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Paixão tórrida na época da invasão holandesa

Peça sobre a paixão de Nassau por uma cortesã explora vida boêmia do Recife do século 17

Peça Ana de Ferro – A rainha dos Tanoeiros explora a paixão de Nassau por uma cortesã no Recife do século 17 

Carlos Kamara

Muitos assuntos políticos eram resolvidos nos bordéis. Foto: Carlos Kamara / Divulgação

Foto: Carlos Kamara

Trama se passa no século 17. Foto: Carlos Kamara / Divulgação

O romance entre o governador de Pernambuco e uma cortesã no cais do Porto do Recife durante a invasão holandesa faz a trama do espetáculo Ana de Ferro – A Rainha dos Tanoeiros. Inspirado no poema de Vital Correia de Araújo e com dramaturgia da carioca Miriam Halfim, a peça busca vai buscar no universo boêmio do Recife no século 17 os argumentos para discutir questões de gênero, religião e racismo, nos dias de hoje.

A montagem do grupo Teatral Risadinha, com direção do pernambucano Emanuel David D’Lúcard estreia no Teatro Marco Camarotti nesta terça (29/08), onde fica em cartaz quarta-feira (30/08) e nos dias 5 e 6 de setembro, sempre às 20h.

Ana de Ferro vem da Europa travestida de homem e isso causa reboliço na colônia. Outras atitudes chocam a sociedade da época. Como por exemplo a compra do escravo Zambi, que ela logo declara como amigo. Depois constitui sociedade com outra cortesã, Maria Cabelo de Fogo, e abre um dos bordéis, que passa a ser um dos mais frequentados na Rua dos Tanoeiros.

Um ato de racismo do mestre do presídio contra Zambi é o detonador de uma intensa e breve paixão de Maurício de Nassau por Ana. Enquanto isso, Maria Cabelo de Fogo revive os tormentos do passado num reencontro doloroso. Já Zambi é atraído para Palmares.

A encenação utiliza elementos para recomposição de época nos figurinos, cenários e adereços. E a trilha sonora faz releituras de músicas de Edith Piaf e Marília Mendonça, passando por obras como Hallelujah e Assum Preto.

O espetáculo conta com o patrocínio do Funcultura, Fundarpe, Secretaria de Cultura e Governo do Estado de Pernambuco.

A interpretação dos atores mescla, segundo D’Lúcard, momentos realistas e simbólicos numa dinâmica de graphic novel. O elenco é formado por Cláudia Alves, Euclides Farias, Geraldo Cosmos, João Neto, e Patrícia Assunção, João Arthur e conta com a participação especial de Telma Ratta.

Carlos Kamara/Ambar Produtora

A atriz Telma Ratta faz participação especial. Foto: Carlos Kamara /Ambar Produtora

FICHA TÉCNICA
Realização: Grupo Risadinha
Texto: Miriam Halfim
Poema: Vital Correia Araújo
Encenação e Identidade Visual: Emanuel David D’Lúcard
Produtora Executiva: Patrícia Assunção
Assistente de Produção: Geraldo Cosmo
Direção de Arte e Confecção de Figurino e Adereços: Francis de Souza
Web Designer e Administração do Projeto: Hypolito Patzdorf Lucena
Direção Musical: Samuel Lira
Coreografia: Anderson Henry
Designer de Luz: Izaltino Caetano e João Paulo
Operador de Som: Josinaldo Alves
Operador de Luz: João Paulo
Camareira: Adriana Pereira
Plano e Execução de Maquiagem: Cláudia Alves
Criação de Cenário: Marcelo Bonfim
Divulgação: Pedro Dias
Bilheteria: João Teobaldo
Consultora Histórica: Suzana Veiga
Atendimento e Relacionamento com o Público: Patrícia Leite
Fotografia e Filmagem: Carlos Kamara/Ambar Produtora
Elaboração do Projeto: Lúcio Fábio
Intérprete de Libras: Leonardo Ramos
Comunicação Móvel/Carro de Som: Coelho Publicidade
Locução: Gaby Lapenda
Serviços Gráficos: Clã de Comunicadores
Contrarregra: Edson Rodrigues
Elenco: Cláudia Alves, Euclides Farias, Geraldo Cosmo, João Arthur, João Neto, Patrícia Assunção, Pedro Dias e Telma Ratta

Serviço:
Espetáculo Ana de Ferro – A Rainha dos Tanoeiros
Onde: Teatro Marco Camarotti – Sesc Santo Amaro, Rua Treze de Maio, nº 455
Quando: 29 e 30 de agosto e dias 5 e 6 de setembro, às 20h
Ingresso: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (comerciário, dependente e meia)
Duração: 80 min
Informações: 3216-1728 // 99536-4746 // 98705-1571 // 99646-7828

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Branca Dias, uma mulher à frente de seu tempo

Patricia Assunção é Branca Dias e Geraldo Cosmo, Diogo Fernandes. Foto: Aldeia Yapoatan/ Divulgação

Branca Dias é uma personagem fascinante e já foi motivo de peças de teatro, romances, poemas e até de música (Branca Dias, de Edu Lobo, no disco Camaleão, é uma exemplo). Há muita mitificação em torno dela. O dramaturgo Dias Gomes usou uma versão que desloca a figura para a Paraíba – onde teria nascido em 1734 e morrido na fogueira em 1761 – como inspiração para escrever O Santo Inquérito, de 1966.  Dias Gomes chegou a dizer que “a verdade histórica é secundária, pois seria mais relevante elucidar a verdade humana que a história comporta”.

Duas faces de um mito, de Bruno Feitler, e Uma Comunidade Judaica na América Portuguesa, de Leonardo Dantas Silva, são os dois estudos mais citados para tratar da questão histórica de Branca Dias. Ambos os autores se valeram de fontes como o registro documental da Primeira Visitação do Santo Ofício às partes do Brasil e do livro Gente da Nação: cristãos novos e judeus em Pernambuco 1542-1654, de José Antônio Gonsalves de Mello.

De acordo com essas pesquisas, Branca Dias teria nascido em Portugal no ano de 1515, tendo sido esposa do mercador Diogo Fernandes, que veio do além-mar, no século XVI, para se fixar em Pernambuco.

Branca Dias encarou seu marido de igual para igual

O espetáculo Senhora de engenho – Entre a cruz e a Torá, texto de Miriam Halfim, com direção de Emanuel David D’Lucard e montagem da Companhia Popular de Teatro de Camaragibe, resgata a vida dessa portuguesa que teria chegado à capitania de Pernambuco em 1550. Ela foi perseguida pela inquisição na Europa por ser judia e protagonizou mudanças significativas no Nordeste do Brasil colônia.

A vida de Branca é cheia de nuances e repleta de elementos dramáticos. No texto assinado por Miriam Halfim, a protagonista é uma mulher boníssima, justa, de temperamento forte e determinado. Em Senhora de engenho – Entre a cruz o torá os termos devoção, traição, amor, perdão, esperança e fé não são apenas palavras de efeito, mas chaves para compreender essa figura.

Com o incentivo de montagem do Funcultura em 2011, a peça cumpriu duas temporadas no Engenho Camaragibe, o casarão onde a heroína morou. Em agosto, o grupo fez várias apresentações no Chile, dentro da programação do VIII Festival Internacional de Teatro Itinerante por Chiloé Profundo/FITICH Inverno.

Há poucos dias, a encenação integrou o Festival Aldeia Yapoatan, em Jaboatão dos Guararapes. A peça foi apresentada na Associação Comunitária de Muribeca, seguindo proposta do Sesc Piedade de descentralizar as atividades artísticas.

Francis de Souza como Madalena Gonçalves

É uma montagem popular do grupo de Camaragibe, com poucos recursos de produção, com um jeito intimista de contar essa história quase épica. O cenário é formado por uma grande mesa, cadeiras, baús, cadeira de balanço, candelabro com velas, lona no chão. A opção do diretor permite que a trajetória de Branca Dias possa ser contada em qualquer galpão, como ocorreu no Chile e em Muribeca.

As do Chile eu não vi, mas Emanuel David D’Lucard falou que o grupo inseriu palavras em espanhol no meio dos diálogos e que isso criou uma cumplicidade com a plateia. No bairro da Muribeca, a apresentação foi numa noite nublada, em que choveu um pouco. O salão central da Associação foi ocupado pelo cenário no centro e cadeiras para o público. Essa proximidade física estabeleceu um clima das histórias contadas ao redor da fogueira.

A atriz Patricia Assunção faz Branca Dias imponente, determinada, altiva, otimista. Ela comanda a cena para mostrar que sua personagem foi uma mulher à frente do seu tempo, a desafiar costumes e não se dobrar diante das dificuldades. É apontada como a primeira mulher portuguesa a manter uma “esnoga” (sinagoga) em suas terras, e a primeira professora de meninas. Além disso, ela ajudou o marido a reerguer a propriedade depois do ataque dos índios e tocou o negócio quando o marido morreu.

O marido Diogo Fernandes veio primeiro para ocupar as terras doadas por Duarte Coelho. Quando Branca Dias chegou encontrou amante e a filha bastarda, Briolanja. O elenco dá conta do recado e o que pode faltar em técnica é compensado pela garra de seus integrantes.

Francis de Souza explora riqueza humana da amante do senhor de engenho

Francis de Souza  interpreta Madalena Gonçalves, a amante de Diogo antes da chegada de Branca. A atriz cria uma personagem instigante, meio desafiadora, meio conciliadora, meio invejosa, meio conformada. Mas ainda com um misto de erotismo e cumplicidade.

Branca Dias cedeu para a amante do marido e sua filha a casa em Olinda e manda buscá-las depois do incêndio do engenho. Essa generosidade de Branca potencializa a inveja de Briolanja Fernandes, interpretada por Dul Santos. A atriz faz uma bastarda dura, mas sem muitas nuances, que está sempre no extremo do grito ou do ato, que chega a incomodar.

Dul Santos como a revoltada Briolanja Fernandes

Geraldo Cosmo compôs Diogo Fernandes elegante no porte, sedutor e muito influenciado pela mulher. Uma das cenas marcantes é no momento da morte, quando tentam fazê-lo aceitar Jesus.

Pedro Dias é o poeta

Pedro Dias encarna Bento Teixeira, autor do primeiro poema brasileiro, que frequentou o engenho e era um grande admirador de Branca. Com um ar sempre derrotado, ele é enganado pela sua mulher que, ao contrário de Branca (que alavanca o Marido Diogo), seca-lhe as forças.

Yah Vasconcelos faz uma das filhas de Branca, Brites Fernandes, que tem deficiência cognitiva. É uma figura vivaz, que desperta a solidariedade. Ainda estão no elenco Euclides Farias, Izabelly Natally, Guto Kelevra, Gessica Nascimento como judeus de Sambenito, índios, judeus e convidados do casamento.

Yah Vasconcelos no papel de Brites Fernandes

A iluminação e o figurino, com suas peças rudes, nos remetem a um lugar meio isolado, sem conforto, numa terra que precisava ser dominada, como deve ter sido o ambiente que Branca Dias enfrentou na sua vida no Brasil. É a encenação de uma biografia romanceada que dá muita dignidade à protagonista.

*Este texto é resultado de uma parceria com o Sesc Piedade, realizador do Aldeia Yapoatan

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