Enquanto os trabalhadores da cultura de todo o país aguardam a votação da Lei de Emergência Cultural, os dias vão passando. Para os grupos e coletivos de artes cênicas pernambucanos, as incertezas e inseguranças são potencializadas pela falta de ação também nos âmbitos estadual e municipal. O cenário é de preocupação – com a subsistência desses trabalhadores e com a manutenção dos espaços físicos.
O Poste Soluções Luminosas, grupo de teatro negro, possui um espaço cultural desde 2014, no térreo do prédio na Rua da Aurora, esquina com a rua Princesa Isabel, no bairro da Boa Vista. “Neste primeiro semestre, finalizaríamos a segunda fase do projeto Música no Espaço O Poste e começaríamos a terceira edição do projeto Escola O Poste de Antropologia Teatral. Tivemos que suspender toda a agenda de shows, assim como a continuidade dos processos que envolvem a produção da Escola”, explica Naná Sodré, atriz, diretora e produtora do grupo. “Sim, há risco de fechamento, pois quando ocorre a interrupção dessas atividades que são fundamentais para a manutenção, não temos como prosseguir”, avalia.
A Cênicas Companhia de Repertório inaugurou o Espaço Cênicas em 2010, no segundo andar de um prédio na Rua Vigário Tenório, no Recife Antigo. “Quem possui um espaço cultural sem patrocínio público ou privado neste país convive permanentemente com o risco de fechamento. Agora, com o agravamento desta pandemia, esse risco se torna ainda mais iminente. A nossa receita caiu praticamente mais de 80%. Só temos uma turma de alunos ativa e as despesas mensais continuam. Nossa receita vem dos cursos e atividades artísticas do espaço e a nossa reserva financeira já está no limite”, explica Antônio Rodrigues, diretor do grupo.
Diante da fragilidade das políticas públicas – o que nunca foi novidade para a classe artística, mas se acentuou com a pandemia -, os enredos são bem parecidos. O grupo Fiandeiros se preparava para comemorar os 10 anos da Escola Fiandeiros, que funciona no prédio na Rua da Matriz, na Boa Vista, e serve também como sede e espaço cultural. “Os impactos já são enormes. O Espaço é nossa principal fonte de arrecadação e, ao mesmo tempo, a nossa principal fonte de despesas. Interrompemos abruptamente a arrecadação, mas as despesas continuaram as mesmas mesmo com ele fechado. Nosso sustento enquanto grupo e, principalmente, enquanto Espaço, depende da renda que vem dos cursos, dos espetáculos e das atividades que geramos nele. A outra fonte de receitas, que viria da venda de espetáculos, temporadas, e tudo mais, está completamente parada. Estamos, ao final desses dois meses, tentando administrar um cronograma financeiro com muito esforço, vindo das ações remotas, que possa ao menos permitir a subsistência do Espaço pelo tempo que der”, avalia Daniela Travassos, atriz e diretora do grupo Fiandeiros.
Os Espaços O Poste Soluções Luminosas, Cênicas e Fiandeiros possuem uma característica significativa em comum: os três também são locais para formação e atividades pedagógicas. No caso da Cênicas e da Fiandeiros, algumas turmas prosseguiram no formato online. “A Turma do Curso de Teatro Cênicas Cia 2020 estava praticamente fechada, deveria ter iniciado no final de março, porém com a quarentena instalada, as aulas foram adiadas por tempo indeterminado, juntamente com o Curso Dramaturgia do Ator. Atualmente, estamos com uma única turma de teatro ativa, que já tinha iniciado as aulas em 2019. O Curso de Iniciação Musical para o Teatro está acontecendo com aulas online, duas vezes por semana, com duração de três horas diárias”, conta Rodrigues.
Na Escola Fiandeiros, quatro turmas estão com aulas pela internet. “Adaptamos todos os planejamentos, revimos conteúdos para serem repassados remotamente e estamos, aos poucos, inserindo a corporalidade, o treinamento vocal e o exercício da interpretação experimentado à distância. Estamos nos surpreendendo com o resultado e com o envolvimento dos alunos, embora saibamos que falta o essencial, que é a presença. Mas, talvez, a realidade imposta e a necessidade da troca estejam aquecendo essa relação que acreditamos que fosse ser fria a princípio. Perdas existem. Teatro é coletividade, é troca, é presença. Mas também é reinvenção. É adaptação aos momentos e às tecnologias existentes”, avalia Daniela Travassos.
No Poste, ainda estão abertas as inscrições para a Escola de Antropologia Teatral. As aulas desta terceira turma do programa, que tem como incentivadores Eugenio Barba e Julia Varley, deveriam ter começado no dia 2 de abril. O grupo aderiu às lives para a divulgação da campanha “Apoie o Espaço O Poste, não deixe fechar!”, que está com link no Catarse.
Cênicas e Fiandeiros ainda não fizeram campanhas de arrecadação, mas não excluem a ideia. Afinal, não há nenhuma expectativa para um suporte governamental, seja para artistas, grupos ou espaços. Para Daniela Travassos, “quando não há uma política estruturada para uma classe, fica difícil até atuar em cenários de urgência. Agora, o que tem são alguns artistas aguerridos lutando e falando por uma classe inteira, tentando achar uma maneira de dividir migalhas entre todos, porque o governo até agora acha que manter os editais já é o suficiente. Nós seguimos fazendo o que podemos: contribuindo para as discussões, inscrevendo em todos os editais possíveis, investindo grana pessoal, trabalhando em prol do nosso Espaço, que é da cidade e das pessoas, investindo na formação e tentando manter as ações que podemos”.
Para saber mais sobre as ações dos grupos, siga os espaços e companhias na rede: