Que estamos vivendo uma crise econômica, política, social, não há nisso novidade. Um golpe arquitetado por homens brancos, ricos, corruptos e vestindo ternos tirou do poder a presidenta Dilma Rouseff. Depois disso, diariamente, nos deparamos com notícias e declarações que nos fazem quase perder a fé de que ainda há alguma possibilidade neste país. Mas qual o papel dos artistas diante disso? E de um festival de teatro? A quarta edição da MITsp – Mostra Internacional de Teatro de São Paulo, que começa na próxima terça-feira (14) e dura uma semana (21), decidiu ao menos (um grande intento) tentar refletir sobre o momento que estamos atravessando. O texto curatorial, praticamente um manifesto, assinado por Antônio Araújo, diretor artístico da MITsp, e Guilherme Marques, diretor geral de produção, fala sobre resistência. “Não apenas resistência de sobrevida para um festival ainda novo, mas de fortalecimento da imaginação, de recusa ao cinismo, de superação da apatia e, principalmente, de continuar acreditando na nossa capacidade de ação e de transformação. Recusamos, em igual medida, tanto o estado de coisas a que chegou este país, quanto o estado de ‘coisa’ que insistem em nos imputar”.
Desde a primeira edição da MITsp, não só a curadoria dos espetáculos faz com que a mostra tenha se tornado a mais significativa do país para o teatro de pesquisa, mas a ideia fundamental de que teatro e reflexão andam juntos. Se os espetáculos conseguem, em sua grande maioria, nos tirar do eixo pela experimentação artística, pelas temáticas, pelas abordagens, pelo hibridismo de linguagem, a discussão criada em torno desses espetáculos e do próprio teatro sempre foi um dos pilares da mostra. Este ano, a curadoria do eixo denominado Olhares Críticos, responsável por pensar todas essas conexões em torno da reflexão que a mostra pode gerar, foi assinada pelos jornalistas e críticos Kil Abreu e Luciana Romagnolli. As ações pedagógicas continuam sob a responsabilidade da jornalista Maria Fernanda Vomero. Há ainda o seminário internacional Discursos sobre o Não Dito: racismo e a descolonização do pensamento, cuja curadoria é de Eugênio Lima e Majoí Gongora.
A mostra começa oficialmente (algumas atividades pedagógicas já iniciaram) no Theatro Municipal de São Paulo, dia 14, com o espetáculo belga Avante, Marche!, direção de Alain Platel, Frank Van Laecke e Steven Prengels. Uma banda de música, que pode servir como retrato da nossa sociedade, e a situação de saúde de um músico nos colocam diante da resistência e da finitude. O espetáculo vai contar com músicos brasileiros, sob a regência do maestro Carlos Eduardo Moreno. Para quem for na segunda sessão, no dia 15, um presente: Tom Zé vai comentar o espetáculo ao final da apresentação, na ação intitulada Diálogos Transversais.
Ainda no dia 14, começam as sessões da Mostra Rabih Mroué. O artista visual, dramaturgo, diretor e performer libanês apresenta três espetáculos: Tão Pouco Tempo, Revolução em Pixels e Cavalgando Nuvens. Na coletiva de imprensa da mostra, Antônio Araújo revelou que tenta trazer o artista à MITsp há alguns anos. O trabalho de Rabih Mroué condiz com um dos principais eixos da mostra este ano: o teatro documentário, produções que utilizam fatos reais, documentos, história. No caso do libanês, o contexto de guerra do seu país é levado ao palco, como em Revolução em Pixels, quando ele discute como os sírios estavam documentando a guerra e a própria morte; ou em Cavalgando Nuvens, que tem como performer seu irmão, vítima de um tiro durante a guerra civil libanesa. A ação Pensamento-em-processo, uma conversa com Rabih Mroué, sua esposa (que também é performer em Tão Pouco Tempo) Lina Majdalanie, e seu irmão Yasser, será mediada no dia 16, às 10h, no Itaú Cultural, por Pollyanna Diniz, uma das editoras do Satisfeita, Yolanda?.
Outros três espetáculos internacionais compõem a MITsp: o alemão Por que o Sr. R. Enlouqueceu?, com direção de Susanne Kennedy para a Münchner Kammerspiele, uma montagem que faz a adaptação do filme homônimo de Rainer Werner Fassbinder; Mateluna, continuação de Escola, vista na primeira MITsp, do chileno Guillermo Calderón; e Black Off, de Ntando Cele, diretora e performer da África do Sul. Esse último trabalho compõe outro eixo significativo na MITsp: a discussão sobre racismo, empoderamento negro, branquitude e opressão. Tanto que dois dos três espetáculos brasileiros que integram a mostra, A Missão em Fragmentos: 12 cenas de descolonização em legítima defesa, com direção de Eugênio Lima, e Branco: o cheiro do lírio e do formol, de Alexandre Dal Farra e Janaina Leite, enveredam por esse caminho, mas por diferentes vias. O terceiro espetáculo brasileiro da mostra é Para que o céu não caia, da Lia Rodrigues Companhia de Danças. Os ingressos já estão esgotados, mas quem teve a sorte de comprar para a sessão do dia 18 de Para que o céu não caia, no Sesc Belenzinho, vai ter a chance de ouvir o xamã yanomami Davi Kopenawa, cujo livro inspirou o espetáculo, ao fim da apresentação, nos Diálogos Transversais.
Dentro dos Olhares Críticos, alguns destaques: o seminário Dimensões públicas da crise e formas de resistência, que contará com quatro mesas e convidados como Heloisa Buarque de Hollanda, Marcio Abreu, Vladimir Safatle, Suely Rolnik e Marcelo Freixo; uma discussão sobre teatro na Palestina, com o diretor Ihab Zahdeh, a atriz Andrea Giadach e Maria Fernanda Vomero; uma entrevista pública com Guillermo Calderón; o lançamento da nona edição da Trema! Revista de Teatro, do Recife; e a mesa Crítica e engajamento, uma proposta da DocumentaCena – Plataforma de Crítica (que reúne Satisfeita, Yolanda?, Questão de Crítica e Horizonte da Cena), que será mediada por Ivana Moura, editora do Satisfeita, Yolanda?.
O Satisfeita, Yolanda?, aliás, acompanha a MITsp desde a sua primeira edição. Este ano, participamos novamente da mostra escrevendo críticas que serão distribuídas nos teatros e publicadas aqui no blog e no site da MITsp.
Confira a programação completa da MITsp no site da mostra.