos palhaços mambembes e das carroças ciganas. E com isso criou um diálogo entre as tramas da Inglaterra Elisabetana e a realidade do Sertão Nordestino.

Cheguei ao local nas palmas entusiasmadas da plateia. Foram quase oito horas de voo. Conexão. E com espera infindável no Rio de Janeiro.

E só vi o show de pirotecnia. Durante alguns minutos iluminando o céu de Curitiba.

Depois, os comentários de algumas pessoas sobre o espetáculo oscilavam entre maravilhoso a genial.

Encontrei o Fernando Yamamoto na festa nas dependências do museu. Parecia impactado com a experiência. E eram muitas congratulações.

Soube que o diretor Gabriel assistiu ao espetáculo pendurado numa árvore. Dias depois, em conversas com os atores, eles falaram que o entorno dessa apresentação criou um clima especial.

Humor para falar das falcatruas dos poderosos. Foto: Daniel Isolani

Titina Medeiros no papel da rainha. Foto: daniel sorrentino

Diretor Gabriel Vilella assiste ao espetáculo. Foto: Daniel Isolani/Divulgação

SEGUNDA APRESENTAÇÃO – Um espetáculo arretado

Mal estreou, a montagem do Grupo Clowns de Shakespeare foi convidada para participar de dois festivais internacionais. A edição de 2013 do Festival Tchekhov, na Rússia, um dos principais do mundo e o Festival de Santiago do Chile, no próximo janeiro. Méritos não faltam à encenação Sua Incelença Ricardo III, do grupo potiguar, que abriu o para o público o Festival de Curitiba, na terça-feira (29/03), dia do aniversário da cidade, no Largo da Ordem lotado.

O drama histórico Ricardo III, escrito pelo dramaturgo inglês William Shakespeare, já ganhou muitas versões nos palcos do mundo e no cinema. A do Clowns de Shakespeare, dirigida pelo mineiro Gabriel Villela é permeada por uma ironia fina e cruel e denuncia o cinismo dos poderosos. Eles usam qualquer artimanha para se agarrar ao poder e desqualificar os desejos alheios.

Largo da Ordem lotado. Fotos: Ivana Moura

A tragicidade do original é diluída. Sabemos que não há do que rir nesse texto de Shakespeare. Mas a encenação, com suas técnicas de teatro de rua, está mais próxima das brincadeiras de mamulengo do que das companhias inglesas tradicionais. E se afasta do puro naturalismo. E o público ri em alguns momentos.

A realidade se tornou muito mais sangrenta, cruel e violenta do que qualquer ficção que narre as atrocidades cometidas por um tirano. Para isso, basta ligar a televisão ou abrir qualquer jornal, não mais aqueles sensacionalistas. Todos trazem, suas doses de carnificina.

Pois bem, o último rei da Inglaterra da casa de York utilizou os mais variados ardis para chegar ao poder. Para subir ao trono ele precisava varrer do mapa outros herdeiros e ele mandou matar sobrinhos, parentes, amigos e inimigos. O troncho Ricardo fez tudo para conseguir a coroa.

Lindo espetáculo nordestino

Esse episódio inglês é transferido para o Sertão nordestino, inserido num reino de fantasia, onde a sangrenta trajetória de Ricardo, Duque de Gloucester, e sua trajetória de assassinatos e traições rumo à coroa da Inglaterra, ganha pequenas sutilezas, colorido do material cênico. De figurinos e cenários, que mesclam cipó, couro e outros materiais típicos da região Nordeste a sedas e tecidos nobres. O figurino assinado por Gabriel Villela, recebeu a colaboração do artesão Shicó do Mamulengo, do município de Acari.

Para mostrar a crueldade desse personagem em sua subida e queda, a peça junta elementos diferentes, que alguns podem achar díspares, do Nordeste e lembranças da Inglaterra. Faz a sua mestiçagem em grande estilo. Transforma personagens do bardo inglês em cangaceiros, em ciganas, em bonecos gigantes.

O grupo explora o universo lúdico do picadeiro do circo, dos palhaços mambembes e carroças ciganas, da estética do cangaço e da memória ibérica. Isso é feito quase como uma festa, que borbulha nos detalhes. Cocos secos ou verdes, por exemplo, mimetizam decapitações ou estrangulamentos. São soluções ricas e simples.

É louvável a atuação do elenco, preparo vocal e corporal. Marco França interpreta de Ricardo III, carregando no charme do vilão. Titina Medeiros canta de forma encantadora e interpreta a rainha Elizabeth como uma perua desbocada que tropeça na língua portuguesa. No elenco estão, além dos já citados, Camille Carvalho, Cesár Ferrario, Dudu Galvão, Joel Monteiro, Paula Queiroz e Renata Kaiser.

Elenco tem boa atuação

A música é executada ao vivo e consegue fazer uma ponte entre a Inglaterra e o Nordeste, com suas incelenças tão cantadas nos rituais fúnebres pelas carpideiras. O grupo mistura Bohemian Rhapsody, da banda inglesa Queen, no álbum A Night at the Opera com Assum Preto de Luiz Gonzaga, além de músicas de Supertramp e outros forrós e xotes.

O dramaturgista e produtor Fernando Yamamoto, lembra que esa ponte não é só da ordem da estética, mas também da política. “Ricardo III é tão cruel quanto fascinante e sedutor. E sua conduta fica muito próximo dos nossos ‘reis’ nordestinos. A forma como ele, ardilosamente, elimina seus concorrentes à coroa para chegar ao poder, abraçando em um dia e matando no outro, é muito familiar às nossas referências políticas”, argumentou ele em conversa após a apresentação.

Essa peça que usa de várias formas de hibridismo, carnavaliza a ascensão e queda desse poderoso, ganha o púbico com seu humor popular e sua crítica disfarçada de escracho

TERCEIRA APRESENTAÇÃO – A chuva foi a vilã

Público lotou Largo do Ordem, no centro de Curitiba. FOTO: Rubens Nemitz Jr/Cortesia

Sua Incelença, Ricardo III teve que enfrentar um inimigo a mais para levar até o fim a sua proposta, na sessão de quarta-feira (30/03). Única peça de rua da Mostra Oficial, o espetáculo da Cia. Clowns de Shakespeare encarou a forte chuva e saiu ovacionada do Bebedouro do Largo da Ordem, onde foi armado o palco.

As arquibancadas e o chão do espaço estavam lotados de pessoas. A chuva criou um problema no sistema elétrico. Os atores voltaram para o começo. O aguaceiro caindo, os técnicos tentando resolver a questão, as pessoas ansiosas. Aparece o diretor Gabriel Villela, que garante que se o sistema de iluminação for solucionado vai ter peça. Aí não tinha mais jeito. Quem estava na chuva era para se molhar.

Nem o cangaceiro escapou. Foto Rubens Nemitz Jr/ Cortesia

Com as roupas encharcadas os atores apresentaram o espetáculo. As luzes pifaram novamente e o elenco, por um tempo, levou sua versão de Ricardo III no escuro e no gogó (sem microfones). O sistema voltou.

Foi uma noite de superação. Com riscos que a combinação água x parafernália elétrica pode gerar. Graças aos deuses do teatro, nada de grave aconteceu. No final, dez minutos de aplausos entusiasmados da plateia e a emoção do elenco. Valeu Clows de Shakespeare.

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Teatro do Amazonas, teatro do mundo

Francisco Carlos apresentou sete peças no Festival de Curitiba

Dizem que o amazonense Francisco Carlos tem aproximadamente 40 peças escritas. Mas ele não sabe ao certo. Considera essa informação uma lenda. Pode até ser. Mas foi o único que ganhou uma pequena mostra dentro do Festival de Curitiba, tendo a oportunidade de apresentar sete montagens, sendo que, de uma delas, não foi realizada uma encenação propriamente dita, mas uma leitura dramatizada. O convite foi feito por Ivam Cabral, dramaturgo e ator da companhia Os Satyros, que organizou a chamada Conexão Roosevelt, no Teatro HSBC, com peças prioritariamente da cena paulistana.

O amazonense de sotaque característico e óculos de aros pretos mora desde 2004 em São Paulo (começou a fazer teatro desde que tinha sete anos), mas ainda não conseguiu uma sede para os seus ensaios e apresentações. Atualmente, se apresenta na Praça Roosevelt, no espaço dos Satyros. Por isso, o convite para compor a grade curitibana.

Mas independente das dificuldades – reveladas nos poucos recursos para montar as encenações – fazer teatro pra Francisco Carlos é o mesmo que fazer rock and roll. “Só sei fazer isso. Foi a única coisa que quis na vida”. E pode ser que ele ainda não tenha projeção, mas as coisas já mudaram desde que ele montou Banana mecânica (um dos espetáculos apresentados aqui em Curitiba) e recebeu uma crítica elogiosa de um jornal de grande circulação. As pessoas apareceram e, com isso, houve a possibilidade de começar a produzir outros espetáculos.

Os textos do Francisco Carlos podem assustar numa primeira observação. Isso porque conseguem reunir referências filosóficas, antropológicas, sociais e ainda cultura pop. As histórias não apresentam uma linearidade convencional ou tem personagens bem definidos. Mas há nelas um frescor de novidade, que mistura criatividade e capacidade de se relacionar com os problemas e situações da contemporaneidade, e isso não de forma óbvia.


“Do meu teatro, acho que as pessoas têm que sair enfeitiçadas, tentadas, angustiadas, chocadas”

Dentro do seu trabalho ele explica que há uma divisão clara. Existem as peças consideradas “urbanas” e aquelas do “pensamento selvagem”. “As urbanas são aquelas focadas em situações que vem do que Walter Benjamim refletiu sobre Baudelaire. De que as metrópoles trouxeram um novo tipo de humanidade, da multidão. E essas montagens são as que tratam dos fenômenos urbanos extremos”, diz. Fazem parte dessa classificação, por exemplo, as montagens Namorados da catedral bêbada e Românticos da Idade Mídia (as duas vistas na mostra Conexão Roosevelt).

Românticos da Idade Mídia

Já da segunda classificação, o melhor exemplo é a tetralogia Jaguar cibernético (apresentada completa no Paraná), que teve sua primeira versão escrita em 1993, mas ainda não entrou em cartaz. “Virou meu work in progress”, conta. O personagem Jaguar, “que seria meu Hamlet-Dionísio”, atravessa as quatro montagens, autônomas, mas que têm uma linearidade e formam uma história completa. Essas peças, que ele não considera antropológicas, são “um salto no abismo. É o meu lugar mais criativo e produtivo”, diz. As montagens, em geral, discutem etnografia, colonização, história, humanidade.

Jaguar Cibernético - Ato IV

O Recife já conhece uma peça do Francisco Carlos enquadrada entre as do “pensamento selvagem”. Trata-se de MuraOutside, que foi lida durante durante o Festival Recife do Teatro Nacional em 2007. “Foi uma experiência muito legal. Estávamos discutindo dramaturgia”. Numa época de sua vida, aliás, Francisco Carlos imaginou que o teatro não precisava mais de dramaturgos, com tantos materiais disponíveis na literatura. Mas mudou de ideia. “A minha admiração era pela cena moderna. Então entendi que, se eu escrevesse para esse tipo de cena, seria necessário”.

Depois disso, se preparou muito para escrever – não só na faculdade de Filosofia, já que diz que nos primeiros períodos já participava de festivais de teatro e isso atrapalhava, mas na literatura mesmo. “Um dramaturgo precisa ter um projeto claro de dramaturgia. Os dramaturgos históricos precisam realizar o que chamo de filosofia da cultura, uma reflexão sobre a cultura do seu tempo”.

Vê só como são as peças dele:
Banana mecânica – Tem como inspiração a chanchada (comédia carnavalesca produzida no Rio de Janeiro nos anos 1940 e 1950) e o teatro de revista. Aborda “a tragédia urbana carnavalizada sobre mitos alucinantes, oníricos, surrealistas e fantasiosos, por meio de temas e personagens que compõem a mitologia do Carnaval carioca”, como uma Chiquita-bacana-existencialista-sado-masoquista; seu filho-Adônis-Moleque-indigesto; um Pierrot-Adão-Melancólico; um marinheiro Genetiano; uma Eva-Disney; uma atriz-Medusa-Super-Ego; e um Zé-Pereira Baco.

Namorados da catedral bêbada – Bárbara Bêbada vive numa casa-adega em São Paulo. É apaixonada por Dom Diogo, que satisfaz seus desejos sexuais com a vedete Sandra-Spotlight e também com um garoto de ar inocente, que engravida e é enjaulado. Tem também um garoto-segurança que ela tirou da Febem e abrigou, e protege a casa do Porcão, que já transou com Bêbada e aproveitou para assaltá-la. Outro personagem é o Gato-Bruxo que faz uma porção mágica para matar a vedete Sandra. Fala de violência, drogas, relacionamento, cultura pop.

Românticos da Idade Mídia – Francisco Carlos diz que escreveu esta peça na década de 1980. Por dificuldades em reunir o elenco, aqui em Curitiba foi realizada uma leitura dramatizada, ou melhor, um experimento cênico, inclusive com interferências do diretor. Ele diz que é uma “tragédia-pastiche”, criada a partir da ideia de Umberto Eco de que estaríamos vivendo uma nova Idade Média. São três casais, sendo que um deles é o patriarca.

Jaguar Cibernético – São quatro atos: Banquete Tupinambá, Aborígene em metrópolis, Xamanismo the connection e Floresta de carbono: de volta ao paraíso perdido. Embora sejam autônomas, as montagens conversam entre si. O personagem Jaguar, um índio, está em todas elas. Desde os conflitos com o homem branco, o enfrentamento com a terra estrangeira, a volta à floresta. Essas obras conversam com muitas outras artes, como o cinema, os quadrinhos e até a moda.

Jaguar Cibernético - Ato II

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Enfrentando Tchekhov

Montagem grupo mineiro estreia em Curitiba

“Quanto mais a gente se embrenhava pelo texto, mais percebia o quanto ele era necessário. Só com a força e a violência das palavras”. Essa foi uma das falas de um dos atores do grupo mineiro Galpão, referindo-se à escolha por encenar o texto Tio Vânia, de Anton Tchekhov, montagem que estreia aqui no Festival de Curitiba.

Com quase 30 anos de atuação, o grupo Galpão é conhecido principalmente (embora nunca tenha deixado de se apresentar nos teatros) pelo teatro de rua. Pelo encantamento que provoca ao levar a arte para tão perto das pessoas. Foi assim, por exemplo, com a peça Till, um herói torto, que abriu o Festival Recife do Teatro Nacional há dois anos.

Mas como grupo, e isso me parece ser o que faz com que os trabalhos da companhia sejam tão diferentes e únicos, eles queriam o desafio. Do teatro psicológico, com menos arroubos de emoção, com “implosões”, como disse uma das atrizes. Eles até pensaram em fazer uma dramaturgia decorrente do texto original, mas desistiram durante o processo. “O grupo queria enfrentar Tcheckhov. Não fazia sentido”, contou a diretora convidada pela companhia para montar a peça, Yara de Novaes. “Não sei se é realista, se não é, mas é a necessidade do Galpão agora”, complementa.

O grupo está na sua décima nova montagem. “Essa montagem significa muito. É mais um passo do Galpão no sentido de não se acomodar, de não estar satisfeito, fazendo uma coisa padronizada, uma marca que teria sucesso, uma fórmula”, conta o ator Antônio Edson, que faz o Tio Vânia.

Sobre o convite à Yara para fazer a direção, os atores disseram que acompanham o trabalho da colega mineira (que já morou no Recife) e que ela gosta de inquirir o tempo todo. Está sempre se perguntando o que é teatro, o que dizer, para que, como. “O Galpão é muito poderoso. Eles têm uma alquimia…e vi que como eles são trabalhadores, como não se negam ao trabalho, ao questionamento. Eles têm a humildade de quem quer aprender sempre. E por isso que são mestres”, finalizou a diretora.

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Amor e música pop

Peça do curitibano Felipe Hirsch tem três horas de duração e é a segunda parte da trilogia Som & fúria

A peça de Felipe Hirsch Trilhas sonoras de amor perdidas era a mais aguardada do Festival de Teatro de Curitiba. É verdade que a mostra principal também abriga o lançamento dos espetáculos do Grupo Galpão, Tio Vânia, direção de Yara Novaes para o texto de Tchekhov; da Armazém Cia. de Teatro , Antes da coisa toda começar, Tathyana, da Cia. Deborah Colker, a versão de Édipo, de Sofocles, de Elias Andreato, Os 39 graus, dePatrick Barleow, comdireção de Alexandre Reinecke com Dan Stulbach e Danton Melo no elenco; Preferiria não?, 27º espetáculo de Denise Stockos. Mas nada se igualava à expectativa de Trilhas sonoras… A pré-estreia no Teatro Bom Jesus foi com casa lotada.

É a segunda parte da trilogia Som & fúria, iniciada com A vida é cheia de som e fúria, em 2000, que fez temporada no Recife na sequência.

Em Trilhas sonoras de amor perdidas, Hirsch derrama suas memórias musicais na trajetória do jornalista e radialista, que encontra Soninho, apaixona-se por ela e com ela divide as mixtapes (fitas caseiras com várias músicas de artistas diferentes) para todas as horas. Das fitas para ouvir no carro às das loucuras da intimidade.

Guilherme Weber é o protagonista da montagem, que utiliza algumas referências recentes da vida cultural de Curitiba, como a lendária rádio curitibana Estação Primeira. A atriz Natália Lage faz Soninho e a peça também conta com as participações de Maureen Miranda e Luiza Mariani.

O roteiro utiliza as passagens musicais para contar essa história do radialista com Soninho, entre 1989 e 1994, quando ela morre abruptamente de embolia pulmonar, jovem, muito jovem, aos 23 anos de idade.

O narrador protagonista empreende um mergulho nostálgico de luto e reparação quando começa a abrir aquelas caixas para contar do amor e da convivência com Soninho.

Atores Guilherme Weber e Natália Lage protagonizam Trilhas sonoras de amor perdidas

A memória musical do protagonista, e de Felipe Hirsch, está repleta da sonoridade de Velvet Underground, Lou Reed, Husker Du, Cure, The Smiths, Lloyd Cole, Sonic Youth, T-Rex, Gladys Knight , Jesus & Mary Chain, The Replacements, Pretenders. E referências literárias do poeta, romancista e cantor Leonard Cohen e literárias como J.D. Salinger e Arthur Rimbaud.

A peça que se passa em Curitiba e São Paulo, depois que o protagonista fica viúvo e chega à conclusão que tem que seguir em frente, com outras músicas, mesmo que sua alma vibre na memória das músicas do passado. O texto é cheio de frases de efeito e umas ideias bem humoradas, beirando o surto de deduções juvenis, como a que afirma que o Desintegration, do The Cure, foi determinante para a queda do Muro de Berlim, por exemplo.

São três horas de duração, em dois atos, com 15 minutos de intervalo. Desfilam trechos de 90 músicas. Parece um exagero. Mas analisando com distância, talvez o diretor queira impor à plateia esse tempo dilatado que traduz a dor da perda. Parece um tempo que não acaba nunca, para quem está passando por isso. O tempo infindável da dor.

* A jornalista viajou a convite da produção do Festival de Teatro de Curitiba

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