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Um musical brasileiro

Grupo mineiro está no Recife pela segunda vez, desta vez com Travessia. Foto: Pollyanna Diniz

Grupo mineiro está no Recife pela segunda vez, desta vez com Travessia. Foto: Pollyanna Diniz

O Ponto de Partida não foi criado como um grupo teatral, mas como um movimento cultural. Naquela época, há 33 anos, a atriz e diretora Regina Bertola conta que Barbacena, em Minas Gerais, não passava nem perto do eixo cultural do país. “Não tinha time de futebol, banda de música!”, relembra. E foi a partir desse movimento, que reuniu vários artistas e levou outros tantos para lá, como Fernanda Montenegro e Sérgio Britto (com quem o grupo manteve um relacionamento muito próximo) – que a cidade começou a fomentar as manifestações culturais e a formação de público.

Primeiro houve um bar, o Em Cena; e depois o grupo também fez a edição de um suplemento cultural. Quando finalmente tiveram que escolher uma linguagem para se dedicar, aí sim veio o teatro: que já nasceu com a ideia de ter raízes fixas em Barbacena – e não precisar estar noutro lugar para conseguir produzir arte com qualidade e, ao mesmo tempo, ser valorizado por isso -, mas com a liberdade de ir e vir, tão necessária para a oxigenação da arte. Não é à toa que, por exemplo, o espetáculo Travessia – que fez uma sessão ontem no Teatro Luiz Mendonça, no Parque Dona Lindu, e terá outra hoje, às 19h – já foi apresentado em todo o Brasil, na África, Europa, América do Sul.

Uma das opções do grupo e que se reflete de forma vital em cena é a possibilidade de que os atores possam se dedicar a outras atividades – da criação à produção gráfica. “Não tem ator principal. Sempre foi assim. É um trabalho fincado na força do grupo. Não é o fulano no Ponto de Partida. É o fulano do Ponto de Partida”, conta Regina. “O ator canta, dança, interpreta, vende ingresso, monta e desmonta espetáculo”, complementa.

Outra característica da trupe mineira sempre foi a opção pelo que nos representa, por exemplo, na música ou na literatura. “A gente não faz Shakespeare não é porque a gente não sabe, é porque não quer. Fazemos Guimarães Rosa. Investigamos o homem a partir do nosso ponto de vista”. Nesse sentido, a musicalidade é intrínseca ao trabalho do grupo. “Não há como fazer um teatro brasileiro que não seja musical”.

Travessia é exatamente isso: um musical que fala do povo brasileiro, das suas raízes, do trabalho no campo, da brejeirice, da fé e da religião, da política. São atores que cantam extraordinariamente bem, acompanhados por dois músicos que preenchem os espaços de uma orquestra inteira: Gilvan de Oliveira, no violão; e Serginho Silva na bateria. O elenco é formado por Carolina Damasceno, Dani Costa, Érica Elke, João Mello, Lido Loschi, Lourdes Araújo, Pablo Bertola, Regina Bertola, Renato Neves e Soraia Moraes. A direção e a concepção são de Regina Bertola; a direção musical e os arranjos de Gilvan de Oliveira; preparação vocal de Babaya; figurino de Alexandre Rousset; e iluminação de Jorginho de Carvalho.

Quem gosta de MPB canta o espetáculo inteiro e sai feliz, sorrindo à toa. São várias músicas de Milton Nascimento, Chico Buarque, Luiz Gonzaga. Só para dar um gostinho, tem Bola de meia, bola de gude (Milton Nascimento e Fernando Brant), Fé cega, faca amolada (Milton Nascimento e Ronaldo Bastos), Maracangalha (Dorival Caymmi), Arrastão (Edu Lobo e Vinícius de Moraes), Lamento sertanejo (Gilberto Gil e Dominguinhos).

A encenação se fortalece ainda mais com algumas imagens plasticamente muito belas, como no momento em que eles usam uma rede de pesca. Travessia é daqueles espetáculos para cantar junto, para se deliciar com belas vozes e músicos da melhor qualidade.

Travessia faz sessão neste domingo, às 19h

Travessia faz sessão neste domingo, às 19h

Vivo Encena – Em 33 anos de existência, esta é somente a segunda vez que o Ponto de Partida vem a Pernambuco. A primeira foi ano passado (quando tive a oportunidade de conversar com Regina Bertola); e a inserção do Recife no roteiro de apresentações só foi possível graças ao patrocínio do projeto Vivo Encena. “O Vivo EnCena é voltado especialmente para projetos envolvidos em processos contínuos e que visam a formação, reflexão e transformação a partir do fazer teatral, comprometidos com pesquisas de linguagem e com o compartilhamento de metodologias, inovações, processos, experiências e resultados. A parceria com o Ponto de Partida é um exemplo vivo de nossa ação”, afirma Expedito Araújo, curador artístico do programa cultural Vivo EnCena.

Serviço:
Travessia
Quando: hoje (18/8), às 19h
Onde: Teatro Luiz Mendonça (Parque Dona Lindu)
Ingressos: R$ 30 (inteira), R$ 15 (Clientes Vivo, estudantes, professores e maiores de 60 anos)
Informações: (81) 3355-9821 / 3355-9822

Confira um trechinho do espetáculo:

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Tragédia nossa de cada dia

Walderez de Barros encabeça elenco de Hécuba. Foto: João Caldas

“Filho adotivo mata pai e mãe a facadas”. “Cinco pessoas de uma mesma família morrem em acidente de trânsito”. “Tsunami atinge Japão”. São as tragédias com as quais nos deparamos todos os dias. Nesse mundo do Facebook e do Twitter, parece que elas nos perseguem. Não passamos incólumes. E se sobrepõem de tal maneira que talvez tenham perdido a capacidade de nos fazer pensar. Só chocam – por pouco tempo, claro. Até que uma nova tome conta das manchetes.

Na arte, a tragédia se confunde com a própria origem do teatro na Grécia do século VI a.C. Tanto tempo se passou e esses mitos gregos reelaborados por Ésquilo, Sófocles e Eurípedes continuam nos palcos. Mas ainda faz sentido montar um texto deles? Ainda existe tragédia? Como o teatro contemporâneo pode dialogar com a tragédia?

Para a atriz Walderez de Barros, 71 anos, protagonista de Hécuba, esses mitos mantêm a capacidade de promover no leitor, no espectador, “um movimento interior intenso. Falam de coisas que nos pertencem, com as quais nos identificamos”, avalia. Walderez concorda com Gilson Motta, autor do livro O espaço da tragédia, lançado ano passado. Ele diz que “a montagem de uma tragédia grega sempre envolve uma relação com o teatro em sua origem. Herdamos dos gregos todo um modo de pensar e fazer teatro – o texto, o ator, as convenções cênicas, a encenação, a teoria sobre o sentido da tragédia”.

Expedito Araújo, curador do programa cultural Vivo EnCena, espera que, de alguma forma, as remontagens possam trazer discussões sobre a relação entre o teatro e o público. “As pessoas reagiam, choravam, era uma plateia ativa. E o teatro era algo com um poder de construção do sujeito muito grande. E, mesmo com todas as subversões que promovemos no clássico, o público ainda está no lugar da passividade. Não fazemos teatro nos estádios, mas não podemos esquecer que a arte é um ato de comunicação”, diz.

Neste sábado, o curador comanda um debate sobre o tema O trágico na contemporaneidade, com as participações dos atores Cláudio Fontana, Xuxa Lopes, Juliana Galdino, Ceronha Pontes e mediação do jornalista e dramaturgo Dib Carneiro Neto.

Juliana Galdino, por exemplo, atriz do Centro de Pesquisa Teatral (CPT) por muitos anos, participou de tragédias como Medeia I e Medeia II (ganhou o Prêmio Shell de melhor atriz com as duas) e Antígona, com direção de Antunes Filho. A relação do encenador com as tragédias é um dos tópicos do livro de Gilson Motta. Depois de 50 anos de teatro, em 1999, Antunes encenou quatro espetáculos com autores gregos.

Antunes Filho montou Medeia I e Medeia II

Expedito Araújo lembra outra montagem que também foi estudada por Motta – Oresteia, o canto do bode, do Grupo Folias D’Arte, de São Paulo. “Não basta montar um espetáculo. O teatro está para além do espetáculo. Em Oresteia, o grupo nos transporta para outra dimensão, que toma conta da gente”, avalia.

Debate Vivo EnCena – O trágico na contemporaneidade
Quando: Sábado, das 17h às 18h30
Quando: Teatro de Santa Isabel (Praça da República, s/n, Santo Antônio)
Quanto: Entrada franca. Os ingressos podem ser retirados com uma hora de antecedência na bilheteria do teatro
Informações: (81) 3355-3323

Antígona, direção de Antunes Filho, montagem de 2005

Rede Vivo EnCena

Desde o ano passado, Pernambuco é um dos estados membros da rede Vivo EnCena. Já existem vários projetos na agulha, tanto para a capital pernambucana quanto para o interior. No mês de fevereiro, por exemplo, um grupo de Lagoa do Carro, a 61 km do Recife, recebeu uma oficina do diretor Felipe Vidal. Houve também um workshop em Limoeiro – local que deve virar foco de ações do projeto. Certamente, acontecerão lá algumas ações com o grupo Ponto de Partida, de Barbacena, Minas Gerais. Eles vem para apresentar dois espetáculos: um infantil e outro adulto – Travessia.

Expedito Araújo, curador do Vivo EnCena, tem muitas ideias para Pernambuco

Ainda no primeiro semestre, Recife receberá um desdobramento do festival Horizontes Urbanos, que acontece em Belo Horizonte. “Teremos apresentações e oficinas. Há sempre uma ideia de troca, de intercâmbio”, conta Expedito Araújo, curador do Vivo EnCena.

Já no segundo semestre, deve ser realizada também uma segunda edição do seminário A sociedade em rede e o teatro (a primeira foi ano passado). “Os grandes protagonistas serão os artistas desta região e de outras, que estão fazendo, criando caminhos. Que estão ligados ao pioneirismo e empreendedorismo”, explica o curador. Também virá ao Recife uma montagem que ainda está em ensaio: Razões para ser bonita, texto de Neil Labute, com Ingrid Guimarães. É quando teremos uma nova edição dos debates Vivo EnCena.

Curitiba – Nos dias 30, 31 e 1º de abril, os debates Vivo EnCena serão realizados no Festival de Curitiba. Diretores, artistas, especialistas em economia criativa, sustentabilidade, vão discutir a mostra paralela Fringe. Neste ano, serão 368 espetáculos participando da Fringe. Pernambuco estará na mostra oficial de Curitiba com as peças Essa febre que não passa, do Coletivo Angu de Teatro, e Aquilo que meu olhar guardou para você, do Magiluth. Esse último participará também da Fringe com 1 Torto e O canto de Gregório.

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