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A cena de Nelson Rodrigues, repensando a obra

Seminário pernambucano discute obra e sopro criativo do escritor

Seminário pernambucano discute obra e sopro criativo do escritor

Nelson Rodrigues jamais imaginou o que viria a ser. Um nome de interesse nacional. Com projeção intergalática. Depois do período de rejeição pela intelligentzia, de ser tachado de pornográfico (quando isso dizia alguma coisa), passou a ser exaltado. E cada frase sua, e até palavra, chega como um mantra. “Os idiotas da objetividade” o respeitam. O povo do futebol o trata como um craque, ou melhor como um craque que desmantela o adversário e como um observador de fina sensibilidade e cultura que vê naquelas coreografias um balé para as massas.

Como todos sabem o centenário do dramaturgo, nascido em Pernambuco e formado no Rio de Janeiro, foi festejado com pompa durante todo o ano de 2012. Mas diante da grandeza do homenageado, os estudos sobre sua obra prosseguem e se multiplicam. Muitos outros querem decifrá-lo, chegar mais perto do sopro de criação e ressignificar sua obra.

O Seminário Pernambuco Nelson Rodrigues: Texto e Cena traz mais investigação sobre a obra do dramaturgo. Começa neste domingo (14) e vai até o dia 21, no Teatro Marco Camarotti. Idealizado por Rudimar Constâncio, o programa está dividido em três ciclos: as Conferências Nelson Rodrigues: Texto e Cena, com uma série de estudiosos abordando um aspecto da obra do autor. O segundo momento está reservado para o curso Nelson Rodrigues: Teatro, Cena e Crítica, ministrado por Fátima Saadi, de 17 a 21 de abril. E no terceiro bloco estão as peças montadas recentemente por grupos pernambucanos: Valsa nº 6, Beijo no Asfalto e Viúva, Porém Honesta. Elas serão apresentadas domingo, segunda e terça, respectivamente.

Para assistir aos espetáculos, o interessado deve retirar o convite duas horas antes da apresentação, na pela bilheteria do Teatro Marco Camarotti. É o que orienta a produção. Já não há mais vagas para o curso com Fátima Saadi. E para participar das conferências, a criatura deve preencher uma ficha de inscrição no Setor de Cultura do Sesc Santo Amaro.

O projeto foi contemplado com o Funcultura 2012, da Secretaria de Cultura do Estado de Pernambuco, Fundarpe e Governo do Estado de Pernambuco.

Encenação de 'Senhora dos Afogados', de 1993, dirigida por Antonio Cadengue. Acervo pessoal

Encenação de ‘Senhora dos Afogados’, de 1993, dirigida por Antonio Cadengue. Acervo pessoal

Confira a programação completa:

Conferências, de 17 a 21 de abril, das 19h às 22h

17/04 – Nelson Rodrigues: a modernidade de um clássico” com a conferencista Ângela Leite Lopes

18/04 – Álbum de Família: crise dos desejos inconfessos com o conferencista Érico José

19/04 – Senhora dos Afogados: obsessões da sombra e da luz com o conferencista Antonio Cadengue

20/04 – Vestido de Noiva: expressão trágica do dizível e do indizível com o conferencista João Denys

21/04 – Nelson Rodrigues: a recepção crítica com a conferencista Fátima Saadi

Curso Nelson Rodrigues: Teatro, Cena e Crítica, ministrado por Fátima Saadi, de 17 a 21 de abril.
Não há mais vagas.

Espetáculos, às 19h30:

14/04 – Valsa nº6, direção de Carlos Sales.

15/04 – Beijo no Asfalto, direção de Claudio Lira.

16/04 – Viúva Porém Honesta, direção de Pedro Vilela.

SERVIÇO
Seminário Pernambuco Nelson Rodrigues: Texto e Cena
Quando: De 14 a 21 de abril, das 19h às 22h.
Onde: Teatro Marco Camarotti (Sesc Santo Amaro), Praça do Campo Santo, s/n, Santo Amaro, Recife
Informações: (81) 3216.1728

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Equilíbrio nos trilhos de Williams

Propriedade condenada, texto de Tennessee Williams, direção de Érico José. Foto: Pollyanna Diniz

Quem conheceu Tennessee Williams diz que estar ao lado dele não era exatamente agradável. O dramaturgo e diretor Arthur Laurents, em entrevista a Richard Eyre, registrada no livro Talking Theatre, diz: “You should never have met Tennessee. He was usually drunk. He made silly jokes. I didn’t know him all that weel. He wasn’t the kind of person you wanted to spend time with. For me particularly because I revered his work, so I didn’t want to be disappointed in the person”.

Bêbado ou não; perturbado por um biografia punk-hardcore, que inclui uma lobotomia sofrida pela irmã; Williams era genial. Tanto é que foi o vencedor do Pulitzer por duas vezes, com Um bonde chamado desejo e Gata em teto de zinco quente. A história guardada na memória e na gaveta do encenador Érico José por alguns anos, no entanto, não é desses mais badalados, que viraram inclusive filme, mas o texto curto Propriedade condenada, de 1946. Foi essa a montagem (o texto foi traduzido por Diego Albuck) que Uerla Cardoso e Augusto Nascimento, da Escola de Teatro da UFBA, apresentaram no último sábado na VI Mostra Capiba de Teatro.

O texto de Tennessee é extremamente político. Fala do esfacelamento de um sociedade a partir de uma história particular: da garota Willie – a mãe dela fugiu com um homem, o pai desapareceu, a irmã foi abusada e morreu de tuberculose, e a menina herdou os seus amantes. Um enredo por demais indigesto. Willie e o adolescente Tom se encontram nos trilhos de um trem e é quando Willie começa a contar ao amigo parte da sua história.

Embora seja forte e fundamental, não é só no texto que está o vigor da montagem proposta por Érico José e por seu assistente de direção Vinícius Lírio; mas sim no trabalho de corpo dos jovens atores. Érico partiu das suas pesquisas sobre butô e biomecânica para levar ao palco algo que não tem necessariamente a ver com emoção – mas com energia. Há uma interação entre os atores que transcende o diálogo.

Para completar, as cenas são construídas como verdadeiras coreografias, como a entrada do garoto com uma pipa; a dança dos dois; um rio que aparece nos meios do trilho. A montagem também é rica em signos que podem ser interpretados a partir do olhar de cada espectador. Os personagens, por exemplo, têm os corpos pintados de branco numa referência clara ao butô, o que não exclui outras camadas de significados.

Pode existir, por exemplo, uma relação com o imaginário, com o sonho, com o surreal – em certo momento Tom diz algo do tipo: “mas essas histórias parecem ter sido inventadas, Willie”. Será que aconteceram mesmo? Há ainda uma dicotomia que se estabelece muito – entre o equilíbrio e o desequilíbrio; desde o andar nos trilhos, até a relação de energia entre os dois atores.

Apesar de muito jovens, Uerla e Augusto estão muito bem em cena (até cantam em inglês). Cenografia (trilhos de madeira cortam o palco) e iluminação ajudam na tarefa de trazer o espetáculo ainda mais para perto do público. Se o texto é mais um dos elementos dessa encenação, tudo parece ter sido muito bem dosado. E, além de tudo, Propriedade condenada ainda serve para mostrar como as pesquisas surgidas dentro da universidade podem ser levadas ao palco de forma muito bem sucedida.

Uerla Cardoso como a garota Willie

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Ao sabor das palavras

“Não que eu tenha adivinhado o que você deseja, e nem tenho pressa de saber; pois o desejo de um comprador é algo muito melancólico, algo que contemplamos como um segredinho pedindo para ser descoberto e que fazemos hora para descobrir”

“Já que não existe injustiça verdadeira nesta terra, além da injustiça da própria terra, que é estéril pelo frio e estéril pelo calor e raramente fértil pela doce mistura do calor e do frio, não existe injustiça para quem anda sobre a mesma porção de terra submetida ao mesmo frio ou ao mesmo calor ou à mesma doce mistura, e qualquer homem ou animal que pode olhar outro homem ou animal nos olhos é seu igual, pois eles andam sobre a mesma linha plana e reta de latitude, escravos dos mesmos frios e dos mesmos calores, ricos ambos e ambos pobres”

“O olhar passeia e pousa e pensa estar em terreno neutro e livre, assim como a abelha num campo de flores, como o focinho de uma vaca no espaço fechado de um pasto. Mas o que fazer com o próprio olhar? Olhar para o céu me torna nostálgico e fixar o solo me entristece, lamentar alguma coisa e lembrar que não a temos são motivos de desolação. Então, precisamos olhar na nossa frente, à nossa altura, qualquer que seja o nível onde o pé está provisoriamente colocado; foi por isso que, ao andar por onde andei ainda há pouco e onde estou parado agora, meu olhar tinha que esbarrar, mais cedo ou mais tarde, em qualquer coisa parada ou andando na mesma altura do que eu; ora, pela distância e as leis da perspectiva, todo homem ou todo animal está provisoriamente e aproximadamente à mesma altura do que eu”

Na Solidão dos Campos de Algodão

Texto: Bernard Marié Koltès
Tradução: Jackeline Laurence
Encenação: Antonio Guedes
Elenco: Edjama Freitas (Cliente)
                Tay Lopez (Dealer)
Cenografia: Doris Rollemberg
Execução de cenografia: Saulo Uchoa
Cenotécnica: Katia Virgínea, Júlio Cerza, Gaguinho e David Guerra
Figurino: Luciano Pontes
Iluminação: João Denys
Operação e montagem de luz: Dado Sodi
Assistente de Montagem: João Pedro Leite
Trilha Sonora: Marcelo Sena
Vídeo: Alan Oliveira e Rafael Malta
Assistente de Encenação: Alexsandro Souto Maior
Preparação de Elenco (corpo/voz): Érico José
Direção de movimento: Míriam Asfora
Produção Executiva: Luciana Barbosa
Realização: Companhia do Ator Nu

Na solidão dos campos de algodão
Quando: Estreia dia 8 de agosto, às 20h; temporada: quartas, quintas e sextas-feiras, até 24 de agosto, às 20h
Onde: Teatro Marco Camarotti (Sesc Santo Amaro)
Quanto: R$ 20 e R$ 1o (meia-entrada)

Na próxima segunda-feira (6), o diretor Antonio Guedes vai receber alguns alunos de teatro e interessados no Sesc Santo Amaro para conversar sobre teatro contemporâneo. Será a partir das 20h. Entrada gratuita.

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Como formalizar o caos?

Amaranta, espetáculo da Trup Errante, apresentado na V Mostra Capiba. Foto: Rodrigo Moreira

Existo onde me desconheço
aguardando pelo meu passado
ansiando a esperança do futuro

No mundo que combato morro
no mundo por que luto nasço

(Identidade, de Mia Couto)

O desejo era o autoconhecimento. Era encontrar pontos de confluência, mas também convergências, que pudessem revelar mais deles mesmos. Afinal, decidiram entregar as suas vidas à arte, ao teatro, como fazem questão de dizer no espetáculo. Então nada melhor do que se debruçar sobre a história desse ofício não só para resgatar o passado, mas para conseguir se livrar de quaisquer amarras, preconceitos, e seguir adiante. Era pretensioso o projeto da Trup Errante, formada em Petrolina, no Sertão pernambucano: trazer à cena a história de 2.500 anos de teatro. Como era mesmo muito amplo, decidiram ao menos se concentrar um pouco mais no olhar feminino sobre essa arte. E assim surgiu Amaranta, espetáculo apresentado no último fim de semana da V Mostra Capiba de Teatro. É também o projeto de conclusão de curso do diretor Thom Galiano, sob a orientação de Érico José.

A execução da proposta do grupo ainda é um desafio a ser construído. Se logo no início a musicalidade, a participação lúdica do público – com estrelas brilhando que ganham nomes de atrizes – , a revelação da personagem Amaranta, prendem a atenção do espectador, isso vai se perdendo aos poucos. Para um grupo que leva ao palco uma organização caótica, a quebra da cena para que os próprios atores possam se colocar, deixa vários espaços para a improvisação, e encena até uma briga entre os próprios atores, é contraditório que, em muitos momentos, a opção seja pelo didatismo – e olhe que uma das próprias personagens brinca com isso. “Isso não vai dar certo, está muito didático”. Talvez o grupo tenha mesmo que aceitar que a identidade do espetáculo está na formalização do “caos”.

Se não dá mesmo para apresentar a história do teatro, como o próprio grupo percebe, há que existir uma apropriação maior e mais natural dessa história, para que o público possa compreendê-la, mas de forma mais fluida. Mesmo caótica, como se propõe a encenação de Thom Galiano, a dramaturgia (e para isso ela não precisa perder os pontos de fuga para a improvisação) precisa ser melhor costurada, repensada. Ao mesmo tempo em que é bom ver as atrizes refletindo em cena sobre o seu papel, assumindo os seus nomes e não o de personagens, não dá para que o espetáculo vire uma terapia de grupo. Isso até é possível, mas se a proposta for mesmo esquecer o público ou ao menos não se importar com a recepção do espetáculo.

Ainda assim, apesar das falhas na sua execução, Amaranta reflete a coragem de um grupo jovem, mas com muito talento. Nesse espetáculo, estão em cena Brisa Rodrigues, Joedson Silva e Raphaela de Paula. Dá para perceber o quanto há empenho e superação das dificuldades, seja na iluminação, nos elementos de cena, no próprio trabalho do ator. A musicalidade é um elemento que acrescenta e a participação do público, se eles conseguirem surpreendê-lo assim como no início da montagem, pode ser bastante efetiva. É um trabalho que tem tudo para amadurecer.

Três atores estão em cena no espetáculo

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