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A “culpa” é da modernidade

Dormir pode virar um desejo... Fotos: Ivana Moura

Dormir pode virar um desejo… Fotos: Ivana Moura

Montagem do Grupo Z de Teatro, do Espírito Santo

Insone, montagem do Grupo Z de Teatro, do Espírito Santo

Satisfeita, Yolanda? no Palco Giratório

Acelera. Ordenou a modernidade aos passos lentos, tranquilos e orgânicos da humanidade. Ela obedeceu e quis vencer limites. Mas aumentar a velocidade tem consequências. A tecnologia criou um novo mundo que desafia as mentes mais criativas. Garantiu o conforto que todos conhecem. Mas ao mesmo tempo, as criaturas passaram a carregar uma carga cada vez mais pesada. Milhões de informações disputam os sentidos dessa gente que corre atrás de dinheiro, amor (que pode nem ser verdadeiro) e poder. São exigências desse mundo – de ser veloz, eficiente, feliz; e de preferência o MAIS competente, o MAIS sensual, o MAIS desejado, enfim, o fodão. Mas essas cobranças de ter mais e ser o que pode mais criou um nível de disputa sem precedentes.

O espetáculo Insone, do Grupo Z de Teatro do Espírito Santo, toca em muitos desses pontos que incomodam e literalmente tiram o sono do homem contemporâneo. Na peça, quatro intérpretes mostram o desespero de quem não consegue dormir ou dorme mal e, no dia seguinte, sem o devido descanso, precisa enfrentar mais uma jornada, ou poderíams dizer, quase uma guerra.

Com figurinos brancos (camiseta e short) os atores desenvolvem suas ações em um colchão branco que serve como único cenário. Em determinados momentos, alguns travesseiros entram em cena. Essa paisagem insuportavelmente clara, monocromática, incomoda os sentidos, principalmente a visão. Pela proposta do grupo é bom que a montagem provoque essas sensações desagradáveis.

Um bom jogo de claro escuro

Um bom jogo de claro escuro

Essa trupe de insones movimenta-se em atos de repetição, buscando conforto para o corpo numa enervante e frenética troca de posições. Nesse processo, os personagens irrompem em preocupações com o emprego, com a viagem, com o filhinho que chora ou outras pequenas coisas da vida prosaica. Repetem palavras, frases soltas. O quarteto se atormenta com o sono reduzido a pouco, insuficiente para o merecido descanso.

A sonoplastia e a iluminação se encarregam de reforçar a atmosfera tensa com sons de engarrafamento e a luz que se altera entre o profundo branco e a penumbra do quase escuro, que inclusive produz desenhos que parecem significativas grades.

A montagem de dança-teatro exibe um turma de autômatos. Às vezes sonâmbulos, às vezes perseguindo a multidão que faz do consumir, divertir, ficar ligado uma obrigação. Nesse ritmo frenético, o repouso é negligenciado ou forçado a ficar em um plano secundário, para o jogador permanecer no jogo.

Parece uma trupe de autômatos

Parece uma trupe de autômatos

Sem uma narrativa linear, Insone expõe o sono perturbado e a vigília comprometida pela falta de repouso adequado. Impedidos de ter sonhos, a vida se torna um pesadelo num mundo dominado pela velocidade.

Criado em 1996 no intuito de realizar um trabalho contínuo de pesquisa de linguagem, o Grupo Z investe em três linhas de propostas: o trabalho em espaços diversos; o corpo como ponto de partida para a criação e o desenvolvimento de dramaturgia própria.

A dramaturgia me pareceu o aspecto mais fragilizado da encenação. Entre “dormidas”, rolamentos, saltos, pequenas correrias, brigas e acolhimento entre eles a proposta  fica reduzida. A temática que possibilita interfaces com outras questões contemporâneas não borra fronteiras, não invade outros pontos.

A sensação que fica é a de que a duração do espetáculo poderia ser até menor, porque o repertório se mostra limitado e limitante e as repetições acrescentam pouco, não ampliam em significados. Ficam ali imersos no colchão coletivo e na impotência do sono. No desejo não realizado de dormir.

Grupo criado em 1996 realiza trabalho contínuo de pesquisa de linguagem

Grupo criado em 1996 realiza trabalho contínuo de pesquisa de linguagem

Ficha Técnica

Insone, do Grupo Z de Teatro (Espírito Santo)

Dramaturgia: Fernando Marques
Direção: Fernando Marques e Carla van den Bergen
Coreografia: Carla van den Bergen
Elenco: Alexsandra Bertoli, Daniel Boone, Ivna Messina, Luciano Rios (substituído aqui no Recife por Carla van den Bergen)
Direção de produção: Carla van den Bergen
Figurino e cenário: Francina Flores
Iluminação: Carla van den Bergen

*Texto extensivo ao projeto editorial do jornal Ponte Giratória, que circula impresso durante o 7º Festival Palco Giratório Recife, organizado pelo SESC PE. Outras informações no hotsite do festival.

 

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