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Outros desafios para Pedro Vilela

Pedro Vilela planeja desenvolver seus processos criativos fora do Magiluth. Foto: Arquivo pessoal

É tempo de mudança para o encenador, ator e iluminador Pedro Vilela. Nos últimos oito anos, ele abraçou o Grupo Magiluth, quando adotou um modelo de gestão que possibilita aos seus integrantes viver exclusivamente do teatro. Esse diferencial teve implicações no palco, nas articulações com outros grupos brasileiros e estrangeiros e nas estratégias de reconhecimento da trupe pelo país afora.

O Magiluth é uma junção dos atores Erivaldo Oliveira, Giordano Castro, Lucas Torres, Mário Sergio Cabral, Pedro Vilela, Pedro Wagner e Thiago Liberdade. O grupo conta 11 anos de trajetória e tem em seu currículo os espetáculos Luiz Lua Gonzaga (2012), Viúva, porém honesta (2012), Aquilo que meu olhar guardou para você (2012), O Canto de Gregório (2011), Um Torto (2010), Ato (2008)e Corra (2007). O mais recente é O ano em que sonhamos perigosamente (2015) – com dramaturgia de Pedro Wagner e Giordano Castro e encenação de Pedro Wagner – que fez uma curta temporada no Teatro Apolo. Pedro Vilela assina a iluminação.

O bando amadureceu nos enfrentamentos da criação artística e da luta por sobrevivência. Mas Pedro Vilela anunciou sua saída do Magiluth. A partir de agora, ele investe suas energias na TREMA! Plataforma, voltada para vários tipos de ação. Uma delas é o TREMA! Festival, cuja terceira edição ocorreu no mês de abril. A segunda atuação é a TREMA! Revista, coordenada por ele e Mariana Rusu, em parceria com Thiago Liberdade, e que vai ser lançada nesta segunda-feira (29), no espaço da Cênicas Cia de Repertório, no Bairro do Recife.

Para 2016, o diretor planeja ativar o núcleo TREMA! Teatro para desenvolver seus processos criativos. Leia a seguir a entrevista com Vilela, sobre sua saída do Magiluth, sua visão da política cultural no estado e no Recife, e sobre o lançamento do periódico.

ENTREVISTA: Pedro Vilela

ENTREVISTA: Pedro Vilela

ENTREVISTA // PEDRO VILELA

Segunda-feira será lançada Trema! Revista de Teatro de Grupo. Como e por quê surgiu esse projeto?
A construção de ferramentas que auxiliem o “pensar” o mundo e seu diálogo com a arte sempre me interessou enquanto gestor. Às vezes, acabamos por focarmos demasiadamente no nosso desejo pelo “fazer” e pecamos um pouco por abandonar o “refletir”. Durante muito tempo esse refletir esteve focado apenas nos críticos e acredito que atualmente existem diferentes vozes e agentes construindo reflexões bastante pertinentes. Sentia também a necessidade de construir ferramentas de diálogo com a nossa sociedade que não fosse apenas o produto artístico, daí pensamos numa publicação.

Qual o conteúdo contemplado para este primeiro número?
A TREMA! Revista é uma publicação bimestral que visa articular arte e política. A cada edição encontramos um tema norteador de pensamento, sendo este um agente propulsor para desdobramentos. Nesta primeira edição tomamos como base a ideia de #facção, refletindo os coletivos teatrais como facções políticas, estéticas, poéticas e que visam operar contrariamente a uma “ordem” dominante.

Quais os critérios de articulação para convidar as pessoas para escrever?
Não queríamos pensar uma revista engessada por regras de sua composição. A revista se configura como agente fomentador de pensamento principalmente para nosso Estado, entretanto não nos interessa a obrigatoriedade de termos colaboradores apenas locais. Buscamos encontrar, em diferentes regiões, pensadores que possam articular nossos desejos. Outro ponto importante é que não só profissionais ligados ao teatro contribuirão com à TREMA! Nos interessa o ponto de vista de diferentes atores sociais, construindo assim uma publicação dinâmica e que não segmente o público leitor.

Você acha que a revista pode preencher a lacuna de pensamento sobre a criação artística teatral na cidade, no estado? Ela sozinha é suficiente? O que falta mais?
Acredito que esta lacuna ainda é grande, não só em nível estadual. Como leitor assíduo da minha área, encontro grande dificuldade de acessar diversos pontos de interesse por falta de publicações. Ao passo que, cada vez mais também percebo a busca por diminuir estas lacunas, seja por novas editoras que estão abraçando o teatro, seja pelos os próprios artistas que estão construindo alternativas para compartilhar o pensamento.  Estamos dando um primeiro passo neste formato de revista e esperamos que ele possa ter vida longa, assim como que outras publicações se unam a nossa no sentido de verticalizarmos o “pensar” a arte em nossa região.

A revista foi contemplada com o Funcultura. Gostaria de saber sua opinião sobre a política cultural no estado de Pernambuco e a distribuição dos recursos do Fundo.
Encontramos no Funcultura atualmente um importante aliado no desenvolvimento da economia da cultura de nosso estado. Acredito imensamente neste modelo, na manutenção de um Fundo onde o estado seja o agente regulador. Ou seja, nós produtores culturais não estamos à mercê da boa vontade de empresas privadas, mas dialogando diretamente com o estado, pois se trata da administração de recursos públicos. Entretanto, uma política cultural madura não pode ser construída exclusivamente com o Fundo e com alguns eventos culturais. Pernambuco é um estado bastante plural e de larga extensão. Louvamos a ampliação do número de produtores interessados pelo Fundo, entretanto não encontramos proporcionalidade na ampliação dos recursos do mesmo. Precisamos também compreender que uma Lei como a do Funcultura precisa constantemente ser revisada, pois cada vez mais vivemos num mercado dinâmico, onde os agentes culturais se deparam constantemente com novos desafios e o fundo precisa acompanhar o seu tempo.

Você, Pedro Vilela, fez críticas severas à política cultural (ou falta dela) da Prefeitura do Recife, um pouco antes da realização do Trema – Festival de Teatro de Grupo. Qual a sua análise dos órgãos e mecanismos municipais de cultura? Você teria sugestões para melhorar o desempenho?
Não me arrependo das críticas realizadas. Elas apontavam um descaso gerencial com a cultura da nossa cidade e esse descaso em nada mudou. Nos deparamos com uma gestão fragmentada, onde os profissionais que a compõem parecem não conseguir se articular em torno do desenvolvimento da área. Vemos interesse e disponibilidade de alguns, mas isto é muito pouco. Vemos uma secretária que possui grande caráter simbólico para nós artistas, mas que não consegue compreender os desafios que é gerir os encaminhamentos culturais de uma cidade como Recife. Parece-me que o problema vem de cima, da falta de interesse e de compreensão que somos um dos principais agentes modificadores deste “Novo Recife” que tanto se fala. E este paradigma só poderá mudar quando nós artistas tivermos força política suficiente para dizermos o “como” queremos.

Produtora Mariana Holanda Rasu e Vilela: cumplicidade

Produtora Mariana Holanda RUsu e Vilela: cumplicidade

Mudando um pouco de assunto. Como é a cumplicidade de pensamento com sua mulher, a produtora Mariana Rusu?
Gosto imensamente desta palavra que você usa: cumplicidade. Somos cúmplices do mesmo delito: a dedicação ao teatro. Mariana é uma profissional extremamente sagaz, com um elaborado grau de exigência nas atividades que se propõe a realizar, isso faz com que nossa parceria renda tantos frutos. Não por ser minha esposa, mas vejo nela uma dedicação a este ofício difícil de encontrar em outras pessoas e ainda uma disponibilidade por defender os projetos que loucamente visualizo. Decidimos dedicar toda esta força a nossa TREMA! Plataforma e desejamos dialogar ainda mais com o teatro de nossa cidade.

Sabemos que a convivência desgasta os relacionamentos e é muito difícil a permanência de grupos estáveis no país e mais ainda em Pernambuco. O Magiluth se tornou uma referência nos últimos anos na cena brasileira pela dedicação e ousadia. O anúncio de sua saída do grupo causou estranhamento e preocupação. O que aconteceu? Disputa por poder? Por liderança?
Não temos como neste momento definir fatores que levaram a esta decisão. Tenho certeza que haverá uma série de suposições sobre a saída (risos). A convivência em um grupo de teatro é algo bastante intensa, como uma família, e sempre haverá concordâncias e discordâncias nos diferentes desafios que o grupo encara. Mas, acima de tudo, é importante preservamos o desejo e amor pelo projeto coletivo que defendemos e isto já não era possível.

Você já afirmou que refletiu muito antes de tomar uma decisão. Mas também disse que a montagem do último trabalho O Ano em que Sonhamos Perigosamente foi o estopim. Então conta como foi o processo.
Cada vez mais percebo o quanto é delicado para os grupos estarem envolvidos em procedimentos de criação, pois eles escancaram questões que sempre permaneceram guardadas. É o momento de debatermos sobre ideias, vontades e principalmente a hora onde a força dos indivíduos, todos os seus conteúdos e disponibilidade para o teatro precisam ser colocados na mesa. O projeto do Ano em que sonhamos perigosamente foi escrito, elaborado e captado por mim. Há muito tempo nutria o desejo de ver o Magiluth experimentando uma “outra forma” de fazer teatro e solicitava esta ruptura. Fatores externos impossibilitaram a execução completa do trabalho, mas fico feliz pela execução do mesmo.

Vilela abraça Giordano, com Erivaldo ao fundo, em Aquilo que meu olhar guardou para você

Vilela abraça Giordano, com Erivaldo ao fundo, em Aquilo que meu olhar guardou para você

E como vai ser o cumprimento dos projetos já em andamento, como a própria revista, as novas edições do Trema e as viagens do Magiluth?
Estarei disponível para executar os projetos acordados anteriormente, sou um profissional e tenho compromissos éticos com a empresa Magiluth. Quanto aos projetos como a revista e festival, é preciso esclarecer que eles não são do grupo. Foram projetos idealizados, geridos e executados por outros profissionais e que em dado momento tiveram o Magiluth como fomentador/financiador (duas primeiras edições do Festival). Estas ações acabaram se confundindo com o Grupo devido a posição que ocupava, mas percebo que a compreensão de projetos individuais dentro da coletividade sempre será bastante complexa. Tanto o Festival, como a revista são ações desenvolvidas pela TREMA! Plataforma de Teatro, empresa que cuido atualmente com Mariana.

O que você tem a dizer sobre a experiência desses anos no grupo, a direção dos espetáculos, o aprendizado?
Sem dúvida foram os anos de maior aprendizado no teatro. Me formei enquanto gestor e criador no grupo. Nos últimos oito anos tive a oportunidade de gerir o grupo, onde idealizei, captei e administrei todos os projetos. Consegui chegar a um modelo de gestão onde os integrantes puderam viver exclusivamente do teatro, com salário, todos os benefícios (13º e férias) incluindo plano de saúde, odontológico… o que me trouxe uma compreensão de gerenciamento de um coletivo sem precedentes. No campo da criação me descobri enquanto encenador e aprofundei meu trabalho com iluminação. Terei um eterno agradecimento aos integrantes pela cumplicidade, parceria e confiança no trabalho.

E daqui para frente quais são os planos? Mestrado aqui, em SP, no exterior?
Meu trabalho continua a ser desenvolvido em duas frentes. A primeira está ligada a retomada dos meus estudos acadêmicos, focando no mestrado. A segundo está ligada ao desenvolvimento da TREMA! Plataforma de Teatro.

E como é concebida a TREMA! Plataforma?
A Plataforma é um núcleo gerencial e criativo em torno do teatro de grupo que trabalha em diferentes linhas de ações. Atualmente desenvolvemos o TREMA! Festival e a TREMA! Revista. Ela é coordenada por mim e Mariana em parceria com Thiago Liberdade. Não a defino como grupo, mas sim como uma plataforma que trabalha com diferentes colaboradores de acordo com as especificidades dos projetos que nos interessa desenvolver. Em janeiro de 2016 pretendo ativar o TREMA! Teatro que será o núcleo onde desenvolverei meus processos criativos. O primeiro trabalho será sobre a fé e as igrejas neopentecostais brasileiras, que me atravessa profundamente e que desde o ano passado estou desenvolvendo a pesquisa.

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SERVIÇO:
Lançamento da TREMA! Revista de Teatro de Grupo, da TREMA! Plataforma de Teatro de grupo (distribuição gratuita da revista), no projeto Segunda com Teatro de Primeira
Quando: Nesta segunda-feira (29), às 20h
Onde: Cênicas Cia de Repertório (Rua Vigário Tenório, 199 – 2º andar – Bairro do Recife),
Atração: Leitura do texto Maumau miau, do dramaturgo Luís Felipe Botelho, pela Cia Incantare de Teatro

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Entidades discutem crise na cultura

Desde que a Prefeitura do Recife divulgou oficialmente, no dia 29 de outubro, a notícia de que o Festival Recife do Teatro Nacional (FRTN) não seria realizado em 2014 e passaria a acontecer em edições bienais, sendo alternado com o Festival Internacional de Dança, muita coisa já se passou. A Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2015, por exemplo, foi aprovada na Câmara de Vereadores com uma redução de 16% nos recursos conjuntos da Secretaria de Cultura e da Fundação de Cultura Cidade do Recife (FCCR), o que significa R$ 17 milhões a menos para a cultura. Por outro lado, finalmente o prefeito Geraldo Júlio assinou a autorização para o início das obras no Teatro do Parque, fechado desde 2010.

Mas antes que a LOA fosse assinada e o anúncio com relação ao Teatro do Parque realizado, a equipe de Cultura da Prefeitura do Recife precisou apagar um incêndio. A secretária de Cultura, Leda Alves, e o presidente da FCCR, Diego Rocha, além de Carlos Carvalho, responsável pelo Apolo-Hermilo e, consequentemente, pela realização do FRTN, e Romildo Moreira, gestor de artes cênicas, se reuniram, no dia 10 de novembro, com as entidades representantes do setor de Artes Cênicas. Queriam atenuar a crise gerada pelo anúncio da não realização do festival sem que a classe artística fosse, ao menos, ouvida.

Foi depois dessa reunião que o Satisfeita, Yolanda? conversou com os representantes oficiais da classe. Participaram dessa conversa Paulo de Castro, presidente da Associação de Produtores de Artes Cênicas de Pernambuco (Apacepe), Ivonete Melo, presidente do Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversão no Estado de Pernambuco (Sated-PE), Feliciano Félix, presidente da Associação de Realizadores de Teatro de Pernambuco (Artepe), e Roberto Xavier, presidente da Federação de Teatro de Pernambuco (Feteape). Na entrevista, eles falaram não só sobre o atual momento na cultura do Recife, mas também se posicionaram com relação à questões polêmicas, como a crise na representatividade das entidades perante os artistas.

Nesta terça-feira (9), as associações e sindicatos vão novamente se reunir com Leda Alves e com Diego Rocha. Garantiram que, depois da conversa, vão convocar a classe artística.

Entidades e associações da classe artística vão conversar com Leda Alves nesta terça-feira. Foto: Ivana Moura

Entidades e associações da classe artística vão conversar com Leda Alves nesta terça-feira. Foto: Ivana Moura

Entrevista // Entidades representativas das Artes Cênicas em Pernambuco

Qual foi o caminho para que essa primeira reunião com a secretária de Cultura e o presidente da Fundação de Cultura tenha acontecido?

Feliciano Félix – Depois que saiu a notícia de que não haveria o festival de teatro do Recife, toda a classe artística começou a se movimentar; começaram a acontecer reuniões em vários segmentos. As próprias entidades se juntaram e fizeram uma nota de repúdio. Foi feita uma reunião no Espaço Caramiolas, com vários artistas de várias linguagens, onde foi tirado um documento contundente. Tudo isso chegou, obviamente, ao conhecimento da secretária. Ela convocou as entidades para conversar. Recebemos ofício por escrito assinado pela própria secretária para todas as entidades de artes cênicas. Na verdade, ela chamou a gente depois que o mal estar e a movimentação estavam instalados na cidade.

Como foi essa reunião?

Feliciano Félix – Na reunião, a secretária, o presidente da Fundação de Cultura do Recife e Carlos Carvalho tentaram explicar, justificar. Mas era para ter feito isso antes de ter dito que o festival seria cancelado. As entidades puderam falar e todas foram contundentes no sentido de que não concordam que os festivais de teatro e de dança sejam bienais.

Houve um pedido de desculpas formal para a classe? A secretária se desculpou por não ter ouvido a classe antes de tomar uma decisão dessas?

Ivonete Melo – Ela se desculpou, dizendo que era uma pessoa democrática, que antes de tudo era atriz, portanto não sabe como isso aconteceu e nem o porquê, já que ela é da área.

Ela disse que vai acatar o pensamento da classe?

Ivonete Melo – Não. Ela marcou uma reunião para o dia 9.

Paulo de Castro – O festival tem que voltar ano que vem. Agora a gente vê que é absurdamente ilógico fazer um festival. A gente compreende. Pela incompetência deles, mas compreendemos. A discussão é que, no próximo ano, as coisas sejam normalizadas. Mas acho que precisamos sair das questões culturais e ir para as questões políticas. Não temos que estar discutindo se é Carvalho (Carlos), se é Leda (Alves), se é aquele presidente que eu não sei nem o nome. A gente tem que focar no prefeito. Está claro que a ideia do prefeito é que ele não tem nada a ver com a cultura. Todas as situações culturais da cidade, e eu não falo só da dança e do teatro, falo da cultura pernambucana, ele cortou tudo, em todos os âmbitos. Até os ciclos! Se era um gasto x, está menos x. Porque isso? Porque a gente não fala, não grita, não chama o prefeito para uma ação mais contundente. O prefeito tem que entender o que é cultura, porque eu sei que ele não entende, e também não é obrigado a entender não. Mas ele é obrigado a compreender. E a gente não pode continuar como na prefeitura anterior. Perdemos quatro anos. Mas também já perdemos dois agora. São seis anos perdidos. É a hora de chegar para o prefeito e dizer: “prefeito, a gente precisa falar com você”. Ainda mais nessa época?! Era bom que ele viesse vestido de Papai Noel, para falar com a gente. Talvez surtisse algum efeito, ele entendesse do quê a cultura precisa. Já que o Natal é uma época tão boa e o Papai Noel um personagem importantíssimo. Eu acho, prefeito, que você deveria convocar os artistas da cidade para uma conversa, até para você entender o processo. Porque você tem uma mulher na secretaria que sabe tudo, mas não tem poder. Aí não adianta, prefeito. Você tem um cara que você colocou na Fundação que é uma pessoa sua, mas não entende do métier. É necessário que você respalde essas pessoas, para que elas tenham um convívio decente com a classe. Principalmente em se tratando de uma mulher como Leda Alves, uma mulher que sabe exatamente o que pode fazer. A questão hoje está centralizada no senhor prefeito. Ele tem que dizer alguma coisa. A gente não pode viver de bicicletas. É preciso ter algo mais do que bicicletas.

Beto Xavier – Teve uma questão colocada na reunião do Conselho Municipal de Cultura que é bem interessante. Essa questão do Festival foi só a cereja do bolo. Porque vem acontecendo várias coisas, teatros fechados, reformas que não tem data nem para começar e nem para terminar, os editais dos ciclos culturais, que não incluem teatro. E nós, enquanto Feteape, temos uma preocupação mais geral. Esse festival sendo transformado em bienal, pode causar o esfriamento e a descontinuidade disso. A Feteape tem como exemplo o projeto Todos Verão Teatro, que sempre aconteceu em janeiro. Depois houve um acordo para que ele fosse para março e, quando chegou março, a prefeitura disse que não tinha dinheiro por causa do carnaval. E deu-se esse esfriamento. Temo que isso aconteça agora.

Qual a posição de vocês na próxima reunião? Já que é uma questão muito mais ampla e não estamos discutindo pessoas?

Feliciano Félix – O posicionamento das entidades é dizer que não concorda que esses festivais sejam bienais. A outra questão que temos que ficar atentos é que existe um Plano Municipal de Cultura para a cidade do Recife, que foi aprovado em 2009. É um plano para dez anos, válido até 2019, e está sendo descumprido pela Prefeitura do Recife. Se você tem um Plano Municipal de Cultura que diz quais são as políticas estruturadoras que devem ser implementadas e lá fala que os festivais não anuais, fora os outros eventos que foram cancelados… Na hora que a Prefeitura não cumpre um plano que é lei, ela corre, inclusive, o risco de ser enquadrada por improbidade administrativa.

Essa é uma questão complicada. Esse plano realmente foi aprovado e sancionado por João da Costa em 2009, mas não há nenhum decreto regulamentando esse plano. Então, juridicamente, esse plano não teria valor. Diante disso, o que vocês pretendem fazer?

Feliciano Félix – Juridicamente é uma questão para ver com quem entende. Mas politicamente é muito ruim descumprir um documento que é fruto da luta, da batalha. Foram muitas reuniões, incansáveis, escutas com o movimento cultural, finais de semana inteiros discutindo, com todas as entidades, não só de artes cênicas. Politicamente, independente dessa questão jurídica, tem uma importância muito grande na construção da política pública de cultura, na democratização do acesso, do fomento, da formação. Isso tem que ser levado em consideração.

Paulo de Castro – E será levado, Félix. Se a gente admitir que nos quatro anos do outro prefeito, ele conseguiu fazer, como é que esse que veio com toda força política, o homem que veio abrir todas as portas do crescimento…eu não acredito! Quando ele for comunicado e entender o que está acontecendo, ele não vai fazer uma besteira desses. O festival de teatro, por exemplo, é insignificante financeiramente, inclusive. Um projeto de R$ 1 milhão, que é nacional, que abre mercado de trabalho. Mas a gente também não disse ao prefeito o mercado de trabalho que a gente abre. O prefeito pode achar que abriu centenas de vagas com as bicicletas. Eu diria a ele que nós abrimos milhares com nossos processos culturais. Muito mais que a Fiat, por exemplo! Quantos empregados tem a Fiat? Quantas pessoas nós empregamos por ano? Então essas coisas, numa discussão aberta, tranquila, sem nenhuma violência, sem nenhum sentido de direita e esquerda, de A ou B. A gente discute cultura. Não quero discutir teatro, quero discutir a cultura como um todo, puxando do Estado o dever que é dele e que está no Plano.

Feliciano Félix – Se existir uma decisão política, vontade política, não precisa Plano nenhum. É só fazer. Outra coisa que a gente observa é que os recursos para a cultura estão diminuindo ano a ano. A gente está até com um documento: Carta ao povo do Recife pela retomada e fortalecimento das políticas públicas de cultura na cidade do Recife. Esse foi o documento escrito a partir da reunião de artistas de várias linguagens no Caramiolas. Foi feito um levantamento e a cultura tem sofrido cortes. E há uma projeção de redução de 16% em relação a esse ano.

Essa situação, já que o próprio Feliciano está dizendo que os valores destinados à cultura foram diminuindo ao longo do tempo, e pensando que essa prefeitura está aí há dois anos, chegamos a essa situação por quê?

Paulo de Castro – Pela fragilidade da própria classe, claro. O governador e o prefeito eles não têm culpa de nada. Porque o foco deles é outro. Até porque eles não entendem de cultura e nem acham que política cultural dá voto. Quem tem que mostrar isso a ele somos nós. Nunca vou dizer que fulano de tal, que é o governador, o prefeito, é culpado das coisas. Eu posso até dizer coisas piores a eles, mas jamais isso. Porque isso é uma questão de discussão própria da categoria e é uma exigência. Afinal de contas, pagamos os tributos normais e somos as pessoas que criamos a cultura desse país. Não é qualquer coisa não. Nós temos um valor que deve ser mensurado, pensado e repensado, e respeitado, antes de tudo.

Feliciano Félix – Concordo, mas há falta de sensibilidade por falta do governo e atenção para a cultura. Porque se eles tivessem atenção, por mais que houvesse a fragilidade da classe…a coisa não estaria como está. Porque a ausência deles na reunião do Conselho Municipal de Cultura?

Paulo de Castro – Porque não interessa! Eles não vêem aí nenhuma motivação. E outra coisa, os secretários vão tomar conta das suas secretarias para criar e deixar as marcas deles, como se as marcas deles fossem uma coisa importante para a cidade, quando muito mais importante seria eles verem o que a população quer e fazer os projetos que a população necessita, seja em qualquer setor, no esgoto ou na cultura, no que for. Mas aí vem um secretário, cria uma história, é eleito com não sei quantos milhões de votos; e a sociedade se abestalha e não diz: não é isso que a gente quer não, pelo amor de Deus, a gente quer outras coisas. Agora a gente tem que dizer, porque senão eles não vão ouvir, não vão saber.

Quero fazer uma pergunta nesse sentido. Vocês esperaram que a Prefeitura divulgasse, e muito mais motivada pela imprensa, quase em novembro, que não haveria festival. Quando todo mundo já falava sobre isso, já havia um burburinho na cidade, isso corria à boca miúda. Porque vocês esperaram ver que o festival não ia acontecer para tomar uma atitude?

Ivonete Melo – Eu mesma só vim saber depois que saiu na imprensa. Até então, nem boca miúda eu tinha escutado.

Então as associações não estão acompanhando o que está acontecendo na cidade…. Porque um festival nacional gera articulações…

Feliciano Félix – A gente não acreditava que houvesse esse descaso.

Paulo de Castro – A questão não é essa. A questão é articulação. As entidades elas não podem estar desarticuladas entre si e elas estão. E não tem problema de dizer isso.

Ivonete Melo – E você sabia que não ia ter o festival através de quem?

Paulo de Castro – Através do jornal, dos amigos.

Se você está em novembro e nada aconteceu…

Paulo de Castro – Se a gente está articulado, a gente sabe disso antes. Quando eles falassem no festival, a gente pediria uma reunião. O que vai ter? A gente tem que estar cobrando. É uma surpresa e o milagre acaba sendo dela, porque foi Leda quem convocou a gente. A gente ia meter o pau no jornal e ia ficar por isso mesmo e não ia ter. Então, nesse ponto, tenho que argumentar que Leda foi a salvação da história, porque ela viu, é uma mulher democrática, uma mulher que respira cultura, da classe, viu: “pô, como é que se faz isso sem nem convocar, para saber o que se pensa?”. O erro é nosso, porque temos que voltar a ter articulação como tínhamos há 20 anos. Nada acontecia nessa cidade sem a gente saber. Quando Jarbas (Vasconcelos) tentou, imaginou, que ia pegar os teatros da cidade para vender, não deu 24 horas, a gente deu uma pressão nele, parou tudo. Agora não adianta se mobilizar só quando tiver o crime. Quer dizer, só depois que uma pessoa morre, nós chegamos? É preciso também que a gente chame a categoria que não está participando, que é a maioria, até porque desacredita, mas se desacredita é um problema deles, eles têm que ver e abrir os horizontes, porque a gente precisa estar junto, presidente de entidade não resolve nada sozinho não.

Os artistas não se vêem representados pelas entidades – tanto é que surgiram vários movimentos, diferentes reuniões aconteceram desde o anúncio que não haveria festival. Como é que vocês vão lidar com essa falta de representatividade?

Ivonete Melo – O sindicato não é só os presidentes não. Paulo tem razão. Porque a classe falar é uma coisa e chegar até as entidades e dizer o que quer, como quer e vamos agir, é outra coisa, entendeu? Os presidentes sozinhos não resolvem nada não. Resolvem com a classe. Por exemplo: se a classe sabia disso há muito tempo, porque não foi lá? A classe não falou lá, na avaliação, quando terminou o festival ano passado?

Mas quem deveria ter permanecido cobrando isso não eram as entidades? Como pessoas jurídicas?

Paulo de Castro – Também. Mas a classe também tem todo o direito, assim como temos de tirar um governante, a classe tem direito de tirar um Paulo de Castro, por exemplo. Mas há também de se dizer que, de uns quinze anos para cá, a classe só pensa no umbigo. O que é que eu tenho? O que é que eu posso? Até porque a situação financeira está ruim. Quero só fazer um parêntese de que a situação financeira do Brasil é realmente muito ruim e ficará pior e quem pensa que é brincadeira vai se dar mal. Voltando à categoria, tenho todas as culpas do mundo, mas estou aberto a discussões. Mas não pode querer só abraçar teatro. Não se resolve política cultural abraçando teatro.

Ivonete Melo – E sozinho, fazendo as coisas sozinho.

Paulo de Castro – E discutindo as questões em mesa de bar. Tem que fazer uma assembleia e chamar quem você acha que está errado. Convoque uma assembléia da Apacepe, do Sindicato, pra ver se nós não fazemos?

Ivonete Melo – Nunca nos negamos.

Paulo de Castro – Mas o mundo hoje é outro. Há 30 anos, não tinha nem o celular. E a gente combinava uma reunião em 24 horas. Hoje a gente tem isso aqui e não consegue juntar cinco pessoas, porque cinco pessoas têm duzentas coisas pra fazer. O mundo virou. Essa tecnologia afastou as pessoas.

Voltando à questão: o que vocês pretendem na próxima reunião na Prefeitura do Recife?

Paulo de Castro A gente vai lá provar por A+B que não há o menor problema da Fundação ou da Secretaria fazer o festival anualmente, porque o problema financeiro não é verdade. O problema é a gestão entender que é importante e colocar a grana na Loa, entendeu? Como quando eles querem, colocam. Quando o governo quer fazer uma ação, o dinheiro chega antes. Quando o governo, seja Prefeitura, Governo do Estado ou Federal, ele quer fazer uma ação que precisa pagar antes as pessoas, ele arruma o dinheiro e paga. Agora, quando não quer, só pode pagar com 60 dias, com 90 dias. Ai vira essa brincadeira. Porque a coisa mais fácil do mundo é dizer que o órgão é emperrado. Claro que o órgão é emperrado. Mas quando a pessoa quer decidir politicamente, desemperra tudo em 24 horas.

Mas e para além dos festivais, as outras questões, como o SIC, o Fomento?

Paulo de Castro Essa é a próxima reunião. A gente não vai discutir só festival não. A gente tem que discutir: “olhe, essa grana que estava aqui e faz tanto tempo que não entra. E agora vocês dizem que vai ser R$ 33 mil?” Não pode ser dessa forma. Então a gente tem que discutir isso. Mas não é só isso não. Tem uma série de coisas que não são mais feitas. Não se faz mais nada, acabou tudo.

Ivonete Melo – O Hermilo mesmo tinha. O Aprendiz Encena, O solo do outro, que isso tudo é formação, oficina. Tem uma série de coisas que nada mais acontece.

Paulo de Castro – Mas veja bem. Lá no Hermilo, tem várias oficinas. Podem não ser as que já estavam na cabeça da gente. Mas está lá. O problema é de quem está no Hermilo e que olhar ele quer pro Hermilo. Isso passa também por quem está dirigindo. E se ele está só e não tem nenhuma cobrança, se a gente não vai atrás, ele vai fazendo, é natural. Dizer: “olha, a gente precisa fazer um curso com os técnicos. Os técnicos estão morrendo aí e não estão repassando para os jovens”. Só que essa coisa toda requer muito tempo da gente e a gente não ganha um tostão pra isso. E chega um momento que, por exemplo, “hoje eu não posso, porque vou fazer um palhaço na casa de alguém pra ganhar 300 contos”. E você na mesma hora dissipa a discussão. Isso acontece direto. Se você colocar uma reunião agora à noite e conseguir juntar 20 pessoas, você sobe aos céus.

Diante dessa falta de mobilização, o que vocês vão fazer? Vocês pretendem acionar o Ministério Público?

Feliciano Félix – O cancelamento dos festivais foi apenas a gota d´água. Tem uma série de problemas que vem há muito tempo. O Teatro do Parque fechado há tanto tempo; o Barreto Júnior não recebe espetáculos por causa do ar condicionado. A gente não tem casas de espetáculo pra fazer nossos espetáculos. Na minha opinião falta planejamento, falta previsão orçamentária para cobrir essas ações. Acho que falta clareza da política pública pensada por essa gestão para que a gente possa entender e acompanhar.

Paulo de Castro – Não tem. O cara está no teatro, faz a política para o lugar. Mas não é um pensamento, uma ideia que seja jogada para a sociedade, esse é o pensamento geral.

Esse não seria um problema da secretária, não seria ela a responsável por pensar ou chamar as pessoas, os estudiosos, a academia, e traçar esse plano para a sociedade discutir?

Feliciano Félix – E não precisa começar do zero, porque já existe o Plano Municipal de Cultura.

Paulo de Castro Porque esse pensamento, do maior grau que é a secretária, ele não é verdade. O pensamento tem que ser o da categoria. O que é que nós queremos que a secretária faça? Eu vejo que é diferente. Não é o que a secretária vai fazer para a gente e sim o que nós queremos que ela faça. Se ela traz uma coisa boa e que nos interessa, claro que a gente vai , mas a gente não tem que ouvir a secretária. Ela é que tem que nos ouvir. Ela é paga para ouvir e fazer o trabalho. Outra coisa: ela não é paga para executar o trabalho não. Ela tem que contratar as pessoas certas da cidade para produzir determinado evento ou espetáculo, porque a qualificação deles lá não é essa.

Vocês pretendem acionar o Ministério Público?

Paulo de Castro – No momento, na minha opinião, de jeito nenhum. O Ministério Público é para pessoa física. Como entidade, tem que pensar, discutir, pra ver quais são as possibilidades. Se for para partir para a briga depois, nós partimos.

Paulo de Castro, Roberto Xavier, Ivonete Meo e Feliciano Félix

Paulo de Castro, Beto Xavier, Ivonete Meo e Feliciano Félix

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Operário do teatro

Moacir Chaves chegou a fazer a proposta para a mulher e os dois filhos: deixar o Rio de Janeiro e virem morar no Recife. A família não aceitou. Ele diz que, mesmo sendo uma metrópole, Recife tem um ritmo mais tranquilo do que o Rio ou São Paulo. Mas o diretor que tem no currículo mais de 40 espetáculos, muitos deles premiados, não faz só elogios: acha um absurdo que a cidade não demonstre sua força cultural no teatro, o que estaria ligado, por exemplo, à ausência de um curso de formação do ator.

Na semana passada, Moacir Chaves veio a Pernambuco por dois dias para os últimos ensaios de Rei Lear, montagem que assina para a Remo Produções e que encerra curtíssima temporada neste domingo (30). É a segunda vez que o carioca trabalha com as atrizes Paula de Renor e Sandra Possani (que em Rei Lear são também acompanhadas por Bruna Castiel). A encenação de Duas Mulheres em Preto e Branco também ficou sob a responsabilidade dele; e foi dele também a ideia de encenar Shakespeare tendo apenas três mulheres no elenco.

A conversa com Ivana Moura e Pollyanna Diniz, que incluiu temas como teatro de grupo, formação do ator, atitude política e televisão, no entanto, foi realizada meses antes, em janeiro, quando Moacir trouxe ao Recife duas de suas montagens com o Grupo Alfândega 88: O Controlador de Tráfego Aéreo e A Negra Felicidade. No Janeiro de Grandes Espetáculos, ele foi também um dos jurados do prêmio Apacepe de Teatro e Dança na categoria teatro adulto. Viu de perto as deficiências do teatro pernambucano, mas também as suas possibilidades.

Moacir Chaves

Moacir Chaves

ENTREVISTA // MOACIR CHAVES

Você tem uma formação teórica e prática em teatro. Você sempre pensou no teatro? 
Não. Fiz parte de um grupo de teatro quando era garoto, em Teresópolis, mas por acaso. Um amigo que tocava violão me levou. Era um grupo bacana. Eles montavam uma peça por ano, apresentavam e, com o dinheiro, a gente ia numa pizzaria e ia ver uma peça no Rio. Eu nunca tinha ido ao teatro. Morava numa cidade de interior, Teresópolis. Mas, desde sempre, participei de qualquer coisa que tivesse a ver com teatro na escola, por uma coisa muito simples: eu era bom aluno de português e era escolhido. Nunca fui desinibido. Pelo contrário! Sempre fui muito fechado, tímido. Mas normal também… jogava bola, fazia tudo. Eu era inibido com meninas, basicamente! Nunca escolhi fazer teatro. Entrei nesse grupo e a gente foi fazendo. Depois, fui para o Rio estudar Geologia. Teatro não existia! Não era uma possibilidade! Nem sabia que existia universidade de teatro! Nesse primeiro ano no Rio, 1982, com 17 anos, descobri que, de fato, eu adorava teatro, porque era o que eu fazia. Ia ao teatro todos os dias. Vi todas as peças em cartaz aquele ano. Todas. Ninguém viu mais teatro em 1982 do que eu. Aí fiquei doido pra fazer um curso de teatro. Vi num ônibus uma propaganda de um curso. Fiz curso no Circo Voador, depois descobri que tinha uma escola de teatro chamada Martins Pena. Fiz vestibular para a Unirio e comecei Teoria do Teatro. Já entendia que eu tinha uma relação muito forte com o teatro.

Você é um espectador desde então?
É necessário ver. Vou atrás das coisas, sempre fiz isso. Bem garoto, tinha uma peça em São Paulo, eu pegava um ônibus e ia ver. Todos os primeiros dinheiros que ganhei em teatro, gastei viajando pra ver teatro. Isso é parte da minha formação. Isso é explícito. Quando eu ia ver uma peça que eu sabia que era legal, lia o texto antes. Eu sabia da carência que eu vivia, que era muito grande, ainda é muito grande, mas hoje menos, porque hoje a gente tem acesso via internet a um monte de coisa, viajar hoje é mais barato; e o que tinha para ver eu via. Eu via tudo.

Alguns encenadores rejeitam o teatro dos outros.
Eu nem era encenador! Eu era um garoto que adorava teatro. Até hoje vou ver qualquer coisa. Quando vou montar uma peça, tenho muita vontade de ir ao teatro. Quero ver como as pessoas fazem, o que elas resolvem, quais são as questões, quero comparar com o que eu estou pensando. Isso é bobagem, idiotice! Arte não tem propriedade. Não é você! São as coisas que estão através de você. Não sou eu! Estou estudando um monte de coisa, aprendendo, e tenho que soltar essas coisas todas. Daqui a pouco a gente vai embora! Daqui a pouco a gente morre. E aí? E aquilo tudo que passou por você, que você descobriu? Eu tenho um problema sério agora, tenho que terminar o doutorado. A coisa que mais me estimula a conseguir, porque eu não sou um profissional intelectual, eu leio muito, estudo muito, mas eu não sou um cara que senta, escreve, lê, que tem que ter produção intelectual. Não, minha produção é artística. O que me motiva, o que me faz ser completamente disciplinado é ensaiar, trabalhar, ensaiar, trabalhar. Para produzir escrita eu não sou nada disciplinado. Mas o que me instiga a, de fato, levar adiante o doutorado é tentar por de uma forma menos etérea, menos volúvel, pensamentos a respeito de uma obra, para que fique. Não para que eu seja o autor de alguma coisa ou que tenha originalidade. A questão da originalidade em arte é a coisa mais equivocada que existe. O artista não pode pensar em ser original. Isso é uma falácia, um equívoco. O cara tem que trabalhar com o real, não no sentido de reprodução do real, mas com a vida, com as coisas que estão aí. Isso é coisa do mercado. Quem tem que ser original é a cerveja, o carro. Eles que têm que ser originais. Nós não. Nenhum grande artista tem problema com originalidade. O cara rouba e rouba e é isso aí. O Brecht é um ladrão tremendo e assumido. E daí? Mas se não fosse o Brecht, não existiria aquela obra dele, a despeito de todos os auxiliares que ele “explorou”, ou todas as fontes que ele utilizou. Da mesma maneira Shakespeare, e etc, etc. Todo mundo!

A sua história foi baseada no teatro de grupo?
A única maneira de se trabalhar bem é trabalhar muito e em continuidade. Grupo, coletivo, companhia, não tem nenhuma ideologia nisso. É por que ou você trabalha com parcerias e desenvolve vocabulário, e cresce junto, e vai adiante, trocando, indo e voltando, ou é uma perda de tempo. Não sou nada sectário. Trabalho com quem for. Só não faço televisão porque pra fazer televisão você tem que fazer só televisão. Porque aquilo é divertido. Comecei a fazer teatro porque me divirto, porque gosto de teatro. Não comecei a fazer teatro por nenhuma outra coisa. Adoro estreia! Não fico nervoso em estreia! Gosto de saber o que as pessoas vão achar, gosto de ver se aquele negócio vai funcionar, como é que as pessoas vão receber. Quando a gente não faz bem por um ou outro motivo, quando alguma coisa ruim acontece, só fico triste porque, ai que pena, as condições não foram melhores, o ator estava doente, sei lá, qualquer coisa! Ou esse dia não foi bom…teatro é dificílimo! Teatro não fica bom. Teatro tem que ser bom, tem que ser bom todo dia. Não é como essas coisas mais ‘faceizinhas’, cinema, você fez e está pronto. Não! A gente é uma desgraceira só! Você fez e não está pronto! Tem que fazer de novo e de novo. A questão de grupo é só isso. Tem que trabalhar continuamente e tem que trabalhar seguindo um rumo. E aí infelizmente aqui a gente não tem companhias de teatro. As companhias no Brasil são duas, né? A Globo e a Record. Você não tem outra. O que de fato se mantém? Tem o Galpão, mas é tão limitado, tão fechado, porque o Galpão é só o Galpão. Claro que o Galpão dá milhares de frutos e é um trabalho sensacional, mas o Galpão tem que se renovar, porque o Galpão não pode acabar quando as pessoas do Galpão acabarem.

Como você vê outros casos…o Oficina, por exemplo, não é um grupo…é Zé Celso?
O Oficina não é um grupo. O Oficina é uma coisa que fica em torno do Zé Celso e que algumas pessoas permanecem. É um núcleo. Mas é preciso que as pessoas não se juntem para projetos e projetos e sim que vivam daquilo. E que tenham treinamento, apresentação de repertório.

O Ói Nóis, por exemplo…
O Ói Nóis talvez. Não sei como é que funciona. Claro que tem, mas é tudo muito tênue e ralo. Um grupo deveria ter 30 pessoas. Isso não é nenhum absurdo. Essa companhia de dança que veio agora no Janeiro de Grandes Espetáculos…a São Paulo Companhia de Dança. Quantos bailarinos têm contratados? Porque é que não se tem isso em teatro? Não há diversas orquestras Brasil afora sendo sustentadas pelo governo, com dinheiro do contribuinte? Então, porque não em teatro?

O que precisaria?
Dinheiro. É preciso salário. É preciso que eu viva e saiba que vivo disso, que priorize isso. Tendo dinheiro, salário, tenho rotina de trabalho. Vou todo dia lá fazer um trabalho físico, um trabalho vocal, aprender um instrumento, ler alguma coisa, ensaiar para um espetáculo e apresentar outro. É só isso. Dia a dia. Ator não é ator fazendo uma peça de tempos em tempos. Imagina um músico que toca de ano em ano… O que é isso, gente? Como é que as pessoas ficam dizendo que são atores? Fazem uma peça de ano em ano! Isso é uma aberração. A gente tem que entender que é uma aberração e não ficar triste, porque essa é a nossa realidade. O que a gente tem que fazer? Mudar! Como? Formulando políticas culturais. Berrando que isso está errado! A gente nem percebe! Porque não quer admitir o nosso fracasso individual, que não é culpa nossa. Você não é ator, meu camarada. Se você faz uma peça de dois em dois anos, você não é ator. Você é um diletante. O mundo não te permite isso. Ator é quem trabalha com constância, quem trabalha permanentemente. É difícil mesmo. Assim: o grupo Galpão, por exemplo, é um grupo de atores. Eles trabalham sem parar, há 20 anos. E a melhora individual é brutal. Eles são muito melhores atores do que quando começaram. É uma coisa impressionante! Você olha e diz: olha a maturidade. Mas maturidade não é porque ficaram velhos não! Porque você fica velho e não fica maduro. Maduro na atividade. Você só é maduro na atividade, se você fizer sem parar. Vamos parar de mentir, gente. A gente é uma civilização pobre de teatro, paupérrima. A gente mal faz teatro. Vamos olhar a realidade. A gente faz teatro de uma forma tosca. É nos grandes centros também. Não estou falando porque eu estou no Recife, ou se tivesse em Fortaleza, ou em Belém. Não! Estou pensando no Rio, na minha cidade, nos meus colegas.

O que precisa para se tornar um ator? O que é um ator?
Precisa formação. O ator é um sujeito que sabe controlar o corpo, a voz, criar sentido com os movimentos e com o som que produz, sabe respirar, sabe o que é o diafragma. Esse é o básico. O ator que souber andar a cavalo é melhor. O ator que souber lutar capoeira é melhor. Quanto mais coisa uma pessoa souber fazer, mais capacidade terá. Isso não quer dizer que o pulo do gato é saber fazer um monte de coisa. O pulo do gato é alguma coisa impalpável. Porque um ator que tem um treinamento, tem isso, tem aquilo, é excelente, e o outro que tem a mesma coisa é médio? Porque tem um pianista que é genial e outro que é excelente, que é muito bom? A musculatura de ambos é absolutamente trabalhada, eles tocam no mesmo tempo. O que difere um pianista genial de um pianista bom não é a capacidade de acessar as teclas num determinado tempo e ritmo. Não. Ambos vão conseguir o mesmo rendimento nisso. Isso é o impalpável. Isso também tem em teatro. Sendo que a nossa arte é menos objetiva até do que a musical, porque um pianista vai executar aquela partitura e a partitura não vai deixar de ser o que é. O ator é um inventor de partituras. Mas ou ele sabe tocar ou não adianta nada. Depois do momento em que ele sabe tocar, aí tem que dar o pulo do gato. Tem gente que tem essa coisa impalpável, do talento, mas não tem treinamento. Aí não adianta nada. Tem gente que tem muita sensibilidade, mas não sabe se relacionar com isso. Tem gente que não tem referência.

Já que falamos do ator, com o diretor, o encenador, é o mesmo processo?
Acho que sim. Só que diretor é mais maluco ainda. Porque é uma invenção o tempo inteiro. Claro que você sabe os códigos, etc, etc, mas é uma invenção permanente. Diretor é uma figura estranha de se ensinar. Dou aulas de direção na universidade e não sei como ensinar. Eu sou um blefe! O que faço é trocar experiência e mostrar ponto de vista. E os caras têm que estudar, óbvio. Os caras têm que ler tudo, ver tudo, saber tudo. Se eles não virem, não lerem, não estudarem, não são nada. São uns ignorantes, uns bonitinhos, uns bobos. Tem um monte de gente que dá curso de dramaturgia, que nunca leu Nelson Rodrigues, Martins Pena, França Júnior, Beckett. Ouviu falar. Isso deveria dar cadeia! Pô… Descobri outro dia que um jovem dramaturgo, trabalhou com a gente no grupo, o cara não conhecia a obra do Nelson inteira. Conhecia mal e porcamente, uma, duas peças. Pô, cara! Faz isso não! Aí você vai dar curso de dramaturgia? Coisa feia! Você não sabe nada! Você vai fazer coisa velha. Mas o interesse desse rapaz específico que estou pensando é mais televisão, fazer roteiro. Então tudo bem. Aí dá. Lá não precisa saber nada. Precisa saber aquele modelinho, aquela coisa específica. Tem um saber ali, mas…

O controlador de tráfego aéreo, montagem da Alfândega 88. Foto: Rodolfo Araújo

O controlador de tráfego aéreo, montagem da Alfândega 88. Foto: Rodolfo Araújo

Até na televisão existe uma exigência e o público já nota quando há algo diferente.
Mas televisão nunca vai chegar, né? Televisão é aquilo ali, mercado, restrito. Mercado é consumo de massa e acabou. Você entra na Globo, por exemplo, você não precisa saber nada mais do que o que eles fazem. Se você é uma pessoa talentosa numa coisa e a Globo te contrata, ela não te contrata para fazer aquela coisa que você faz. Ela te contrata porque você é talentoso. E ela vai ensinar a você o que ela faz. A Globo ensina você a fazer a Globo. E não a mudar a Globo, porque a Globo funciona. E o que eles querem é funcionar. E eles querem tirar os talentos do mercado, porque eles podem inventar coisas diferentes e isso desequilibrar…quando eles te contratam é uma forma de usar tua energia, tua inteligência, para fazer o que eles já fazem. E para ceifar a tua energia e inteligência, para não ameaçá-los noutro canal. Isso qualquer grande empresa faz. São assassinas, elas não se interessam por nada, só pelo rendimento prático da ponta, da venda.

Voltando a falar de ator, você encontrou esses atores na Alfândega 88?
Não. De jeito nenhum. Porque ali não é uma escolha de grandes atores. É uma escolha de gente para trabalhar com continuidade e aí entram questões éticas, de comportamento, de interesse. A gente vai se juntando por interesses, às vezes por falta de opção. Tem muita gente que faz teatro porque não consegue fazer outra coisa. Quando fizer outra coisa, nunca mais faz teatro. Isso é muito comum. O cara diz assim: “sou um ator de teatro”. Mentira! O cara está doido pra ficar famoso e descansar. Um cara fez teatro 20 anos… aí soube de uma fonte muito íntima que ele chorava: “eu sou tão bom ator, todo mundo diz, reconhece. Porque não sou chamado para fazer televisão?”. A resposta é: porque você é feio fisicamente, você não se enquadra no que eles precisam nessa faixa etária. Quando você ficar mais velho, isso já não vai ter tanto interesse, tanta importância. E aí você será assimilado, tenha calma. Aí o que aconteceu com esse rapaz? Foi assimilado, hoje ele faz televisão, aqui e ali. Aí eu o convidei para fazer uma peça. “Ah, não vai dar, estou gravando. Mas a gente precisa fazer teatro, né? Não dá para ficar sem teatro”. Falando como uma figura que precisa fazer teatro. Quem precisa fazer teatro, faz teatro. Você não precisa. Precisa ter o seu emprego, você está satisfeito aí. Quando digo que a gente precisa ter emprego no teatro é para possamos nos fixar no teatro, para que o teatro não perca aqueles que querem fazer teatro e não que retenha os que não querem. Porque tem muita gente que quer fazer só teatro, mas não pode. Aí qualquer contrato, aceita, vai e murcha naquele lugar. Por outro lado, tem gente que desabrocha: “agora sou feliz, sou alguém, conhecido, reconhecido”. Que é uma coisa justa. Isso não é uma questão moral.

Duas mulheres em preto e branco. Foto: Pollyanna Diniz

Duas mulheres em preto e branco. Foto: Pollyanna Diniz

Você está trabalhando com Paula e Sandra desde Duas mulheres em preto e branco. Como foi esse trabalho e como se deu essa continuidade?
A Paula e a Sandra são muito legais, dispostas, disponíveis, prontas para trabalhar, com muito gabarito, algumas deficiências de formação, mas com muita experiência. E dispostas a trabalhar essas deficiências. Isso não quer dizer que elas não sejam boas atrizes. Elas são ótimas atrizes, mas têm uma coisa da falta de formação básica. E a continuidade é só o que se precisa. Por isso que a gente pensou um segundo espetáculo. Foi uma relação muito amorosa, a gente se deu muito bem. Tivemos um resultado muito bom. Acho muito legal o resultado do Duas mulheres. É uma tarefa dificílima fazer aquele texto e acho um espetáculo muito bonito e difícil também. É muito desigual, controlar essas coisas todas, manter o lugar correto. Nada foi forjado. Tudo nasceu da gente, em conjunto. A gente foi entendendo o texto, o autor, a forma, o tipo de intervenção que ele fazia. O autor é um personagem nosso, ele não sabe, mas é. A forma vem da percepção de uma mente que organiza aquela matéria. E isso é o que molda as atividades em cena.

E a sugestão de Shakespeare? Foi sua?
Shakespeare foi uma sugestão para continuar. Trabalho com muitos textos, dou aula. Nesse semestre, trabalhei com Rei Lear, dei uma oficina no Teatro Serrador; e pensei vamos fazer Rei Lear com três atrizes. Aí propus a Paula. Mas, para isso, para continuar a relação. Eu adoraria morar no Recife. Comprar um espaço aqui, ter uma sede aqui, produzir a partir daqui. Propus isso a Mônica e ela não topou. Nem os meninos. É uma cidade linda, pessoas amorosas, um mar desses, a água é quentinha. É possível fazer um trabalho mais concentrado, porque a despeito de ser uma cidade enorme, é bem menor do que Rio e São Paulo. Gosto da cidade, da história daqui. Acho que é um lugar muito especial, muita coisa aconteceu. Sempre foi uma potência cultural; e em teatro não é. Não tem uma escola. Isso é uma vergonha. Em Salvador tem. Não pode! É como se dissesse assim: vocês não sabem o que é o Recife, vocês não entendem o sentido dessa cidade?

Rei Lear. Foto: Guga Melgar

Rei Lear. Foto: Guga Melgar

SERVIÇO:
Rei Lear (Remo Produções)
Quando: Sexta (28), às 19h; sábado (29) e domingo (30), às 20h
Onde: Teatro Apolo (Rua do Apolo, 121, Bairro do Recife)
Quanto: R$ 20 e R$ 10

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Militância na gestão pública

Romildo Moreira, chefe da Divisão de Artes Cênicas da Fundação de Cultura Cidade do Recife

Romildo Moreira, chefe da Divisão de Artes Cênicas da Fundação de Cultura Cidade do Recife

O nome dele está vinculado a ações significativas no teatro pernambucano. Idealizou o Janeiro de Grandes Espetáculos, o Festival Recife do Teatro Nacional, o Circuito Pernambucano de Artes Cênicas, realizado entre 2001 e 2006, participou da criação do Centro Apolo-Hermilo, lutou pela climatização do Teatro do Parque e pela reforma do Teatro de Santa Isabel. Como gestor, o dramaturgo, diretor e ator Romildo Moreira já passou pela Prefeitura do Recife, pelo Governo do Estado de Pernambuco, pelo Ministério da Cultura e pela Secretaria da Cultura do Governo do Distrito Federal.

Atualmente, Romildo Moreira é o chefe da divisão de Artes Cênicas, na Fundação de Cultura Cidade do Recife. Por ironia, recentemente viu seus superiores tomarem a decisão de cancelar a edição 2014 do Festival Recife do Teatro Nacional e ainda de torná-lo bienal, sendo realizado alternadamente com o Festival Internacional de Dança do Recife, evento que hoje está sob a responsabilidade de Moreira e que foi realizado no mês passado com apenas R$ 200 mil de desembolso da Prefeitura do Recife. O restante, R$ 450 mil, veio de parcerias construídas pelo gestor e por sua equipe.

Em entrevista ao Satisfeita, Yolanda?, Romildo Moreira diz que não foi consultado sobre as mudanças nos festivais, admite que a Prefeitura do Recife possui um déficit de atuação na área da cultura, mas se diz motivado a continuar militando na atual gestão. A entrevista foi concedida ao blog na semana passada.

ENTREVISTA // ROMILDO MOREIRA

O que você achou do cancelamento do festival deste ano e da transformação do festival em bienal? Como você, enquanto gestor que criou o festival, enxerga isso?
Não dá para separar o artista Romildo Moreira, que esteve na gestão que criou o festival e que coordenou três edições, do atual gestor, que voltou para a Fundação de Cultura, 13 anos depois. Acho que é lamentável. Depois de tanto tempo que o festival se mantém como projeto anual, que ele tenha essa interrupção. Já tive uma experiência parecida: no terceiro ano consecutivo do festival, a gente optou por não torná-lo bienal, quando surgiu essa proposta, porque nós estávamos com pouca verba e tínhamos o compromisso com o Ministério da Cultura para a reforma do Teatro de Santa Isabel. O festival era o único recurso disponível na prefeitura até então para a área das artes cênicas. Então nós nos reunimos com as entidades, chamamos algumas pessoas notórias das artes cênicas, eu lembro bem, Germano Haiut, Reinaldo de Oliveira, discutimos essa proposta e vimos que não seria a melhor opção. Uma das discussões que a gente levantava era: havendo uma crise por algum motivo, no ano em que ele seria executado, o festival deixaria de acontecer não só um ano, mas por três anos. Nesta situação atual, não sei quais os discursos de defesa dessa proposta e quais os discursos que foram postos contrários a essa bienalidade. Talvez tenham até me poupado, em função de que eu estava muito atarefado com a realização do Festival Internacional de Dança.

Você foi consultado com relação a essa decisão?
Eu não fui consultado. Precisamos esclarecer: mesmo que a gestão cultural da Prefeitura seja uma só para a sociedade de modo geral, existem duas instituições públicas que trabalham com ela. O Festival é ligado ao Centro Apolo-Hermilo e o Centro Apolo-Hermilo é ligado diretamente ao gabinete da secretária. Na minha instância de hierarquia, eu passo por outro segmento, que é o da Fundação de Cultura. Isso também não impede que a gente sente, em comum acordo, para discutir. Mas eu não fui consultado; e aí, repito, talvez até em função das minhas atividades, que estavam muito fortes nesse período, em função do festival. Agora, se eu tivesse sido consultado, certamente teria defendido o contrário. Acho que não teria sido difícil mostrar até o ponto de vista do prejuízo político para a instituição. Dezoito anos depois, tornar o festival bienal, quando nenhuma gestão anterior se colocou neste lugar.

Qual o prejuízo político dessa decisão?
A Prefeitura do Recife está com um déficit muito grande dentro da história de sua participação no universo cultural da cidade, em especial nas artes cênicas, que é onde milito. Esse prejuízo é político, quando isso acontece exatamente numa gestão em que a secretária de Cultura é uma pessoa de teatro, sensível às questões teatrais, uma gestão cheia de pessoas de artes cênicas. É difícil para a sociedade entender como o cancelamento do festival é uma necessidade inadiável; não fica muito claro. Esse prejuízo se estende também ao lado artístico, porque passar dois anos alheios ao que está acontecendo em cena no país inteiro é ruim para a história local, como uma cidade receptora de grandes espetáculos, através exatamente do Festival Recife do Teatro Nacional e do Janeiro de Grandes Espetáculos. O Janeiro de Grandes Espetáculos não supre sozinho essa necessidade.

Um dos argumentos utilizados por Carlos Carvalho, coordenador do festival, é de que não teríamos um prejuízo muito grande, já que a cidade possui muitos festivais. Mas sabemos que o Festival Recife do Teatro Nacional tem um perfil e um objetivo muito específicos.
Acho que passa exatamente pelo que você pontua: perfil. Quando o poder público percebe que ele cumpre um papel e define esse papel como uma função sua, ele não pode ser comparado a outros, tem que ter um diferencial. Temos que voltar mesmo à história do festival: quando, nas três primeiras edições, ele tinha uma curadoria enorme, um grupo grande de pessoas para pensar e realizá-lo, do ponto de vista da programação, era exatamente essa discussão que a gente levantava: qual o diferencial que o Festival Recife do Teatro Nacional tem para o Festival de Curitiba, para Porto Alegre, para os grandes festivais de teatro do país que existiam na época? E a gente via que a importância que o festival iria adquirir para o cenário brasileiro, era exatamente esse seu perfil singular. A gente queria reunir, como reunimos, grandes espetáculos, tendo como mote para cada ano um ponto de vista, a partir desse olhar viriam os convites. O primeiro ano foi a reunião de grupos consolidados. Trouxemos pela primeira vez ao Recife, o Galpão, o Latão, que estourou nacionalmente aqui no Recife, porque era muito conhecido por um gueto de intelectuais em São Paulo, mas à medida que veio para cá, com dois espetáculos, despontou para o resto do Brasil – isso está no livro que o Sérgio de Carvalho escreveu quando o grupo completou 15 anos. É este perfil de trazer o que de melhor se produz, na forma como originalmente foi produzido. Uma coisa não substitui outra. Mas sei que deve ter sido bem doloroso também para os diretores da secretaria e da fundação tomarem essa medida, mas é lamentável, porque quebra uma história.

Espetáculo belga L’AssautdesCieux não viria ao Recife através de produtores independentes. Foto: Irandi Souza/PCR

Espetáculo belga L’AssautdesCieux não viria ao Recife através de produtores independentes. Foto: Irandi Souza/PCR

O Festival Internacional de Dança foi realizado sob sua coordenação. Como você conseguiu viabilizar o festival financeiramente, já que a falta de verba seria um dos motivos pelos quais o Festival Nacional foi cancelado?
A viabilidade do Festival de Dança este ano realmente foi muito difícil. Este ano para a cultura no Brasil não foi fácil e para Recife em especial. Politicamente houve uma ruptura entre o governo federal e o governo estadual e, consequentemente, com o municipal. Isso implicou na questão de verbas da Prefeitura. Para se ter uma ideia: parte dos recursos do Ministério do Turismo para o carnaval ainda não foi liberado, da mesma forma com o ciclo junino. Ou seja: a Prefeitura teve que arcar com despesas que não estavam pré-orçadas para tal, teve que tirar de eventos próprios, como foi tirado do Festival de Dança. O Festival de Dança estava orçado em R$ 700 mil, depois baixou para R$ 500 mil. Ele foi realizado com quase R$ 650 mil em desembolso direto, dos quais R$ 200 mil apenas foram da Prefeitura. O restante foi parceria. A programação realizada no Paço Alfândega, por exemplo, se nós fôssemos pagar todas as despesas lá: aluguel de linólio, aluguel de som, aluguel do espaço, por duas semanas, isso ultrapassaria R$ 50 mil e nós conseguimos como parceria. O grupo da Bélgica, que veio com onze pessoas, o Ministério da Cultura da Bélgica pagou as passagens de ida e volta; o grupo do Sesc de Petrolina, com 22 pessoas, foram passagens de avião pagas pelo Sesc. Foram aportes que se somaram, para que o festival acontecesse, inclusive de forma grandiosa. Não foi menor do que o do ano passado, muito pelo contrário, pela opção que fizemos de espalhar a programação pela cidade inteira, essa programação que foi realizada no Paço Alfândega, diariamente, pegando outro tipo de público, no horário do almoço, resultou muitíssimo bem, tudo isso foi ampliando mesmo o volume do festival. O Paço do Frevo também, que foi outro parceiro, apoiador maravilhoso. O espetáculo da filha de Antônio Carlos Nóbrega, Maria Eugênia, apresentado lá, até o cachê do espetáculo foi o próprio Paço quem pagou. Enfim, a gente saiu buscando parceiros para que, de fato, a gente politicamente cumprisse o prometido com a categoria.

Quem buscou essas parcerias? Quem fez essa produção?
A Gerência de Artes Cênicas, nós, sob minha responsabilidade.

Vocês tiveram algum recurso vindo do setor de captação da própria Prefeitura?
A captação de recursos institucional a gente tentou através das leis de incentivos, que foram poucas, mas não tivemos resposta positiva. Isso foi negociação direta mesmo da Gerência com os apoiadores. O chefe dessa divisão de captação de recursos é Wellington Lima. Eu estive com ele, fizemos projeto para o BNDES e algum outro, que não foram aprovados. Mas essa captação que resultou em verbas alocadas para o 19° Festival Internacional de Dança do Recife veio através de negociação direta com a Gerência.

Como foi a negociação com o Presidente da Fundação de Cultura para que o festival fosse realizado?
Quando eu soube que só tinha R$ 200 mil em desembolso para realizar o festival – porque precisa ainda computar outros gastos, por exemplo, manter um Teatro como o Santa Isabel funcionando a semana inteira em função do festival, isso tem uma despesa muito grande, energia, funcionário, hora extra de funcionário. Mas, de desembolso mesmo, de orçamento para liberação de recursos, só tinha R$ 200 mil. Então tinha duas opções: realizá-lo fazendo a multiplicação dos pães, ou não realizá-lo, porque o dinheiro, de fato, não atenderia às necessidades. E eu, com a minha equipe, resolvemos arregaçar as mangas e investir na realização dele.

Com relação à qualidade artística, não conseguimos acompanhar o festival, mas soubemos de espetáculos imperdíveis; e, ao mesmo tempo, de espetáculos questionáveis…
Realmente, nós tivemos umas oscilações, tivemos alguns espetáculos fracos mesmo. As pessoas até disseram: ‘como uma comissão de avaliação deixa passar isso?’. Mas, em compensação, tivemos outros maravilhosos. Ficamos muito felizes. A exemplo do Dois Mundos, com a atriz e bailarina Mariana Muniz. Ela faz um espetáculo onde o corpo todo se expressa em libras; inclusive ela é daqui, maravilhosa. O grupo da Bélgica, um espetáculo daquele nenhum produtor independente traz, um espetáculo que, para entrar em cena, você tem que adquirir três metros e meio de areia, um botijão de gás hélio que custou R$ 930 só para encher o balão, comprar um monte de tralhas que não dá para trazer da Bélgica, tem que comprar aqui, como pá de construção.

2 Mundos, espetáculo de Mariana Muniz, foi destaque no Festival Internacional de Dança. Foto: Andréa Rêgo Barros/PCR

2 Mundos, espetáculo de Mariana Muniz, foi destaque no Festival Internacional de Dança. Foto: Andréa Rêgo Barros/PCR

Voltando às decisões da Prefeitura, o que foi divulgado é que os Festivais de Dança e de Teatro serão bienais, realizados de forma alternada. Isso envolve o Festival de Dança, sob a sua batuta. Ele virou bienal à sua revelia?
Eu não diria à minha revelia porque não tenho poder de decisão. Tenho superiores. Tenho um cargo muito pequeno diante de quem tem as decisões. Lamento não ter podido estar presente, para defender a manutenção dos festivais. Talvez eu tivesse argumentos suficientes para a gente rever. Para mim, seria muito mais coerente politicamente falando dentro de uma gestão que tem esse elenco de pessoas envolvidas até a medula com a questão da cultura na cidade, como a secretária Leda Alves. Seria muito mais fácil a gente sentar com a comunidade e dizer: “olha, este ano não dá para fazer porque não tem dinheiro. A gente não quer colocar as pessoas para trabalhar e não saber se vai poder pagar. Isso não é uma coisa responsável, não seria uma atitude responsável. Mas, a gente vai se comprometer com vocês que, no ano seguinte, a gente faz o festival, tentar até alocar mais recursos, trazer mais parceiros, para fazer o festival à altura, como a cidade merece”. Acho que as pessoas entenderiam que este ano era impossível fazer, porque foi um ano de Copa, um ano que teve muitos problemas de infraestrutura na cidade, por causa das chuvas, foi um ano atípico, com coisas que justificam a queda de arrecadação da Prefeitura. Agora, o que acho que a gente fica devendo, de fato, é tomar uma medida dessas que não é fácil de ser aceita pela comunidade, sem ter tido esse diálogo, essa oportunidade.

Você já conversou com o presidente depois disso? Você acha que essa é uma decisão reversível? Você vai tentar fazer o Festival Internacional de Dança ano que vem?
Ainda não. Se for uma decisão superior, não posso me opor, muito pelo contrário, tenho que acatar, porque não sou secretário de Cultura, presidente da Fundação ou prefeito do Recife. A possibilidade de voltar a ser anual, acho que tem muito mais a ver com a mobilização da comunidade artística do que da nossa própria interferência lá dentro. Não sei quais os argumentos que levaram a se ter essa decisão, eu não ouvi, pode ser até que essa minha ausência nessa reunião também tenha me deixado sem argumentos suficientes para defender essa posição, porque não ouvi os discursos que levaram a essa decisão, não sei quais foram. Sei que falta de dinheiro existe, mas gostaria mesmo que fosse revista essa posição e que a gente tivesse no próximo ano tanto o festival de dança quanto o de teatro. Até mesmo porque ambos os festivais já têm inscrições em leis de incentivo para o ano de 2015. Então vai ficar muito difícil se um dos projetos que enviamos para uma dessas leis de incentivo for aprovado e a gente não realizá-lo. Ainda tem uma situação delicada, na medida em que se tornou público isso, porque se uma comissão que vai analisar os projetos de 2015 sabe que o nosso festival passou a ser bienal, é óbvio que ela não vai votar no nosso. Já existe um prejuízo. Politicamente é difícil tramitar agora com projetos prévios para um festival que deixou de ser anual, quando a gente já tinha perspectiva de realizá-lo ano que vem.

Na nota que anunciou o cancelamento do Festival Nacional, a Prefeitura aproveitou para anunciar o fomento às artes cênicas. Os artistas sabem do seu empenho, desde o encontro que você teve com a classe no Forte das Cinco Pontas, no início do ano, para que o fomento fosse retomado. Mas como, neste momento, você vai defender esse fomento, com um valor que não é o ideal e que pode ser visto como um ‘cala a boca’ para os artistas?
Ele já estava previsto. A gente precisa fazer um histórico disso também. No último ano que o fomento saiu foi de R$ 20 mil. Quando se descontava os percentuais de praxe, de um desembolso público, isso ficava um valor tão irrisório… Mas o poder público trabalha com orçamentos e a gente não pode pensar num orçamento ilusório, a gente tem que pensar um orçamento real, viável, possível. Então, obviamente, paulatinamente, esses valores vão melhor atendendo às necessidades. Sei que R$ 33 mil, dependendo do tipo de produção é um aporte pequeno, mas é alguma coisa. Até mesmo porque o fomento não impede que um projeto contemplado capte recursos noutras fontes, como o Funcultura. Estamos dando uma pequena parte para incentivar. Fomento não é um patrocínio, é um aporte de apoio mesmo.

Ele não viabiliza. Ele fomenta…
Não produz, ele fomenta. Ele dá o incentivo, não a produção. O Funcultura sim, se você consegue aprovar 100% do seu projeto, é um patrocínio. Agora como foi dito e discutido nesse encontro em fevereiro do ano passado, a gente tinha uma verba de R$ 300 mil. Como dividir? Até porque, ele tinha sido pensado em valores diferentes, para teatro e dança era um e para circo era outro. E lá, nesse encontro, as pessoas de circo não foram favoráveis a esse desnível de valores e conseguiram sensibilizar todos, de que não deveria ser assim. Agora a ideia é que, paulatinamente, a gente vá adequando esses valores, até mesmo porque a inflação existe, é real, está voltando, então a gente precisa fazer com que essas verbas não estacionem. Agora, nunca vai ser suficiente para a montagem. Vai ser sempre uma verba de apoio e nem é um apoio tão pequeno, para iniciar uma produção, já cumpre um bom papel.

R$ 33 mil sem descontos?
A gente está querendo que saia via Fundo, o que tem um implicador burocrático, porque o Fundo é controlado pelo Conselho Municipal de Cultura. Ele tem uma ligação direta com o Conselho. De forma que, se pudermos liberar esses recursos através do Fundo Municipal de Cultura, ele sai como prêmio; caso contrário, o fomento é dado com os descontos normais, de praxe. Mas estamos tentando que ele saia como prêmio do Fundo.

Nós sabemos que, desde sempre, a falta de espaços ou a precariedade dos espaços
Existe já há algum tempo, isso não é recente, não vem dessa gestão atual, um departamento chamado Goe, Gerência de Operação de Espaços, que não está ligada diretamente às artes cênicas. Então todos os teatros, museus, galerias, bibliotecas, os espaços físicos da área de cultura são gerenciados por esse departamento. Existe sempre algum diálogo entre a Divisão de Artes Cênicas e esse departamento. No caso do Barreto Júnior, em especial, ele não está fechado. Está em condições precárias para uso. De forma que os produtores que o buscam sabem que o ar-condicionado de lá não tem mais retorno. Já foi feito agora o processo de levantamento de custos para a compra de um novo equipamento, porque ali é em cima do mar e a maresia acabou com toda a estrutura da máquina. Agora, no Festival, nós usamos o teatro. Teve um custo enorme para colocar aqueles ar-condicionados portáteis, que são alugados para eventos. Colocamos seis aparelhos, quatro no auditório, um nos camarins e um no palco. Ficou um clima agradável. Mas, por exemplo, uma produção independente que vá cumprir temporada não vai conseguir arcar com essa despesa para tirar de bilheteria.

Qual a previsão?
A partir do primeiro semestre de 2015. Essa foi uma notícia recente, que o próprio diretor do teatro, Marcelino Dias, me passou. Que o GOE já está fazendo esse processo de custos, para abrir processo de compra, os trâmites burocráticos. Segundo Marcelino, vai ser adquirido no primeiro semestre de 2015.

Porque além dos festivais, a casa abre edital para ser ocupado, faz parte da política de ocupação do espaço. Então até o fim do primeiro semestre isso não vai acontecer?
Parece que é para bem antes, pelo que Marcelino me passou. Esse processo de compra se encerraria ainda este ano; no Janeiro de Grandes Espetáculos provavelmente ele não vai estar instalado, mas a ideia é que logo após carnaval, o teatro já esteja com o equipamento.

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A curadora do Palco Giratório

Palco Giratório

Um circuito de artes cênicas que engloba 126 cidades nos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal. Os números de dimensões continentais são do Palco Giratório, programa idealizado e bancado pelo SESC, que se revela não só um quebra-cabeças logístico, mas também um recorte significativo do que se produz em artes cênicas no Brasil. Este ano, 20 grupos, companhias e coletivos de todo o país estão no projeto. Há espetáculos do Acre, do Piauí, da Bahia, do Rio Grande do Sul. Além da circulação, também são promovidos debates ao final dos espetáculos, oficinas e rodas de conversa intituladas Pensamento Giratório. No Recife, há o festival Palco Giratório, que acontece durante todo o mês de maio, a Aldeia Velho Chico – mostra de cultura em Petrolina -, e ainda a circulação de vários espetáculos por unidades do Sesc no interior. “Nenhum grupo passa incólume no Palco Giratório”, acredita Galiana Brasil, a representante pernambucana na rede de 32 curadores que idealizam essa programação do Palco anualmente. Conversamos com a atriz, professora e gestora cultural sobre como se dá esse processo de escolha, a participação dos artistas pernambucanos no projeto e a força do programa como política cultural.

Galiana Brasil. Foto: Renata Pires

Galiana Brasil. Foto: Renata Pires

Entrevista // Galiana Brasil

Como foi o processo de escolha dos espetáculos para a circulação nacional este ano? Podemos dizer que alguma linguagem se destacou?
O processo é, via de regra, marcado pelo atrito, pelo debate caloroso. É sempre assim, por conta da escolha do SESC em apostar no seu corpo técnico. Vez por outra surge alguém (desavisado) que propõe a criação de um edital. De fato, seria menos complexo, mas a maioria dos técnicos do SESC – principalmente aqueles que tiveram a chance de ver esse processo nascer-, criou gosto pela coisa. É outra política, outra prática discursiva. Todo artista que se submete aos processos seletivos, via editais, conhece o gosto amargo da burocracia, ver um projeto ser excluído por conta da ausência de uma, entre dezenas de assinaturas, uma certidão negativa vencida. Acho muito importante numa época assim existir alguma forma diferente de praticar política cultural. Ademais, é um paradoxo tão significativo uma instituição extremamente burocrática, como o SESC, investir num corpo curatorial de técnicos. Dá muito mais trabalho para quem seleciona, acredite, mas, para quem não está ali de forma burocrática, apática, é um exercício político sofisticado, um espaço de aprendizado incrível. Quanto aos “destaques”, penso que mais que algum gênero, a grande força foi a da diversidade geográfica, a resposta à lógica perversa da hegemonia das regiões Sul/Sudeste. Este ano tivemos grupos oriundos de diferentes estados do Nordeste – Pernambuco, Paraíba, Ceará, Bahia, Piauí; da região Norte há grupos do Acre, Tocantins; há o Centro-Oeste com o Mato Grosso e o Mato Grosso do Sul. Para quem é dado à pesquisa histórica, sugiro uma visada no catálogo do Palco Giratório, na sessão “grupos e espetáculos que passaram pelo Palco” – ali consta o registro ano a ano. A virada do projeto se deu com a criação dessa curadoria nacional, a partir da gestão compartilhada do projeto, em todas as suas fases. Como num grito de guerra, bradamos, em 2006, em meio à euforia do recorte emblemático que se deu na seleção dos grupos daquele ano, o bordão “mudamos o sotaque do Palco Giratório”, e isso se deu, porque assumimos que o Brasil não tem sotaque oficial – muito menos o teatro! Ele é múltiplo, misturado e diverso. E gostamos disso.

Conhecer as indicações feitas por cada curador e discutir essas propostas deve ser, talvez, um dos momentos mais interessantes do Palco. Será que você poderia lembrar grupos que conheceu, ou teve mais informações, através dessas discussões, e que te marcaram, te surpreenderam, ou continuam fazendo coisas interessantes até hoje?
As indicações acontecem em um processo que antecede o encontro presencial que chamamos de “Análise Prévia”. É quando cada representante dos estados indica até cinco grupos/espetáculos, que podem ser de qualquer lugar do Brasil – ou seja, o curador não está limitado a indicar espetáculos apenas de seu estado, contanto que ele tenha visto o trabalho presencialmente, pois essa é condição primeira para uma indicação. Até o ano passado, esses espetáculos eram distribuídos para todos os curadores em vídeos, e suas informações em cds (também projetos, folders e clippings impressos) que deveriam ser previamente analisadas antes do encontro nacional. A partir deste ano, inauguramos uma ferramenta virtual, e a análise prévia se dará a partir desse canal. Quando nos reunimos para o encontro de curadoria – que dura cerca de dez dias -, já assistimos quase tudo em vídeo, mas sabemos o quanto se perde assistindo teatro em vídeo, por isso que a “defesa” de quem está indicando pesa muito, é o que define a aposta coletiva. Daí o SESC investir na ida de grupos de curadores a diversos festivais ao longo do ano, para que mais gente possa assistir aos trabalhos que estarão circulando nas indicações. Por isso também nosso investimento, aqui no SESC Pernambuco, em trazer curadores dessa rede para o Janeiro de Grandes Espetáculos – para que conheçam a produção pernambucana; daí também assistirmos, durante o encontro, a uma média de 08 a 10 espetáculos presencialmente. Só nesse processo, de análise prévia, com média de oitenta trabalhos de todos os cantos do país, temos acesso a uma cartografia de grupos luxuosa. Eu sempre soube da potência dos grupos em São Paulo, por exemplo, mas foi nessa curadoria que conheci a força do teatro catarinense. Ano passado fui chamada para participar da comissão de seleção de um prêmio estadual do governo de Santa Catarina e fiquei perplexa: simplesmente conhecia quase toda a produção que estava concorrendo e é conseqüência, exclusivamente, da minha ação junto ao Palco Giratório. Porque o edital era estadual, então, além dos grupos de Florianópolis, havia muitos grupos do interior e eu reconheci inúmeros trabalhos, grupos de Chapecó, Criciúma, Jaraguá do Sul.

Qual a força do Palco para a trajetória de um grupo? Quais exemplos poderíamos dar?
Penso que nenhum grupo passa incólume no Palco Giratório. Ou ele potencializará sua energia criadora – inferindo mudanças, inspirando criações, friccionando as relações pessoais, ou ele revelará suas mais profundas fragilidades – inferindo mudanças, friccionando as relações pessoais… Porque o contato humano é por demais intensificado. São contatos com diversos públicos, de forma quase ininterrupta. O grupo se apresenta e já senta pra uma roda de bate-papo. No dia seguinte, provavelmente terá uma oficina, um pensamento giratório, ou seja, mais contato com outros públicos, com os artistas locais, e depois o grupo entra numa esfera de convivência tão intensa que, de alguma forma, gera algum estranhamento. A privacidade nesse circuito é quase zero. Por conta dos custos do projeto, as hospedagens precisam ser coletivas (duplos ou triplos), com algumas exceções devido à condição física, ou limitações de saúde, obviamente. Vi um grupo cuiabano recém criado, cheio de som e fúria, chegar de forma estrondosa, com um trabalho lindo apresentado na mostra Cariri e, no ano seguinte, ganhar o Brasil pelo Palco Giratório. Não resistiu e acabou junto com a circulação. Sempre digo isso aos grupos selecionados, porque tem gente que fantasia. É muita transpiração, não há glamour. O Sesc não é a CVC e o Palco não é a Rede Globo, não é uma viagem de férias e muito menos um circuito de estrelas. De vez em quando, entram uns coletivos meio “desavisados”, às vezes é um diretor, um técnico. Lembro que, há alguns anos, no Festival Palco Giratório de Fortaleza, uma coreógrafa queria cobrar cachê quando soube que o projeto previa um bate-papo após cada apresentação. Antigamente, eu ficava pra morrer, hoje acho até engraçado! Porque, no primeiro “choque de realidade” – e ele vai se dar, afinal, estamos no Brasil -, ou a pessoa se transforma, ou “pede pra sair”. Tempos atrás, um artista questionou a acomodação de um hotel, argumentando que não estava à altura de um “doutor da USP”. A gente ainda escuta coisas desse tipo. E olha que é mais que sabido o perfil de grupo que interessa a esse projeto. Mas, afinal, trabalhamos com o humano, e também nos equivocamos, temos, em todas as esferas, muito o que aprender. Lembrei de um grupo que se desfez depois da circulação, gostaria de ressaltar aqui outros que, durante a circulação, tiveram inspiração para novos trabalhos, entraram em gestação durante o projeto – como o Pedras, do Rio de Janeiro, que teve inspiração para o Mangiare, a partir da diversidade de sabores que experimentaram enquanto cruzavam o Brasil; e a cia. Munguzá, que circulou ano passado com o Luis Antonio Gabriela e também ficou bastante contaminada para nova cria… vamos aguardar o que vem por aí.

Muitos curadores já conheciam o trabalho Viúva, porém honesta, do Magiluth. Foto: Renata Pires

Muitos curadores já conheciam o trabalho Viúva, porém honesta, do Magiluth. Foto: Renata Pires

Quais os argumentos utilizados para a defesa do Magiluth e do Peleja, grupos que representam Pernambuco na circulação nacional este ano? Como foi a recepção dos outros curadores?
São dois grupos completamente diferentes do ponto de vista funcional e de suas linguagens poéticas. Fato que somou muito para o retrato final dos grupos dessa seleção 2014 e que revelou uma diversidade de trabalho de grupo bastante significativa da produção pernambucana. O Magiluth vinha de um ano de bastante exposição, o que ajudou muito, pois muitos curadores tinham assistido a mais de um trabalho deles, tanto na semana de curadores do Janeiro de Grandes Espetáculos 2013, como numa curta temporada que fizeram no Rio de Janeiro. A leitura deles do Viúva, porém honesta foi o grande trunfo, a abordagem libertadora, a coragem de assumir os “erros”, os desvios. A confusão ordenada na poética do caos despertou, nas pessoas, uma possibilidade de ver Nelson trabalhado de uma forma diferente, o que gerou a vontade de ver esse grupo desafiado em outras praças, medir seu fôlego em uma circulação de grandes contrastes como é o Palco Giratório. Uma aposta na irreverência planejada. O grupo Peleja tem todo o “perfil” para o projeto – o que nem sempre quer dizer muita coisa, visto que a quantidade de grupos com qualidade de trabalho é sempre maior do que o projeto pode abarcar-, porque tem um trabalho de pesquisa de linguagem obsessivo, persistente, não “atira para todos os lados”, não trabalha por edital, como tantos coletivos da atualidade. Venho acompanhando o trabalho deles há um certo tempo, as possibilidades de ação formativa são extremamente relevantes, necessárias ao projeto. Cada artista tem sua pesquisa individual e isso é posto à prova. Já vi o grupo em apresentações, já vi seus artistas em mesas de discussão, ministrando oficinas e a forma com que encaram o ofício é digna de nota. Penso que contribuirão bastante tanto para o crescimento da cena como para o fortalecimento das relações éticas intrínsecas a um projeto dessa monta.

Gaiola de moscas, do grupo Peleja, está circulando pelo país. Foto: Pollyanna Diniz

Gaiola de moscas, do grupo Peleja, está circulando pelo país. Foto: Pollyanna Diniz

Como você seleciona essas indicações aqui em Pernambuco? Existe uma “pressão” dos grupos? Como é o relacionamento com eles? Você tenta assistir a tudo? Algum grupo já ficou “na agulha” ou na “repescagem” desde o ano passado? Já tem uma ideia do que vai levar este ano para a roda de debates?
Sim, houve grupos que foram selecionados, mas ficaram no stand-by, no caso de alguma desistência/impossibilidade de algum dos grupos, assim como houve grupos que entraram depois de mais de um ano de defesa. Às vezes, não é o momento, tem que saber recuar, tem que saber se vale a pena repetir a indicação. Tem que entender quando não dá mais. É um jogo, há que se conceber estratégias. A seleção é processual. Antes de tudo, entendo que todo grupo queira participar de um projeto como o Palco Giratório, mas não acredito em grupo que faça trabalho para o Palco Giratório. Enxergado por essa lente o projeto fica muito menor. É ele quem está a serviço do teatro, o teatro é muito maior. Às vezes, vejo que o grupo tem potencial e fico observando, acompanhando a postura, a atuação, o repertório. Mas tem uma questão delicada que se impõe: não existe o ofício de curador no quadro de SESC, de nenhum SESC do Brasil. Com exceção de São Paulo, que envia os técnicos (principalmente para fora do país) para festivais e mostras o ano inteiro – independentemente do Palco Giratório, em que eles passaram a trabalhar um dia desses-, com o intuito de identificar, negociar e trazer grupos, todos nosotros somos estimulados a acompanhar a programação cênica de nosso estado como “mais uma atribuição” do cargo – de técnico de cultura, de gerente de cultura, de assessor de teatro, ou de Professor de Teatro, como é o meu caso hoje, no SESC – PE. Não há uma gratificação ou algum acréscimo salarial. Porque, sabemos, o papel do curador, sua função na contemporaneidade, é algo relativamente novo, que vem sendo bastante debatido e, dentro do SESC, é um processo inaugural. Penso que temos crescido muito, conseguido um espaço de discussão e de escuta privilegiado na instituição, temos alcançado ganhos importantes, como um suporte financeiro para compra de ingressos de espetáculos de teatro e dança, ou o acompanhamento a festivais nacionais de grande relevância, ao menos uma vez por ano. Mas ainda não é o suficiente para estar na obrigação de acompanhar toda a programação do estado. Temos uma gama de serviços e ações práticas e burocráticas ligadas a diversas outras ações de que precisamos dar conta. Toda a análise prévia dos espetáculos do palco, eu faço na minha casa, durante as noites, nos fins de semana, e essa super hora extra não é computada, não faz parte de minha carga de trabalho no SESC, que comporta 40 horas semanais, das 8h da manhã às 17h, de segunda a sexta-feira. Quem está em temporada nesse horário?

Como você avalia a força do Palco pelo país? Pergunto isso porque aqui em Pernambuco, sabemos o quão importante é o projeto. Mas quando converso, por exemplo, com amigos de Belo Horizonte ou Curitiba, é como se o Palco não fosse tão significativo. Você acha que isso tem a ver com a relação dos festivais específicos de cada cidade?
Acho que quase nada no Brasil se efetiva de forma homogênea. Ainda bem, não? O projeto tem papel, força e impacto completamente diverso em cada praça. Existe há 17 anos, e, no início, era composto por cinco ou seis estados que, junto ao Departamento Nacional, aderiram ao projeto. Literalmente “compraram” a ideia, pois aderir significa repartir os custos. Pernambuco está nisso desde o primeiro ano. Todas essas cidades que você mencionou, pertencem a estados que entraram anos depois (há menos de 4 anos). Os Departamentos Regionais do SESC, em todo o Brasil, trabalham com o princípio de autonomia de gestão. E quanto mais construção e menos imposição, tanto melhor. Ressalte-se o poder de sedução do projeto que hoje, no ano de 2014, arrebanhou todos os estados para, juntos, trabalharem na composição desse caleidoscópio transgressor.

O que norteou a escolha dos espetáculos convidados para o festival deste ano?
Além da seleção de representantes da curadoria nacional que assistiram à semana de curadores no Janeiro de Grandes Espetáculos, houve um recorte curatorial defendido por técnicos do Sesc de Casa Amarela, Santa Rita, Piedade e Santo Amaro – a partir de trabalhos que participaram de mostras e projetos do Sesc-PE-, além de grupos que sabíamos estar em processo conclusivo e convidamos para estrear o espetáculo no festival.

Odília Nunes, que ano passado participou da circulação do Palco com a Duas Companhias, estreou Cordelina. Foto: Pollyanna Diniz

Odília Nunes, que ano passado participou da circulação do Palco com a Duas Companhias, estreou Cordelina. Foto: Pollyanna Diniz

Sentimos que a programação este ano está menor em número. Apesar de a qualidade do festival não ser medida absolutamente por números, o que aconteceu de fato? Tivemos menos dinheiro? Porque ações como a Cena Bacante e a Gastrô não vão acontecer?
O Palco Giratório é um projeto (um dentre centenas) financiado integralmente pelo SESC, gerido pela instituição até quando ela entender que ele é importante, necessário. Minha opinião quanto a isso importa bem pouco, eu procuro sempre seguir as diretrizes da instituição, e estou subordinada a gerências e direções, em âmbito regional (jargão do SESC para nos referirmos à administração nos estados) e nacional. Ações como as que você citou foram criações exclusivamente nossas. A Cena Bacante foi inspirada no “Horário Maldito”, que acontecia a partir da meia-noite, na mostra Cariri (CE). Já a Gastrô, uma tentativa minha de criar novos públicos para o festival, de explorar as possibilidades poéticas e seu diálogo com os sentidos, além de aproximar os criadores da gastronomia – arte que pessoalmente admiro bastante-, dos criadores da cena. O percurso de sair do teatro para comer – geralmente em grupo-, é uma ação habitual que pode ser encarada como ritualística. Afinal, e se os pratos, o vinho, o doce, também tivessem relação com a cena? Eu sonhei em ver isso potencializado. Então, essas ações (assim como o Jornal Ponte Giratória, a Cena Fotô), foram criações nossas, e têm um custo significativo que não faz parte da esfera cênica, habitual do projeto.

De que forma você pensa o Palco nos próximos anos?
Eu espero que ele continue, porque ainda se faz muito necessário.

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